O
dano ambiental, conforme já se teve a oportunidade de observar nesta coluna[1],
consiste na lesão ao meio ambiente, abrangente dos elementos naturais,
artificiais e culturais, como bem de uso comum do povo (artigo 225, caput, da
CF), juridicamente protegido. Significa, ainda, a violação do direito de todos
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito humano fundamental, de
natureza difusa (artigo 225, caput, da CF).
Assim,
o dano ambiental implica a agressão ao meio ambiente, entendido como o conjunto
de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (artigo 3º,
I, da Lei 6.938/1981), bem incorpóreo e imaterial unitária e globalmente
considerado, e, também, a diminuição, subtração ou destruição dos bens
ambientais e seus elementos corpóreos e incorpóreos — os solos, as águas, o ar,
as espécies da fauna e da flora e seus exemplares, os recursos genéticos, os
ecossistemas, os processos ecológicos, as paisagens e os bens e valores culturais
— que integram o meio ambiente global, bem coletivo indivisível cuja
preservação é assegurada como direito de todos.
Nesse
sentido, ainda que se manifeste, em um primeiro plano, a partir de atentados
aos bens ambientais e seus elementos, o dano ambiental, na realidade, é bem
mais amplo, pois atinge o conjunto de relações e interdependências que permite
e condiciona a vida em todas as suas formas, ou, se se preferir, o equilíbrio
ecológico e ambiental como bem incorpóreo global.
Esse
é, em linhas gerais, em toda a sua extensão, o dano ambiental reparável no
Direito brasileiro, como dano coletivo ou difuso, que o Superior Tribunal de
Justiça trata, muitas vezes, como dano ambiental público[2].
Vale
anotar, aqui, que o dano ambiental, nessa conceituação, não abrange o dano
causado às pessoas físicas e jurídicas, individualmente consideradas, e aos
bens materiais ou morais próprios e individuais destas, como dano reflexo (“em
ricochete”) resultante de degradações ambientais. Embora passíveis, evidentemente,
de reparação, tais danos causados às pessoas “por intermédio” do meio ambiente
são danos individuais, e não coletivos ou difusos[3], como o reconhece, também,
o STJ, que os qualifica como danos ambientais privados[4].
Na
evolução dos estudos sobre a matéria, passou-se a discutir, ainda, sobre a
reparabilidade do denominado dano moral ambiental, como dano moral coletivo.
Tal
possibilidade, admitida inicialmente pela doutrina[5], acabou por ser
consagrada no Direito brasileiro, no artigo 1º, caput, e inciso I, da Lei
7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), com a redação dada pela Lei 8.884/1994.
Dessa forma, a partir de 1994, o que já se admitia em doutrina passou a ser
positivado como norma legal no Brasil.
Interessante
observar, no ponto, que, apesar da expressa previsão legal, o Superior Tribunal
de Justiça mostrou-se, em um primeiro momento, reticente no que se refere à
reparabilidade dessa modalidade de dano coletivo. Segundo o entendimento
inicialmente adotado pela corte, o caráter transindividual do dano ambiental
seria incompatível com a configuração do dano moral, essencialmente individual.
Daí a impossibilidade de caracterização e consequente reparação do dano moral
ambiental[6].
Na
sequência, porém, o próprio STJ modificou a sua orientação inicial, passando a
admitir, de forma tranquila, como passível de reparação, o dano moral
ambiental, em sua vertente supraindividual, ou seja, como dano moral
experimentado pela coletividade como um todo, em decorrência da agressão a bens
e valores ambientais[7]. Com isso, reconheceu-se a viabilidade da configuração
de um dano moral coletivo reflexo, sofrido pela sociedade em virtude da
degradação dos bens ambientais e seus elementos corpóreos e incorpóreos.
Em
uma concepção mais estrita, o dano moral ambiental consiste, em linhas gerais,
no sofrimento, na dor ou no sentimento de frustração da sociedade como um todo,
resultante da agressão a um bem ambiental, ao qual a coletividade se sinta
especialmente vinculada, seja por laços de afeição, seja por algum vínculo de
especial respeito[8].
Nesses
termos, a destruição de um determinado monumento que seja especialmente
importante para a história de uma cidade, com ofensa à memória ou à dignidade
do povo daquela localidade, pode, sem dúvida, configurar um dano moral
ambiental (coletivo); a destruição da praça de uma certa cidade, com árvores
centenárias que definem de maneira especial a paisagem daquela localidade,
causadora de grande frustração para a coletividade como um todo, pode,
igualmente, acarretar um dano moral ambiental.
Já
em uma concepção mais ampla, o dano moral ambiental resulta caracterizado
sempre que houver um decréscimo para a saúde, a tranquilidade e a qualidade de
vida em geral de pessoas indeterminadas, como decorrência da agressão a bens
ambientais, ou se verificar a perda da oportunidade de fruição pelas gerações
atuais e futuras de bens de valor histórico-cultural ou paisagístico. Nessa
visão, como se pode perceber, não se exige, necessariamente, sentimento de dor,
sofrimento, indignação, repulsa ou aflição espiritual pela coletividade para a
configuração do dano moral ambiental[9].
O
Superior Tribunal de Justiça, vale anotar, adotou a concepção ampla de dano
moral ambiental. Com efeito, em julgado que teve voto condutor da ministra
Eliana Calmon, ficou consignado que:
“O
dano extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade
enquanto realidade massificada, que a cada dia reclama mais soluções jurídicas
para sua proteção. É evidente que uma coletividade pode sofrer ofensa à sua
honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e
tradições e ao seu direito a um meio ambiente salutar para si e seus
descendentes. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a
repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. Essas decorrem do
sentimento de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a
própria individualidade à ideia do coletivo”[10].
Nessa
mesma linha de entendimento, cumpre registrar que o próprio STJ, em acórdão
relatado pelo ministro Humberto Martins, já decidiu, até mesmo, que em
determinadas hipóteses “o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao
direito ao meio ambiente equilibrado”, como decorrência da “simples violação do
bem tutelado”, prescindindo, ainda aqui, da demonstração de dor ou padecimento,
que derivam da própria violação[11]. Ou seja: é, praticamente, aqui, um dano
moral ambiental in re ipsa, que dispensa comprovação específica no caso
concreto.
Esse,
portanto, o estado atual da matéria no Direito brasileiro, à vista, sobretudo,
do entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Sob
outra perspectiva de análise, poder-se-ia discutir, ainda, nas situações
concretas de degradações ao meio ambiente, a existência e a reparabilidade de
danos morais causados aos animais não humanos e aos demais elementos da
natureza em si mesmos considerados, figurando estes últimos como vítimas
diretas, em sua esfera própria e específica, de prejuízos de ordem moral.
Tais
danos morais resultariam do reconhecimento do valor intrínseco da natureza e de
todos os seus elementos, independentemente da sua utilidade para os seres
humanos, bem como da dignidade inerente aos seres vivos não humanos e da
condição de sujeitos de direito destes.
Importante
lembrar, neste passo, que o valor intrínseco dos elementos integrantes da
natureza, a merecem proteção devido à sua própria existência, já foi
reconhecida no âmbito do Direito Internacional, em especial na Carta Mundial da
Natureza, adotada em 1982 pela Assembleia Geral das Nações Unidas[12], e na
Convenção sobre a Diversidade Biológica, adotada em 1992 no âmbito da própria
ONU, e ratificada pelo Brasil[13]. Ademais, ordenamentos jurídicos
estrangeiros, como os da Bolívia[14], da Colômbia[15] e do Equador[16], têm
reconhecido, de maneira expressa, a condição de sujeitos de direito da natureza
e de seus elementos, como os rios e as florestas.
Dessa
forma, ao admitir-se, como o fazem diplomas internacionais e o Direito de
outros países, que os elementos da natureza são sujeitos de direito e dotados
de dignidade própria[17], abrir-se-ia, sem dúvida, também, a via da reparação
de danos morais decorrentes das agressões por eles sofridas na sua própria
integridade e vida, para além do dano moral ambiental sofrido pela coletividade
como um todo.
Mas
esse é um estágio que, segundo se tem verificado, o Direito brasileiro ainda
não atingiu, ao menos no tocante ao reconhecimento da condição de sujeitos de
direito dos animais não humanos e dos demais elementos da natureza pelos nossos
tribunais em geral e, em especial, pelos nossos tribunais superiores, o que
evidentemente não impede que se avance nessa direção num futuro próximo, com
inevitáveis desdobramentos no campo da responsabilidade civil ambiental.
[1]
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. A prova do dano ambiental e sua apreciação judicial.
Coluna "Ambiente Jurídico" – ConJur, 19/5/2018.
[2]
STJ, REsp n. 1.373.788/SP, 3ª T., j. 06.05.2014, rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino; STJ, AgRg no AgRg no AREsp n. 153.797/SP, 4ª T., j. 05.06.2014,
rel. Min. Marco Buzzi.
[3]
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio
ambiente. 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 76 e ss.
[4]
STJ, REsp n. 1.373.788/SP, 3ª T., j. 06.05.2014, rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino; STJ, AgRg no AgRg no AREsp n. 153.797/SP, 4ª T., j. 05.06.2014,
rel. Min. Marco Buzzi.
