O
autor italiano Luigi Ferrajoli é conhecido sobretudo por suas formulações no
âmbito do Direito e do processo penal. Aí defende posições muito coerentes.
Afasta-se do abolicionismo penal porque considera o direito penal e as penas
criminais importantes para a garantia dos direitos fundamentais em geral. Mas
ao mesmo tempo repudia tendências como o direito penal do inimigo ou do autor,
porque desmerecem as garantias e direitos fundamentais dos réus.
Para
ele, o Direito e o processo penal constituem-se na “lei do mais débil”[1]:
quando o crime ocorre, o mais débil a exigir proteção é a vítima; no processo é
o réu e na execução o condenado. Sua posição é a de um “direito penal mínimo”,
uma vez que tanto os crimes como as penas devem ser os estritamente necessários
para os fins de prevenção[2].
Menos
conhecidos são os escritos de Ferrajoli no âmbito da Filosofia do Direito e do
Direito Constitucional. O estudioso repudia o chamado pós-positivismo e o
neoconstitucionalismo. Para ele, o advento do Estado constitucional de direito
no século XX, em oposição ao Estado legal de direito do século XIX, não
significa uma superação do positivismo, mas o seu completamento[3].
Se
no Estado legislativo o administrador está submetido à lei, o Estado
constitucional consegue submeter o próprio legislador aos termos da
constituição. Mas a constituição para Ferrajoli continua sendo direito positivo
e ele não admite que o juiz constitucional maneje os princípios para decidir
com base na moral. Segundo ele, o constitucionalismo juspositivista ou
garantista que sustenta “rejeita a tentação de voltar a confundir direito e
moral, inclusive na forma do constitucionalismo ético”[4].
Essa
perspectiva assumida pelo ilustre autor na Filosofia do Direito guarda profunda
relação com sua posição na esfera penal. Com efeito, sabemos que o Direito
Penal é aquele mais aferrado ao positivismo jurídico: mesmo em tempos de
neoconstitucionalismo, não se permite a ponderação ou relativização de
princípios como o da legalidade ou tipicidade penal, e nem das garantias
processuais penais.
Ferrajoli
insiste, no âmbito penal, numa noção própria da Filosofia do Direito e
especialmente cara ao positivismo jurídico, que é a tese da separação entre
direito e moral. Na esfera penal, não há possibilidade ou não deve haver espaço
para que o juiz decida com base em perspectivas morais, nem na hora de
tipificar a conduta, nem no momento da apenação. Repudia, portanto, o “direito
penal do autor”, em que a reprovação moral e política do réu é o ponto de
partida do processo penal. A acusação, por outro lado, deve conter elementos
específicos e factuais, capazes de serem refutados pela defesa no plano
empírico e não no plano das valorações[5].
A
prova assume portanto importância capital no pensamento de Ferrajoli: é preciso
que ela seja feita de modo cabal e racional. E aí mais uma vez se encontram suas
formulações filosóficas e penais. Não é preciso que a lei seja “verdadeira”,
aliás, não se cogita disso, e pode-se em relação a ela aceitar a assertiva
atribuída a Hobbes: “auctoritas, non veritas facit legem”, isto é, é a
autoridade e não a verdade o que faz a lei.
Mas
a atividade judicial, ao contrário, está submetida à exigência da verdade:
“veritas, non auctoritas facit iudicium”, ou seja, é a verdade e não a
autoridade o que faz a jurisdição.
A
decisão judicial não se justifica pela simples autoridade, como defenderia um
realismo jurídico vulgar. Ela só se justifica se puder comprovar a verdade, a
correspondência do raciocínio judicial com os termos da lei e da constituição,
da forma mais objetiva possível e limitando-se ao máximo a subjetividade do
juiz[6].
[1]
FERRAJOLI, Luigi. El paradigma garantista: filosofía crítica del derecho penal.
Madrid: Editorial Trotta, 2018, p. 57.
[2]
Ibid., p. 50.
[3]
FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo
garantista. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam
(orgs). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi
Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 13.
[4]
Ibid., p. 32.
[5]
Idem. El paradigma garantista: filosofía crítica del derecho penal. Madrid:
Editorial Trotta, 2018, p. 72.
[6]
Ibid., p. 73.
Paulo
Gustavo Guedes Fontes é desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, professor de Direito Constitucional do IDP-SP, doutor em Direito do
Estado pela USP e mestre em Direito Público pela Universidade de Toulouse.
Revista
Consultor Jurídico
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