O
parágrafo final da coluna de André Singer, hoje, na Folha, onde ele trata da
judicialização da política onipresente na política brasileira, traz um paradoxo
e faz uma pergunta que, ao que penso, está visivelmente respondida:
É
um erro imaginar que vivemos quadro de exceção. Criou-se um “novo normal”.
Acusações, inquéritos, sentenças, recursos tornaram-se tão centrais quanto
propostas macroeconômicas. Resta saber se, em meio a coletes blindados,
denúncias e togas, a soberania popular conseguirá sobreviver.
O
paradoxo, claro, é falar num “novo normal”, o que, na organização das
sociedades implica ter havido nelas uma transformação essencial, com mudanças
nas ordens de dominação político-econômicas e em seus conflitos. Uma revolução,
por exemplo. Não há nada sequer perto disso no Brasil, é claro: o sistema
econômico é o de sempre, com a prevalência incontrastável do setor financeiro,
a submissão do Estado e de seus recursos ao rentismo e ao capital
internacional. Com menos freios e contrapressões, é certo, mas essencialmente
mais – ou muito mais – do mesmo.
Há,
sim, um estado de exceção e todas as nossas esperanças são de que o seja,
mesmo, pois se isso for um “novo normal” estamos fadados a viver num regime
ditatorial, onde a vontade popular passa a sofrer a tutela – total e
permanente, daqueles que o próprio Singer aponta como grandes protagonistas do
poder político:
O
partido da justiça e os meios de comunicação tomaram uma parte do poder.
Parte
sempre tiveram, e ao menos quanto à mídia parte que está longe de ser pequena. A novidade – e aí
está porque este regime de (tomara) exceção tem uma natureza autoritária
evidente – é que a Justiça, ao se permitir ser instrumentalizada politicamente
para além dos níveis que a democracia pode suportar, torna-se um poder tirânico
onde o fim – o suposto combate à corrupção – supera os meios de controle e
limites que a Constituição e a lei impõem, ou impunham, a juízes e tribunais.
Poder
que, também é visto e sabido, ruge ante uns e mia ante outros, não apenas no
exercício de um alinhamento ideológico, como foi no regime de exceção dos
militares, mas agora numa expressão de pensamento de classe, pois – muito mais
que aqueles – juízes e promotores pensam, agem e sentem como integrantes da
“subnobreza” elitista de um Brasil neocolonial.
Há,
registre-se, figuras que se ressalvam, por força da consciência jurídica
democrática de que estão embebidos, mas pouco fazem e ainda menos podem, dada a
natureza feroz que dominou a corporação, aliás vitalícia como a nobreza.
Daí
porque jamais retomaremos a normalidade, entendida assim a democracia e a
soberania popular a que o articulista se refere, sem que o poder legítimo – porque delas
emanado pela via eleitoral – se sobreponha e imponha limites ao poder
corporativo que a mídia hipertrofiou no Judiciário.
A
Justiça e seus tribunais – sempre tratados com uma sacralidade que nunca se
reconheceu nos outros dois poderes da República – precisam de controles tanto
quando os seus “ex-pares” republicanos, hoje ajoelhados e humilhados diante
dela.
Porque,
igual está visto e sabido, podem – por enquanto – até permitir o exercício
parcial – outro paradoxo – daquela soberania popular que Singer vê sob ameaça,
em eleições “capengas” e dirigidas. Haverá, talvez, um poder emanado do povo,
mas exercido sob a tutela feroz de uma casta sem limites de agir e à qual o
braço midiático do poder econômico empresta “legitimidade natural”, como os
nobres a tinham.
A
ideia de República, no Brasil, exige a volta da Justiça – e de seus satélites
policiais e do Ministério Público – a limites aos quais não mais se cingem.
Quem não tiver coragem de proclamá-lo estará, mesmo sem querer, sendo cúmplice
do estado de exceção que não é e não pode ser um “novo normal”.
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