domingo, 3 de junho de 2018

OS ROBESPIERRES DE ARAQUE E A LIÇÃO DE PEDRINHO GUARESCHI. Por Tarso Genro


 Quando a decadência de um Governo se torna explícita, como está ocorrendo com o Governo Temer, que teve um curto período de alguma glória (logo depois de empossado), recebeu uma tolerância cúmplice da mídia, da ampla maioria dos empresário e das classes médias abonadas (alguns meses depois), e após uma rejeição cínica e oportunista de grande parte deste mesmo espectro (como está ocorrendo do agora), é bom lembrar a origem deste Governo, apontando a forma da sua ascensão ao poder de Estado, bem como quais foram as forças políticas que o inventaram.

 Sua origem foi parida por um sistema de alianças que faliu, desde a primeira metade do Governo Dilma; a forma da sua ascensão foi um golpe atípico – que não seria viável sem o apoio de forças que já estavam no Governo-;  e as forças que o engendraram estavam no oligopólio da mídia, nos partidos fisiológicos, neoliberais e conservadores, sustentados  numa ampla base social desgostosa, à esquerda e à direta, com o Governo legítimo da Presidenta Dilma. Sua base social e política aderente ao golpismo e a credibilidade declinante da mídia tradicional e das forças políticas que geraram este desastre, chegaram ao limite.

 Esta constatação é a premissa incontornável para mover as forças  políticas democráticas e de esquerda, para enfrentar a “catástrofe que nos ameaça” e a catástrofe que já ocorreu no país. A que já ocorreu foi desmantelamento institucional, que instabilizou a relação entre os poderes da República, perverteu a democracia representativa pelo fisiologismo oportunista e corrupto, e despertou – em parte do Sistema de Justiça – um jacobinismo autoritário e de direita. A catástrofe que nos ameaça é a possibilidade deste Governo e deste sistema real de poder, que aí está – refém da mídia oligopólica e da sua infindável capacidade  manipulatória –  nos jogar numa guerra civil permanente, não-declarada, por um largo período histórico de violência e anomia.

 Os responsáveis por este impasse não são os partidos de esquerda e centro esquerda, nem os movimentos sociais e os movimento sindicais, de qualquer origem, nem os Governos Lula e Dilma, sequer os políticos que cometeram ilegalidades ou atos de corrupção em quaisquer dos Governos anteriores, mas são aqueles serviçais do capital que iludiram uma boa parte da sociedade. Iludiram-na para convencê-la que, para combater a corrupção, era urgente eliminar a política e os partidos, a partir do assassinato da política. Morta a política, os robespierres de araque – tanto no Judiciário como no Ministério Público (ou os comentaristas e apresentadores da Globo) – fariam todos felizes para sempre, sem política e sem democracia.

 Pedrinho Guareschi conta, num dos seus textos brilhantes, que no Salão Comunitário de uma Igreja, um senhor levanta e começa a despir-se, sem cerimônia e sem avisos e, ao “chegar à última peça” – claramente disposto a completar sua nudez – uma senhora que participara, ali mesmo, de um debate sobre a contraproducente ação da polícia em determinadas vilas populares, “grita com toda a força”: “Chamem a polícia!”  É o paradoxo que estamos vivendo nesse momento em que, um a um, os golpistas vão caindo nas malhas da investigações e dos inquéritos.

É claro que todos os processo justos e fundados em provas, devem ser preservados e estimulados, mas a Democracia e a República não se fazem com “compensações”, nem se constroem sem a ativação, o debate e o confronto -doutrinário e político – de todas as forças políticas decentes da nação. A simplificação e o atalho só favorecem os que não têm argumentos e os que falsificam a sua vocação democrática, para defender seus privilégios ou interesses econômicos. E o fazem sem nenhuma consideração pelos direitos dos outros.

 Bloquear as reformas liberais e  neoliberais – que inclusive desmantelam as bases sociais da resistência à exploração capitalista ilimitada – é a tarefa de maturidade da esquerda. E isso não se fará com a presença de quaisquer das forças que nos levaram ao desastre atual: Portugal deu um caminho, com PS, PCP, Bloco de Esquerda e outras forças menores, que assumiram o risco de criar a governabilidade da resistência, com o primeiro-ministro Antonio Costa.

 A Espanha agora, com PSOE, IU, Podemos, e demais forças democráticas anti-neoliberais, segue na  mesma direção, com Pedro Sanchez. Vamos pressionar os nossos líderes – ditos de esquerda e centro-esquerda – para que nos orientem neste caminho, que tanto renega a cumplicidade com o golpismo de qualquer cara, como sabe que chamar a polícia, para resolver questões políticas, é típico de quem não tem projeto de nação democrática, nem programa credível e defensável, para desafiar a imaginação do seu próprio povo.

(*) Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

https://www.sul21.com.br/colunas/tarso-genro/2018/06/os-robespierres-de-araque-e-a-licao-de-pedrinho-guareschi/

Nenhum comentário: