A
História se repete como farsa: em fevereiro de 1981, Lula era condenado a três
anos e meio de prisão e impedido de ser candidato
Ah,
o velho Marx e sua sacada imortal: “A História se repete, a primeira vez como
tragédia e a segunda como farsa”. Em 2017, no Brasil, a frase do século 19 cai
como uma profecia, um pesadelo recorrente. Parece que entramos num eterno dia
da marmota, condenados a estar para sempre presos num enredo que se repete e
volta a se repetir, como as tramas das novelas da Globo.
No
dia 25 de fevereiro de 1981, o sindicalista Luiz Inácio da Silva, o Lula,
ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, foi
condenado à revelia, com outros dez sindicalistas, a três anos e meio de prisão
sob a acusação de incitamento à desobediência coletiva das leis. Foram 13 os
sindicalistas enquadrados na Lei de Segurança Nacional em plena “abertura”, 11
deles condenados por um tribunal militar, com “juízes” sem formação jurídica
alguma, a não ser um deles, o “juiz togado”. 13, o número do PT.
Ninguém
além dos militares, nem mesmo os acusados e seus advogados, compareceu ao
julgamento. Um pedido de habeas corpus para que fosse adiado foi prontamente
negado. O promotor acusou Lula de ter prosseguido na incitação à greve mesmo
estando preso em 1980, “mandando recados por porta-vozes ou em matérias de
jornal”. Pela Folha de S.Paulo, o
repórter Ricardo Kotscho, futuro secretário de imprensa do presidente Lula,
acompanhava tudo na casa do então sindicalista que liderou as greves no ABC de
1978 e 1979, pelas quais era condenado. Sua mulher, Marisa, atendia ao
telefone, recebia telegramas e servia as marmitas com a feijoada comprada num
bar próximo. Na correria, não tivera tempo de preparar o almoço.
Espero
o mandado de prisão com tranquilidade, um mandado que partiu de um sistema que
não teve a coragem de acabar com a fome do povo brasileiro. Não sou um
criminoso. Se com a minha prisão todos os problemas do povo fossem resolvidos,
iria preso satisfeito
Lula
estava otimista ainda. “Não estou pessimista, confio na absolvição. Já deve
estar uns 15 a 0 para os homens, mas quem sabe a gente ainda vira o jogo…”,
disse ele a Kotscho. Após a condenação e o abraço de Marisa, não conseguiu
esconder a emoção e a indignação. “Não estão procurando ladrões. Estão procurando
os últimos honestos”, protestou. “Vou preso sabendo que cumpri o meu dever. Não
cometi crime nenhum. Espero o mandado de prisão com tranquilidade, um mandado
de prisão que partiu de um sistema que não teve a coragem de acabar com a fome
do povo brasileiro. Eu não sou um criminoso. Se com a minha prisão todos os
problemas do povo brasileiro fossem resolvidos, iria preso satisfeito.”
Sobre
o futuro do partido, disse: “O PT não é um partido que depende de mim, é um
partido que está espalhado hoje por todo o Brasil, e continuará crescendo,
independente de nossa condenação ou não”. Frases que poderiam ser ditas hoje. A
Folha, ao contrário, mostrava posição oposta à atual e, mesmo acusando os
advogados de defesa de “fazer gestos espetaculares e propaganda partidária ou
ideológica”, denunciava as razões políticas da condenação. “Se é verdade que
todo processo judicial tem uma face política, este de que tratamos é político
por inteiro, de corpo e alma”, dizia o jornal, em editorial. PMDB, PP e PDT
soltaram notas em solidariedade a Lula.
Ninguém
poderá impedir o surgimento de novos Lulas. Um dia haverá tantos Lulas neste
Brasil que eles não conseguirão prender todos
Todos
os 11 condenados perderam o direito de se candidatar a cargos públicos, e os
jornais fizeram questão de destacar que Lula estava “inelegível” por pelo menos
cinco anos posteriores ao cumprimento da pena. Mas Lula teve o direito de
recorrer em liberdade e, um ano depois, foi absolvido pelo Superior Tribunal
Militar.
E
agora? Irão finalmente prendê-lo? Mais importante: sua prisão conseguirá calar
em milhões de brasileiros o desejo de justiça social que Lula encarna? O
sindicalista do passado dá a resposta ao Lula de hoje. “Ninguém poderá impedir
o surgimento de novos Lulas. Um dia haverá tantos Lulas neste Brasil que eles
não conseguirão prender todos.”
Dessa
vez, porém, Marisa não estará lá para abraçá-lo.
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