Publicado
no Conjur
A
maioria dos brasileiros defende mudanças para o mandato dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, segundo pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas,
divulgada pelo Jornal do Brasil, no último dia 6. O levantamento foi feito
entre 27 de abril e 2 de maio, com eleitores de todo o país, período em que a
corte decidia os destinos do foro por prerrogativa de função para
parlamentares.
A
pesquisa revela que praticamente 2/3 dos entrevistados (64,3%) acham que o
mandato deve ser por tempo determinado para o exercício da função, ao contrário
da situação atual na qual um ministro do STF só deixa o cargo ao se aposentar.
Somente 25,7% dos entrevistados preferem manter tudo como está.
Entre
aqueles que concordam com um prazo definido para o mandato dos magistrados do
STF, há imensa preferência (81%) por um mandato idêntico ao de um senador da
República: 8 anos. O prazo máximo indicado pela pesquisa (20 anos) obteve um
pequeno percentual (3,1%), menor até mesmo que o percentual dos que não
souberam ou preferiram não opinar (4,3%).
Tenho
defendido que o país precisa de uma corte constitucional, cujos membros tenham
mandato e que cuide, exclusivamente, de proteger e resguardar a Constituição da
República. Isso evitaria o surgimento de ministros oráculos que se permitem arvorar
a decidir o destino político do país, ao mesmo tempo em que se acovardam diante
das mazelas sociais que batem à porta do STF.
Essas
figuras curiosas, reflexo das transmissões ao vivo da TV Justiça, ao mesmo
tempo em que decidem sem qualquer preocupação com a Constituição, tornam-se
celebridades fora do tribunal, acreditando, mesmo diante do evidente ridículo,
serem os novos intérpretes do Brasil.
Toda
essa soberba e autoritarismo tem como uma das suas raízes a inexistência de
limite temporal para o exercício do cargo. São poderes praticamente absolutos
os que detêm os ministros da suprema corte, longe de qualquer controle da
sociedade e do próprio Direito.
A
JusDH, organização da sociedade civil, tem desde 2011 apresentado propostas e
críticas à forma como o Judiciário se organiza no Brasil. Dentre elas, no que
toca ao processo de escolha de ministros do STF, a organização defende chamada
pública de candidaturas; disponibilização dos nomes e antecedentes curriculares
das candidaturas consideradas pela Presidência da República (no portal
eletrônico da mesma); abertura de prazo para consulta pública a respeito dos
pré-candidatos e publicização das informações; elaboração e publicação de
relatório final que justifique a escolha do candidato ou candidata que será
submetido à sabatina do Senado.
Com
isso, longe de se retirar a prerrogativa do presidente eleito, o processo
poderia permitir maior participação da sociedade e evitar um ritual
praticamente secreto. Foi o que fez a Argentina com o Decreto 222/2003, que
listou um conjunto de providências a serem tomadas para viabilizar a
participação da sociedade no processo de escolha do novo integrante da Corte
Constitucional. Bolívia e Equador são outros exemplos de superação das formas
tradicionais de escolhas de ministros das cortes constitucionais.
No
Equador, a partir de 2008, a nomeação dos membros do Tribunal Constitucional se
dá com a escolha prévia de candidatos pelo Executivo, Legislativo e associações
de controle social, após a qual se realiza um concurso público. Na Bolívia,
desde 2009, o Tribunal Constitucional Plurinacional, órgão máximo responsável
pelo controle de constitucionalidade, é composto de membros eleitos por
critérios de plurinacionalidade, com representação do sistema ordinário e do sistema
indígena originário campesino. O procedimento de eleição se dá pelo sufrágio
universal e para mandato de dez anos, com possibilidade de recondução.
Infelizmente,
nos governos Lula e Dilma, perdemos a oportunidade de fazer uma profunda e
efetiva reforma para democratizar o Poder Judiciário, aumentar o controle
efetivo da população e a transparência sobre os gastos, acabar com os
privilégios imorais e exigir de cada postulante ao cargo de ministro do STF (e
das outras cortes de Justiça) uma trajetória de compromisso inequívoco com os
direitos humanos e a Constituição.
A
“reforma do Judiciário” acabou sendo guiada pelo ideário neoliberal do Banco
Mundial e focou apenas um referencial de “eficiência”. O Conselho Nacional de
Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público se tornaram espelhos do que
deveriam combater. Enfim, a reforma foi guiada pelo lema de Lampedusa: mudar
para que tudo continuasse como está.
Agora,
ao tempo em que o programa das candidaturas à Presidência é elaborado, o tema
“sistema de Justiça” deve ter papel importante na construção de um projeto
popular para o Brasil. Dos três Poderes clássicos da República, o Judiciário é
o menos transparente, o mais elitizado e aquele que tem servido como pólvora ao
autoritarismo golpista. Basta ver o papel que o STF cumpriu no golpe
parlamentar que retirou Dilma Rouseff da Presidência da República, com seguidas
omissões que se mostraram fatais para o desenlace final.
Tenho
criticado na tribuna da Câmara dos Deputados a imoralidade dos inúmeros
auxílios que recebem os membros do Judiciário e Ministério Público, verdadeiros
penduricalhos que servem para conferir, ao final, um salário muito acima do
teto estabelecido pela Constituição, e que em alguns casos ultrapassa os R$ 100
mil mensais. Da mesma forma, as inexplicáveis férias de 60 dias ao ano e o
regime de previdência diferenciado. Se queremos “passar o Brasil a limpo”, é
fundamental debater esses pontos. Tornou-se célebre o caso de um magistrado
muito rigoroso e autoritário no chamado “combate à corrupção” que foi pego
recebendo auxílio-moradia duplo (dele e da sua mulher), mesmo sendo
proprietário de imóvel residencial. E o que fez o magistrado ao se revelar
tamanha promiscuidade? Apagou a sua rede social no Twitter.
Em
2014, um dia após o ministro Luiz Fux conceder, liminarmente, o auxílio-moradia
no valor de R$ 4,3 mil a todos os juízes federais — que foi ampliado para os
demais membros do sistema de Justiça, posteriormente —, ocorreu uma violenta
reintegração de posse em um imóvel na avenida São João, em São Paulo. O local
estava abandonado há mais de 15 anos, e as famílias que ocupavam o imóvel já
eram residentes há um ano. A decisão judicial gerou uma tragédia social, com um
saldo de 80 pessoas detidas — entre crianças, adolescentes, idosos e pessoas
com deficiência.
O
completo alheamento da juíza, ao determinar a reintegração violenta contra os
sem-teto de São Paulo, ganhou requintes ainda maiores de crueldade e ironia. A
magistrada fez constar na sua decisão a rejeição ao pedido de intimação da
prefeitura, para cadastramento e atendimento das famílias em projeto
habitacional futuro ou pagamento de auxílio-moradia de R$ 350 aos mais
vulneráveis.
Ou
seja, um mês do auxílio-moradia da juíza custearia o pagamento de 12 famílias
sem-teto, despejadas pela polícia e jogadas à própria sorte, por uma decisão
que ignorou postulados previstos na Constituição da República de 1988.
Os
exemplos de iniquidades não param por aí e justificam o imprescindível debate
nos partidos e movimentos sociais sobre como retirar o véu monárquico do Poder
Judiciário e torná-lo compatível com a democracia. A pesquisa tornada pública
pelo Jornal do Brasil, mostra que esta é uma agenda que toda a sociedade
brasileira quer discutir.
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/e-preciso-tornar-o-poder-judiciario-compativel-com-a-democracia-por-wadih-damous/
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