“Ouvintes
alemães!” Sob esta chamada, o escritor alemão exilado, Thomas Mann, transmitia
em sua língua pátria, via BBC, discursos diários antinazistas. De sua exortação
de 27 de julho de 1943, extraímos esse breve trecho:
“Os
anos repletos do mais brutal terror, de martírios e execuções, não foram suficientes
para quebrarem a resistência que nasce no seio do povo alemão. Os estrangeiros
verdadeiros, contra os quais os bens sagrados da civilização devem ser
protegidos, são eles, os nazistas! Apenas uma parte pequena e corrupta da
classe superior, uma corja de traidores para quem nada é mais sagrado que o
dinheiro e as vantagens, trabalham com e para eles. Os povos se negam a isso, e
quanto mais evidente se mostra a vitória dos Aliados, mais cresce a revolta do
povo alemão contra o que lhe parece insuportável… Nesse verão o mundo se
comoveu profundamente com os acontecimentos na Universidade de Munique, cujas
notícias nos chegaram pelos jornais suíços e suecos, primeiro sem muita clareza
e, logo, com mais detalhes. Sabemos agora de Hans Scholl, soldado sobrevivente
da derrota nazista de Stalingrado e de sua irmã, Sophie Scholl, de Christoph
Probst, do professor Huber e de todos os outros… Sabemos de seu martírio, dos
panfletos que eles distribuíram… Sim, foi aflitiva essa predisposição da
juventude alemã para a revolução mentirosa, falsa, do nacional-socialismo.
Agora os olhos da juventude se abriram e por isso eles põem a cabeça jovem sob
o cepo do carrasco. Mas para a glória da Alemanha eles não se calam nem mesmo
perante os juízes nazistas: ‘Logo vocês estarão aqui, onde nós estamos agora’”.
22
de fevereiro de 1943, há 75 anos: três estudantes universitários alemães foram
condenados e executados em Munique, por liderarem um movimento de resistência
contra Adolf Hitler. Mais dois estudantes e um professor de filosofia, da mesma
Universidade da Baviera seriam decapitados nos meses seguintes. Em Hamburgo,
oitos estudantes igualmente seriam presos, condenados e executados. Dezenas de
universitários das duas cidades foram presos, muitos torturados, alguns
condenados a prisão perpétua e outros a trabalhos forçados em campos de
concentração.
Dias
após, segue Thomas Mann no programa da BBC: “Corajosa e magnífica juventude!
Vocês não terão morrido em vão, não serão esquecidos. Os nazistas erigiram
monumentos para arruaceiros imundos e criminosos comuns. Mas a revolução alemã,
a verdadeira, irá derrubá-los e eternizará, em seu lugar, o nome daqueles que,
quando a noite ainda cobria a Europa e a Alemanha, anunciaram: Nasce uma nova
fé na liberdade e na honra”.
O
grupo Rosa Branca aglutinou-se justamente em Munique, o berço do próprio
nazismo. Ele era composto principalmente por estudantes universitários, muitos
dos quais não se haviam oposto ao nazismo desde o princípio. No entanto,
durante a guerra, eles assumiram posturas plenamente conscientes do risco de
vida que elas representavam. Tinham entre 12 e 15 anos quando o Partido
Nacional-Socialista tomou o poder político, em 1933, e, posteriormente, alguns
deles haviam pertencido à juventude do Partido, empolgados pelos propalados
amor à Pátria e à terra, pelo companheirismo da “Comunidade do Povo”, pela
propaganda que fazia de Hitler um salvador da pátria.
No
entanto, rebelam-se com a mortandade da guerra e com a perseguição e extermínio
dos judeus e iniciam, corajosamente, suas atividades antinazistas em 1942. Na
verdade, o movimento surgiu menos de uma ideologia política e mais da
indignação e da revolta com a forma como os alemães aceitavam o nazismo, seu
valores torpes e brutais e a guerra feita em seu nome.
A
partir de junho deste ano, panfletos começaram a ser encontrados nas caixas de
correio de intelectuais dos grandes centros na Baviera e na Áustria. Seus
endereços eram escolhidos aleatoriamente, nas listas telefônicas.
Os
primeiros já revelavam o alto nível cultural de seus redatores, e centravam
suas referências em diversos valores religiosos, principalmente em citações do
“Eclesiastes” e do “Apocalipse”. Foram quatro os panfletos nessa fase e a
estratégia era redigir os textos em máquinas de escrever, copiá-los e enviá-los
pelo correio a partir de cidades diferentes.
Os
textos conclamavam à resistência passiva contra a guerra e denunciavam a
opressão intelectual praticada pelo nazismo; desejavam abalar a confiança dos
alemães no Führer, despertarem ao menos um mínimo de dúvidas sobre a veracidade
da propaganda feita pelo regime e alimentar eventuais células de resistência no
próprio povo alemão.
O
grupo de Munique consegue expandir-se para Hamburgo. Os dois últimos folhetos,
distribuídos em 1943, já tinham um estilo completamente diferente, reflexo da
primeira grande derrota que chocou a população alemã. A morte de 300 mil
alemães na batalha de Stalingrado, que representou uma reviravolta na Segunda
Guerra Mundial! Denunciavam que os soviéticos haviam apresentado a Hitler um
plano razoável de rendição e que este optara pelo sacrifício de seus soldados,
enquanto o comandante em chefe, von Paulus, do Exército invasor e agora
cercado, fugia covardemente do teatro da guerra para a Alemanha.
Também
pela primeira vez, em linguagem direta, os panfletos apresentavam planos
concretos para a Alemanha do pós-guerra, dirigindo-se a todas as camadas da
população, não apenas aos intelectuais.
Numa
manhã, a população de Munique chocou-se: a Universidade e os prédios próximos a
ela, surgiram totalmente pichados com a frase “Abaixo Hitler e viva a
Liberdade”.
Willi
Graf, Alexander Schmorell e Hans Scholl, os três estudantes de medicina, haviam
passado toda uma noite disseminando a frase tão temida pelos poderosos.
No
dia 18 de fevereiro os irmãos Hans e Sophie Scholl, estudante de biologia,
planejaram sua ação mais ousada: distribuir os panfletos contra Hitler na
Universidade de Munique. Os dois deixaram pilhas de panfletos em volta da
escadaria central. Sophie ainda tinha alguns nos braços e os atirou de cima de
um balcão para que eles caíssem em cima dos estudantes.
Ela
foi vista por um funcionário da universidade, que chamou a Gestapo, a assassina
polícia secreta do Estado. Hans Scholl ainda tinha o rascunho do próximo
panfleto em seu bolso, que ele tentou engolir, quando foi preso.
Os
irmãos foram presos, julgados, considerados culpados e condenados à
decapitação, junto com o amigo e colaborador Christoph Probst, também estudante
de medicina, no dia 22 de fevereiro de 1943. Nos interrogatórios demonstraram
enorme coragem, que ficou conhecida em toda a Alemanha ainda no decorrer da
guerra. A primeira pessoa a ser chamada
para a execução foi Sophie. Caminhou resoluta para a lâmina do carrasco,
recusou a venda e antes que o machado abaixasse, em todo o presídio ouviu-se o
grito da moça de 22 anos: “Viva a Liberdade!” Seu eco jamais se extinguirá!
A
vida de Sophie foi transporta para o cinema no filme de Marc Rothemund em 2005.
“Sophie Scholl – Uma Mulher Contra Hitler”, disponível legendado em português
em: https://www.youtube.com/watch?v=CxERwWy1zWI
Seu
irmão foi executado a seguir e suas últimas palavras de foram: “Longa vida à
liberdade!”.
Ainda
seriam executados em Munique o estudante Willi Graf, e o conservador professor
de filosofia Kurt Huber. Ambos, nem mesmo sob a tortura revelaram as conexões
com o grupo de Hamburgo.
O
conservador antinazista, professor de filosofia Kurt Huber, termina sua defesa
perante o “Tribunal do Povo”, dizendo que “nasce uma fé na liberdade e na
honra” e cita um verso de Fichte:
“E
deves agir como se
Só
de ti e de tua ação dependesse
O
destino das coisas alemãs,
E
só tua fosse a responsabilidade.”
Durante
o segundo semestre de 1943, entretanto, a Gestapo descobriu em Hamburgo o grupo
de resistência que divulgava os panfletos do movimento de Munique. Oito
universitários foram condenados à morte: Hans Konrad Leipelt Greta Rothe,
Reinhold Meyer, Frederick Gaussenheimer, Käte Leipelt, Elisabeth Lange, Curt
Ledien e Margarete Mrosek.
Uma
cópia do último panfleto do grupo Rosa Branca, o mesmo cujo “stencil” Hans
tentara engolir, foi levado clandestinamente para fora da Alemanha e entregue
aos Exércitos Aliados. No outono de 1943 milhões de cópias deste panfleto foram
jogadas sobre a Alemanha pelas aeronaves das tropas libertadoras.
Em
1948, a Guerra Fria está chegando e os vencedores da Segunda Guerra Mundial
desejam “esquecer o passado”. A pressão política é enorme, pois as potências
mundiais não desejam outros julgamentos de agentes do Estado Nazista. No
entanto, não havia como se esquivar ao de quatro juízes presos e que haviam
usado suas togas para permitir e legalizar as atrocidades do Estado. Um deles
havia condenado à morte o grupo de Munique, Emil Hahn; outro dos réus era Ernst
Janning, ex- Presidente da Suprema Corte na Alemanha nazista, para qual a
defesa dos jovens havia apelado em vão.
Como
Juiz, o Governo Norte-Americano nomeou o Sr.Dan Haywood, um homem idoso, já
aposentado, americano do centro-oeste, conhecido por suas posições
conservadoras e admirador de diversas teses ligadas “à pureza racial”
defendidas no passado pelo jurista Ernst Janning.
O
acaso também levou à corte um promotor de Justiça dedicado, honesto e corajoso,
o coronel Tad Lawson. Ele aportou ao Tribunal um conjunto testemunhal e
probatório importante.
Já
o advogado de defesa, Has Rolfe, esgrimiu a tese de que a condenação dos juízes
seria uma injustiça, pois os mesmos somente cumpriam o que a lei determinava, e
traidor seria aquele que naquele momento, fugisse às suas obrigações para com o
povo alemão.
Na
parte final do julgamento, o Dr. Ernst Janning dá o seu depoimento, negando a
tese do próprio advogado de defesa de que os magistrados não tinham
conhecimento de muitas das atrocidades cometidas pela Gestapo e pelas tropas de
choque e extermínio nazistas. “Nós sabíamos e as achávamos necessárias para a
recuperação do país”.
Para
surpresa e inconveniência dos Estados Unidos e países aliados, o Juiz Dan
Haywood, resistiu a todas as pressões, seguiu sua própria consciência e
condenou os quatro magistrados à prisão perpétua.
Cinco
anos antes, Sophie Scholl ao ser condenada à morte predissera: “Hoje vocês me
condenam, amanhã vocês serão condenados!”
http://proust.net.br/blog/?p=1353
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