Nos
últimos 25 anos, agentes do Executivo e do Legislativo venderam, para o
enriquecimento próprio e de terceiros, atos administrativos, cargos, obras,
serviços públicos, verbas orçamentárias, votos e até decretos, medidas
provisórias e leis a organizações criminosas constituídas por lobistas,
bandidos e mesmo empresários acima de qualquer suspeita.
E
cada ato preparatório ou de execução desses imperdoáveis crimes contra o
sacrificado povo brasileiro, causadores de um século de retrocesso educacional,
cultural e científico, econômico e social, foi antecedido de solene e
dissimulado discurso governamental, sempre fundado na ética e na austeridade no
controle das contas públicas.
Agora,
a falsa justificativa para essa reforma da previdência é a busca de um sistema
mais justo e igualitário, que não aumente o déficit público.
O
mesmo modus operandi. Parafraseando o poeta paulista João Rubinato, “confome o
ditado inglês, quem faz uma, faz duas, faz três”.
Há,
pois, claras indicações de que agentes do governo e do parlamento venderam,
receberam o preço e agora estão desesperados para entregar aos banqueiros a
anunciada reforma da previdência. Dedução lógica da sucessão de iniquidades e
mentiras oficiais, apontando para a fraude, o crime e um novo mensalão.
Primeiro,
a falsa afirmação de que a previdência é a causadora do déficit público.
Sabe-se que a União gasta muito mais pagando juros aos banqueiros, destinando
quase 50% do orçamento a esse tão duvidoso quanto imoral chamado serviço da
dívida pública. Aliás, mesmo com o propalado déficit, o Executivo distribuiu
vultosas verbas em troca de votos para a reforma.
Segundo,
o mentiroso o discurso de que a previdência, só a partir da reforma, passaria a
observar cálculos atuariais. Sabe-se que, desde a divulgação da Tabela de
Domicio Ulpiano (200 anos D.C), o mundo inteiro adota as regras atuariais para
considerar a relação entre idade, risco, tempo e valor de contribuição e
benefício, capitalização e escala, para o cálculo de seguro e previdência.
Terceiro,
a bem dos ladrões, nunca se falou do destino dado às contribuições arrecadadas
dos trabalhadores e seus patrões, desde a criação do INSS, que ultrapassariam
R$ 5 trilhões, sem incluir a capitalização.
Quarto,
o antiético estabelecimento da idade mínima de 65 anos para aposentadoria, sem
considerar o início da atividade do trabalhador, iniquidade que faz com que o
pobre, obrigado a começar a trabalhar aos 16 anos de idade, deva contribuir 15 anos
a mais do que aquele que, privilegiado, pode iniciar a atividade laborativa aos
30 anos. Isto sob o falso discurso da busca de maior isonomia entre segurados.
Quinto,
o mais do que ilícito toma-lá-dá-cá de verbas orçamentárias e cargos públicos
do alto escalão em troca de votos no Congresso, sem contar a suspeita e
discricionária alteração da composição de comissões parlamentares com o fim de
favorecer a votação, verdadeira destruição de todos os princípios republicanos
e democráticos.
Sexto,
a imoral e onerosa campanha publicitária com o igualmente falso discurso de que
sem tal reforma o Estado quebrará e de que quem a questionar estará votando
contra o país e não contra o governo, artifício comum em governos ditatoriais.
Sétimo,
a omissão do importante informe de que os maiores beneficiários dessa trama são
os bancos. E só não são os únicos porque, como dito, há uma verdadeira
organização criminosa como intermediária.
De
fato, são três os itens da reforma, tidos como fundamentais pelos bancos e pelos
leiloeiros oficiais do interesse nacional: a limitação do teto de
aposentadorias ao regime geral da previdência; a imposição de idade mínima de
65 anos para a aposentadoria; e a liberação do aumento da alíquota de
contribuição, possivelmente para 14%.
A
limitação do teto ao regime geral provoca a chamada privatização da
previdência. Todos, da iniciativa privada ou do setor público, que tiverem
remuneração superior, terão que complementar sua aposentaria junto aos bancos.
E há informações preliminares de que, em uma década, os três cartelizados
bancos múltiplos privados nacionais serão depositários de um PIB e meio de
recursos da previdência complementar.
De
outra parte, a fixação de idade mínima dará maior arrecadação aos bancos a esse
título. Tanto que, até a reforma de 1998, os bancos privados ofereciam
aposentadoria depois de 25 anos de contribuições mensais de 10% do benefício
pretendido, sem idade mínima. Depois dela, passaram a oferecer aposentadoria
com 30 anos de contribuições de 10%. E após a reforma de 2003, começaram a
prometer aposentadoria com 35 anos de contribuição de igual percentual e, com
toda a certeza, se aprovada a reforma projetada pelo governo, os bancos
passariam a arrecadar por muito mais tempo. De se imaginar, então, se a alíquota
de contribuição for de fato injustamente majorada.
Tão
caótica a situação, de corrupção sistêmica e generalizada, que deveria a
Polícia Federal colocar seus agentes em campana permanente no rastro de
ministros e parlamentares, a fim de garantir o decente funcionamento da
administração pública e impedir qualquer nova tentativa de alienação dos bens e
interesses públicos a comparsas do crime organizado.
Airton
Florentino de Barros é advogado e professor de Direito Empresarial. Foi
procurador de Justiça em São Paulo e também fundador e presidente do Movimento
do Ministério Público Democrático (MPD).
Revista
Consultor Jurídico
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