sexta-feira, 6 de abril de 2018

CONDENAÇÃO DE LULA NÃO SE SUSTENTARIA EM NENHUM SISTEMA JUDICIAL SÉRIO. José Luís Fevereiro*, Opera Mundi


Ouvi falar em Lula pela primeira vez ainda estudante secundarista no final dos anos 70. Líder de uma greve operária no ABC paulista, Lula lidera a criação de um partido de esquerda ainda na ditadura militar. Cheguei ao Brasil em 1975 com quase 15 anos de idade e pouco tempo depois conheci a baixada fluminense, a zona oeste do Rio, os cinturões de miséria da mais emblemática cidade brasileira. Algo estava errado no país do milagre econômico. Vivia em Ipanema e dos meus colegas do ensino médio, em um colégio particular da zona sul, eu era o único que conhecia as estações do ramal de Japeri.

Participei de jornal estudantil secundarista, da fundação do Grêmio dos estudantes, e em 1979 já na faculdade de economia me envolvi no movimento estudantil, nas lutas contra a ditadura já nos seus últimos estertores, e na construção do PT. Fui dirigente municipal, estadual e nacional do PT entre 1987 e 1995. Conheci pessoalmente Lula em algum momento de 1987 quando ainda secretario geral do Diretório Municipal do PT do Rio o encontrei na sala de embarque do aeroporto de Congonhas voltando de uma viagem de trabalho a São Paulo. Lula esta vindo para a festa da Voz da Unidade, jornal do PCB.

Me apresentei a ele, que estava embarcando sozinho para o Rio em um avião de carreira, os velhos Electra da Ponte Aérea, e viemos conversando no vôo. Eu tinha pressa em chegar, era um sábado de tarde eu tinha me comprometido a acompanhar uma reunião do núcleo do PT da Vila Kennedy na zona oeste. Sim, a reunião era sábado de noite. Isso por si só já dizia tudo sobre o que era a Vila Kennedy em 1987 e de que forma construíamos o PT.

Participei da coordenação estadual da campanha de Lula à presidência da República em 1989 e da coordenação nacional da campanha em 1994. Fui acompanhando as mudanças. Em 1989 panfletos de campanha só saiam da sede se os comitês municipais arrecadassem recursos correspondentes a pelo menos 50% dos custos. Literalmente vendíamos panfletos. Em 1994, fretávamos aviões para levar convidados a uma atividade de campanha com intelectuais e artistas em Salvador no 2 de julho graças às contribuições empresariais.

O episódio mais marcante que tenho na memória sobre Lula ocorreu creio que em 1990, quando eu estava a trabalho em Porto Alegre e vi uns cartazes na rua convocando uma plenária do PT com a presença de Lula para aquela noite. Resolvi ir à plenária e, como é meu costume, fiquei em pé assistindo encostado numa das paredes laterais. Vários dirigentes estaduais falaram e chegou a vez de Lula. Plenário silencioso, absorvendo cada palavra daquele que já era o maior líder popular do Brasil.

No meio do seu discurso, Lula me vê na lateral e passa a falar comigo surpreso por me ver ali: “companheiro Zé Luís? O que você está fazendo aqui? Esse é o companheiro Zé Luís, secretario geral do PT do Rio”, me apresentando á plenária. Para alguém com 29 anos de idade, obscuro dirigente estadual do partido, ser apresentado dessa forma em outro estado por Lula era algo inesquecível. E eu não esqueci. Entre muitas outras coisas, foi pela enorme capacidade de cativar as pessoas com gestos desta natureza que Lula se transformou na principal liderança popular da historia do Brasil.

Participei da coordenação nacional da campanha de 1994, quando estava na executiva nacional do PT. Aquela campanha nada mais tinha a ver com a campanha de 1989. Em 1995, encerrado meu mandato na direção, me afastei da militância no PT. Em 2003, resolvi me desfiliar e ajudar na construção do PSOL. Daquele momento até 2016 estive sempre na oposição aos governos do PT. Voltei a rever pessoalmente Lula em 11 de abril de 2016, quando em nome da direção nacional do PSOL falei no comício dos Arcos da Lapa contra o impeachment de Dilma. E nesta segunda feira no Circo Voador, no ato unitário pela democracia.

Ontem Lula teve seu Habeas Corpus negado pelo STF. Tudo indica que será preso semana que vem como resultado de um processo kafkiano que não se sustentaria em nenhum sistema judicial sério do planeta. O objetivo do processo é retirá-lo da disputa eleitoral deste ano seja como candidato, seja como apoio militante a quem quer que seja. Por isso a prisão: para impedi-lo de circular pelo país. Se candidato, não seria o meu candidato. As razões que em 2003 me levaram a sair do PT continuam validas e confirmadas pela história.

Mas Lula não estará sendo preso pelos erros que cometeu ao deixar de usar a sua força política para tentar fazer as reformas estruturais necessárias ao Brasil. Lula não estará sendo preso por aquilo que os procuradores da Lava Jato o acusam. Lula não estará sendo preso pelas razões que me levaram a sair do PT. Lula estará sendo preso por ter obrigado as elites atrasadas deste país a conviver e a aceitar, ainda que por um tempo, um operário de uma família de retirantes do nordeste frequentando os seus salões. Lula estará sendo preso por ter incluído, ainda que marginalmente, os pobres em um orçamento que até então era espaço reservado às elites. Lula estará sendo preso pelo medo das classes medias conservadoras com a perda de seu status social relativo.

Lula estará sendo preso muito mais por aquilo que ele é do que por aquilo que ele fez. Afinal, num país que nunca acertou suas contas com o passado escravocrata, Lula, um zé ninguém que como poucos sabe falar com a “ninguenzada” desse país, jamais poderia ser perdoado pela elite. Lula estará sendo preso também por ter acreditado que tal milagre poderia acontecer. Lula teve muita força e pôde muito no Brasil. Não usou a força que teve para impor derrotas decisivas à burguesia. Na primeira curva da estrada, os que mandam há 500 anos reassumiram o comando com os mesmos métodos testados por 5 séculos.

Em 2016, no ato dos Arcos da Lapa, cumprimentei Lula à distancia. Nesta segunda feira fiz questão de lhe dar um abraço. Minhas diferenças com ele são pequenas face às diferenças que tenho com a elite deste país.

*José Luis Fevereiro é formado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi Secretário Geral do PT do Rio de Janeiro de 1987 a 1989 e presidente do partido no estado de 1988 a 1989. Atualmente é membro da Direção Nacional do PSOL.

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