Não
há nada mais falso, depois de um assassino que mata crianças dizendo que estava
cumprindo ordens, que um juiz que, com a desculpa de se ater ao estrito
cumprimento da lei, finge que as consequências de seus atos e decisões não irão
ultrapassar os umbrais da sala de tribunal de que toma parte.
A
justiça brasileira quis dar ao mundo, no último dia de agosto, a impressão de
que o que estava em jogo no TSE era o julgamento isolado da elegibilidade ou
não do ex-presidente Lula.
Quando
tratou-se apenas de mais um passo, talvez o definitivo, de um longo processo de
combate político ao ex-presidente da República e ao seu partido que começou bem
antes, quando se permitiu que fosse montada contra o PT a farsa do mensalão –
urdida por pilantras que agora estão sendo investigados por outros crimes – com
a inauguração da criminalização da política pela justiça brasileira e o recurso
a uma retorcida, dopada e mal importada teoria do Domínio do Fato.
Logo,
a justiça brasileira não pecou ontem.
Continuou
a fazê-lo quando, ciega pero no mucho, aceitou, sem impedimentos, que se
montasse contra Lula um processo espúrio, extremamente frágil e polêmico em
provas e cheio de ilações forçadas.
Baseado
em casuísmos variados e delações de conveniência, com inegáveis motivações e
drásticas consequências políticas.
Que
desaguou em uma condenação de segundo grau igualmente espúria, caracterizada
por inéditas pressa e parcialidade, que está sendo denunciada e repudiada em
todo o mundo.
Nunca
é demais lembrar que, escritura por escritura – e a do triplex do Guarujá não
existe nem nunca existiu com relação a Lula – há outros candidatos que foram
extremamente mais bem sucedidos que o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva em seus
negócios imobiliários nos últimos anos.
E
ainda outros que, apesar de afirmar que irão pagar do próprio bolso sua
campanha, irão fazê-lo com milhões de reais recebidos, também nos últimos anos,
por serviços de consultoria prestados a empresas estrangeiras e aos seus
interesses.
Tivesse
o Judiciário controlado a tempo e coibido exemplar e firmemente os arroubos
onipotentes e egocêntricos da Operação Lavajato e seus inúmeros atentados
contra o Estado de Direito, entre eles o da ampla divulgação do conteúdo do
grampo telefônico de um Presidente da República, resistindo à chantagem de uma
pseudo opinião pública fascista e à pressão de uma parcela da mídia, militante
e partidária, a nação não teria chegado ao julgamento de ontem, em que a justiça
brasileira teve de ser confrontada com o sistema internacional de defesa dos
direitos humanos.
É
incrível, tragicamente irônico, cristalinamente hipócrita, que um sistema de
justiça totalmente incapaz de controlar e coibir a violência policial e o abuso
de autoridade – lembre-se a proporção de 36 mortos pela polícia para cada
policial morto no Rio de Janeiro, o aumento de quase 40% no número de mortes
pela polícia, o maior dos últimos 15 anos, e de 128% no número de chacinas no
último ano – aja da forma mais empostada, prepotente, intransigente, arrogante
e impiedosamente implacável contra um homem já preso e controlado fisicamente,
com sua sentença ainda não transitada em julgado, impedindo-o de exercer seus
direitos políticos, quando ele não foi condenado a isso e sim à pena de perda
de liberdade, em um país no qual, como bem demonstrou a defesa de Lula, o mesmo
Tribunal agiu de forma diferente com relação a 1500 candidatos a prefeito
envolvidos com a lei da ficha limpa.
Ao
impedir Lula de ser candidato, a justiça brasileira precisa ter plena
consciência de que será responsabilizada pela História por assumir o risco,
diríamos, quase a certeza, de levar ao poder, com a sua decisão, nesta
República, o policialismo, o armamento seletivo da direita e a apologia da
violência repressiva do estado.
Que
levarão à criação e implementação de leis eximindo a polícia que já é a que
mais mata no mundo de qualquer punição ou controle, já que quem pode mais –
matar sem ser punido – também poderá menos, torturando, extorquindo, abusando
de todas as formas de quem quiser – em uma sociedade em que membros das forças
policiais e de eventualmente outras áreas de segurança se transformarão em
cidadãos de uma casta superior e especial, com poder de vida ou morte sobre a população
que paga com seus impostos seus salários, suas armas e suas balas, sem nenhum
tipo de controle social ou institucional, efetivando como lei o que já ocorre
de fato, vide a intenção do Comando da Intervenção no Rio de Janeiro de isentar
de responsabilidade os policiais envolvidos em mortes durante as operações e a
ausência de qualquer punição prática por massacres cometidos pela polícia
brasileira, que impactaram historicamente o mundo inteiro, como o do Carandiru
e o de Eldorado do Carajás, por exemplo.
Todo
sistema autoritário procura isentar seus soldados da morte de indesejáveis ou
adversários.
Muitos
soldados alemães que mataram mulheres e crianças no leste da Europa exibiam o
adágio Gott Mit Uns – Deus Conosco em suas fivelas. Será que Deus estava mesmo
com eles nessas ocasiões?
E
que não tentem nos convencer que um Estado que irá legalizar esse tipo de coisa
será um exemplo de Democracia para o mundo.
Uma
“democracia” ora em estado de preservação e valorização graças à impoluta e
patriótica contribuição da justiça nacional.
Porque
ele será, neste país escravocrata, que deu a luz ao tronco, à palmatória, ao
pau de arara, o sabiá, à jabuticaba e à chibata, e às masmorras medievais
repletas de sujeitos que sequer foram julgados, na verdade e na prática –
talvez até mesmo devido à ausência de absurdo semelhante em qualquer nação
civilizada – o estado de exceção permanente mais violento e arbitrário do
planeta.
Em
caso de indagações e dúvidas dos leitores sobre o que espera a nação, respostas
eventuais com o guarda da esquina ou com o soldado da blitz na hora do rush ou
da onça beber água, a partir de meados do próximo ano.
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