[5]
Sobre o tema ver, entre outros, LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de
Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial: teoria e
prática. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 292 e ss.;
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões
do dano ambiental no direito brasileiro. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2011, p. 139 e ss.; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza.
Configuração e indenizabilidade de danos morais coletivos decorrentes de lesão
a bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro. Revista de Direito
Ambiental, n. 54, p. 231-236.
[6]
STJ, REsp n. 598.281/MG, 1ª T., j. 02.05.2006, rel. p/ acórdão Min. Teori
Albino Zavascki. Na doutrina, STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil:
doutrina e jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
1001-1005.
[7]
STJ, REsp n. 1.180.078/MG, 2ª T., j. 01.12.2010, rel. Min. Herman Benjamin;
STJ, REsp n. 1.145.083/MG, 2ª T., j. 27.09.2011, rel. Min. Herman Benjamin;
STJ, REsp n. 1.198.727/MG, 2ª T., j. 14.08.2012, rel. Min. Herman Benjamin;
STJ, REsp n. 1.367.923/RJ, 2ª T, j. 27.08.2013, rel. Min. Humberto Martins;
STJ, REsp n. 1.269.494/MG, 2ª T., j. 24.09.2013, rel. Min. Eliana Calmon; STJ,
REsp n. 1.410.698/MG, 2ª T., j. 23.06.2015, rel. Min. Humberto Martins.
[8]
PACCAGNELLA, Luís Henrique. Dano moral ambiental. Revista de Direito Ambiental,
n. 13, p. 45-46; MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do
dano ao meio ambiente, cit., p. 97-98 e 355.
[9]
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo, op. cit., p. 292 e ss.;
STEIGLEDER, Annelise Monteiro, op. cit., p. 139 e ss.
[10]
STJ, REsp n. 1.269.494/MG, 2ª T., j. 24.09.2013, rel. Min. Eliana Calmon.
[11]
STJ, REsp n. 1.410.698/MG, 2ª T., j. 23.06.2015, rel. Min. Humberto Martins.
[12]
Resolução n. 37/7 da Assembleia Geral da ONU, 28.10.1982.
[13]
A convenção foi adotada no Rio de Janeiro, em 5/6/1992, aprovada no Brasil pelo
Decreto Legislativo 2, de 3/2/1994, e promulgada pelo Decreto 2.519, de
16/3/1998 (cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Coletânea de Direito
Internacional. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010). A própria Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente brasileira (Lei 6.938/1981) dispõe sobre a
proteção da vida “em todas as suas formas”, ao conceituar o meio ambiente
(artigo 3º, I).
[14]
Ver Ley de Derecho de la Madre Tierra (Lei 071, de 21/12/2010), que, no artigo
5º, reconhece que a Mãe Terra é sujeito coletivo de interesse público.
[15]
Ver, especialmente, julgado da Corte Constitucional da Colômbia, que reconheceu
o rio Atrato como sujeito de direitos (sentença T-622-2016), bem como julgado
da Corte Suprema de Justiça da Colômbia, que reconheceu a Floresta Amazônica
Colombiana, igualmente, como sujeito de direitos (STC 4360-2018).
[16]
Ver artigos 10, 71 e 72 da Constituição do Equador.
[17]
Sobre o debate na doutrina brasileira a respeito do tema, ver, entre outros,
BECHARA, Erika. A proteção da fauna sob a ótica constitucional. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2003, p. 70 e ss.; BENJAMIN, Antônio Herman V.
Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito
ambiental brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 131-133; MOREIRA,
Danielle de Andrade. Dano ambiental extrapatrimonial. Dissertação (Mestrado em
Direito da Cidade). Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 2003; FREITAS, Vladimir Passos de. Natureza pode se
tornar sujeito com direitos? Coluna "Segunda Leitura" – ConJur,
9/11/2008; FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do meio
ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco
jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 36 e ss.; SARLET, Ingo Wolfgang;
MACHADO, Paulo Affonso Leme; FENSTERSEIFER, Tiago. Constituição e legislação
ambiental comentadas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 41-42.
Álvaro Luiz Valery Mirra é
juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito Processual pela USP,
especialista em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito da Universidade de
Estrasburgo (França), coordenador adjunto da área de Direito Urbanístico e
Ambiental da Escola Paulista da Magistratura e membro do instituto O Direito
Por Um Planeta Verde e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do
Brasil.
Revista
Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2018-jul-28/ambiente-juridico-reparabilidade-dano-moral-ambiental-brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário