Quando a decadência de um Governo se torna
explícita, como está ocorrendo com o Governo Temer, que teve um curto período
de alguma glória (logo depois de empossado), recebeu uma tolerância cúmplice da
mídia, da ampla maioria dos empresário e das classes médias abonadas (alguns
meses depois), e após uma rejeição cínica e oportunista de grande parte deste
mesmo espectro (como está ocorrendo do agora), é bom lembrar a origem deste
Governo, apontando a forma da sua ascensão ao poder de Estado, bem como quais foram
as forças políticas que o inventaram.
Sua origem foi parida por um sistema de
alianças que faliu, desde a primeira metade do Governo Dilma; a forma da sua
ascensão foi um golpe atípico – que não seria viável sem o apoio de forças que
já estavam no Governo-; e as forças que
o engendraram estavam no oligopólio da mídia, nos partidos fisiológicos,
neoliberais e conservadores, sustentados
numa ampla base social desgostosa, à esquerda e à direta, com o Governo
legítimo da Presidenta Dilma. Sua base social e política aderente ao golpismo e
a credibilidade declinante da mídia tradicional e das forças políticas que
geraram este desastre, chegaram ao limite.
Esta constatação é a premissa incontornável
para mover as forças políticas
democráticas e de esquerda, para enfrentar a “catástrofe que nos ameaça” e a
catástrofe que já ocorreu no país. A que já ocorreu foi desmantelamento
institucional, que instabilizou a relação entre os poderes da República,
perverteu a democracia representativa pelo fisiologismo oportunista e corrupto,
e despertou – em parte do Sistema de Justiça – um jacobinismo autoritário e de
direita. A catástrofe que nos ameaça é a possibilidade deste Governo e deste
sistema real de poder, que aí está – refém da mídia oligopólica e da sua infindável
capacidade manipulatória – nos jogar numa guerra civil permanente,
não-declarada, por um largo período histórico de violência e anomia.
Os responsáveis por este impasse não são os
partidos de esquerda e centro esquerda, nem os movimentos sociais e os
movimento sindicais, de qualquer origem, nem os Governos Lula e Dilma, sequer
os políticos que cometeram ilegalidades ou atos de corrupção em quaisquer dos
Governos anteriores, mas são aqueles serviçais do capital que iludiram uma boa
parte da sociedade. Iludiram-na para convencê-la que, para combater a
corrupção, era urgente eliminar a política e os partidos, a partir do
assassinato da política. Morta a política, os robespierres de araque – tanto no
Judiciário como no Ministério Público (ou os comentaristas e apresentadores da
Globo) – fariam todos felizes para sempre, sem política e sem democracia.
Pedrinho Guareschi conta, num dos seus textos
brilhantes, que no Salão Comunitário de uma Igreja, um senhor levanta e começa
a despir-se, sem cerimônia e sem avisos e, ao “chegar à última peça” –
claramente disposto a completar sua nudez – uma senhora que participara, ali
mesmo, de um debate sobre a contraproducente ação da polícia em determinadas
vilas populares, “grita com toda a força”: “Chamem a polícia!” É o paradoxo que estamos vivendo nesse
momento em que, um a um, os golpistas vão caindo nas malhas da investigações e
dos inquéritos.
É
claro que todos os processo justos e fundados em provas, devem ser preservados
e estimulados, mas a Democracia e a República não se fazem com “compensações”,
nem se constroem sem a ativação, o debate e o confronto -doutrinário e político
– de todas as forças políticas decentes da nação. A simplificação e o atalho só
favorecem os que não têm argumentos e os que falsificam a sua vocação
democrática, para defender seus privilégios ou interesses econômicos. E o fazem
sem nenhuma consideração pelos direitos dos outros.
Bloquear as reformas liberais e neoliberais – que inclusive desmantelam as
bases sociais da resistência à exploração capitalista ilimitada – é a tarefa de
maturidade da esquerda. E isso não se fará com a presença de quaisquer das
forças que nos levaram ao desastre atual: Portugal deu um caminho, com PS, PCP,
Bloco de Esquerda e outras forças menores, que assumiram o risco de criar a
governabilidade da resistência, com o primeiro-ministro Antonio Costa.
A Espanha agora, com PSOE, IU, Podemos, e
demais forças democráticas anti-neoliberais, segue na mesma direção, com Pedro Sanchez. Vamos
pressionar os nossos líderes – ditos de esquerda e centro-esquerda – para que
nos orientem neste caminho, que tanto renega a cumplicidade com o golpismo de
qualquer cara, como sabe que chamar a polícia, para resolver questões
políticas, é típico de quem não tem projeto de nação democrática, nem programa
credível e defensável, para desafiar a imaginação do seu próprio povo.
(*) Tarso Genro
foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre,
Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações
Institucionais do Brasil.
https://www.sul21.com.br/colunas/tarso-genro/2018/06/os-robespierres-de-araque-e-a-licao-de-pedrinho-guareschi/
Nenhum comentário:
Postar um comentário