Há
poucos dias tive a honra de participar da Conferência Holberg, na Noruega —
Propaganda, Fatos e Notícias Falsas, com o fundador do Wikileaks, Julian
Assange, o premiado jornalista John Pilger de renome internacional e com o CEO
e Fundador da Impress, Jonathan Heawood.
Foi
uma importante conferência centrada em um dos temas mais prementes dos tempos
modernos. Foram levantadas diversas questões relacionadas à propaganda do
Estado e informações distorcidas nas notícias e mídias sociais, tais como:
•
pode-se esperar que os eleitores tomem decisões bem fundamentadas com a
existência de propaganda do Estado na mídia?
•
estarão os órgãos de imprensa sendo hipócritas ao se auto definirem como os
guardiões contra "falsas notícias"? E quem são os atores mais
poderosos no que pode ser visto como um teatro global de guerra de informação?
•
quanto devemos confiar na mídia em questões de guerra, paz, poder e política?
Será que havia, por exemplo, forças escuras e estranhas por trás do surgimento
dos ‘populistas’ franceses e da campanha britânica Brexit? A mudança de regime
na Ucrânia foi uma revolução popular ou um golpe apoiado pelos EUA? E a eleição
americana foi hackeada e roubada por espiões russos?
•
as bombas que caíram sobre países como a Síria, o Iraque, o Afeganistão, a
Líbia, o Iêmen e o Paquistão fazem parte de grandes projetos humanitários, ou
existem motivos secretos para que a mídia esconda intencionalmente a verdade ou
seja manipulada para distorce-la?
•
o futuro da humanidade está ameaçado pela propaganda controlada pela
inteligência artificial?
Muitos
cidadãos bem informados perceberam que estamos atualmente passando por uma
guerra global de informação que está crescendo tanto aberta quanto secretamente
muito além do que o público em geral está ciente. A presença de propaganda e
informações manipuladas em notícias e mídias sociais é uma ameaça à nossa
democracia e à nossa capacidade de tomar decisões bem fundamentadas.
Quer
chamemos de propaganda, notícias falsas, fatos tendenciosos ou distorcidos — a
manipulação de informações pode ter vastas implicações para as pessoas que
tentam dar sentido ao mundo. Enquanto os políticos e os operadores da mídia se
acusam de distorcer a verdade e influenciar o público com afirmações duvidosas,
muitas vezes não está claro quais são os interesses que estão por trás das
respectivas narrativas e se as noticias são ou não são uma descrição verdadeira
dos fatos. No Brasil, podemos observar com nitidez as noticias e declarações
tendenciosas voltadas para a manipulação da opinião pública, fato que se
estende a programas de entrevistas e até mesmo comerciais e telenovelas.
A
imprensa está integrada à ordem das instituições existentes. Referimo-nos à
mesma como órgão formador de opinião e opinião pública, tradicionalmente aceita
como atividade que exerce influência na sociedade. Com efeito, a imprensa é um
dos principais agentes de controle da ordem atual.
As
populações foram mobilizadas por trás da propaganda de governo e mentiras por
muito tempo. Manipulação e propaganda através da mídia levou a quase todas as
guerras desde a segunda Guerra Mundial, como o incidente do Golfo de Tonkin/Guerra
do Vietnã, Iraque e outros. Tornou-se uma questão importante uma vez mais
durante as eleições dos EUA em 2016 que incluiu vazamentos dos arquivos Podesta
e foram popularizados pela mídia convencional dos EUA como “fake news”,
notícias falsas.
Observamos
que o Facebook e o Google declararam na mídia que decidiram intervir nas
eleições francesas de 2017, alegando que o objetivo era coibir transmissão de
notícias falsas. Essa é uma forma de censura privada onde os dois gigantes
avaliaram ou afirmaram o que seria uma notícia falsa. O aspecto intrigante é:
quem determina o que é notícia falsa e o que não é? Havia razões para que as
principais potências do ocidente se preocupassem com a eleição de Macron ou Le
Pen na França. Essas duas forças da internet queriam que Macron fosse eleito.
Isso é visto como um exemplo de uma intervenção aberta do Google e do Facebook.
Essas duas empresas sentem que certas formas de disseminação de informações
precisam ser interrompidas. Isso representa a censura com uso de inteligência
artificial por empresas gigantes do vale do Silício, fato concebido como sendo
muito sério.
Em
muitos países, mesmo as formas menos sutis de propaganda de governo são
frequentemente aceitas como parte da vida cotidiana. No entanto agora, mesmo na
Europa e nos EUA, a guerra da informação parece estar aumentando para além do
que vimos anteriormente. "Todas as guerras sempre produzem falsas
histórias de atrocidade - juntamente com atrocidades reais", escreve o
premiado jornalista Patrick Cockburn, "mas no caso sírio, as notícias
fabricadas e os relatórios unilaterais assumiram a agenda de notícias em um
grau provavelmente não visto desde a Primeira Guerra Mundial ". No caso do
Iraque, a coalizão afirmou que apenas um em 157 de seus 14 mil ataques aéreos
no Iraque desde 2014 causou uma morte civil, mas a evidência de campo mostra
que a taxa real é uma em cada cinco. A evidência também mostra que a
reconfortante reivindicação dos comandantes aéreos americanos e britânicos de
que as armas inteligentes lhes permitem evitar matar civis é simplesmente
falsa, diz Cockburn.
A
guerra de propaganda global tornou-se pior. A rapidez da disseminação da
informação aumentou dramaticamente; indecentes afirmações falsas podem ser
espalhadas pelo mundo de forma muito rápida independente do fato da capacidade
das pessoas em detectar notícias falsas haver também aumentado.
Houve
um consenso entre os palestrantes que o ‘poder/establishment’ precisa controlar
o que está na mente das pessoas, o que agora é feito através da inteligência
artificial. A inteligência artificial é a maior ameaça para a humanidade, maior
ainda que a mudança climática. O capitalismo de vigilância está em vigor e tem
uma grande influência sobre os seres humanos (por exemplo, vídeos de política externa
que são críticos aos EUA não recebem mais dinheiro do Google). A humanidade não
será capaz de detectar o que está acontecendo com a humanidade devido às
mentiras e à manipulação. Se todo o processo é muito rápido, as pessoas não
conseguem ver ou perceber a veracidade das notícias e assim não podem agir nem
discutir o que fazer — existe uma nuvem de informação falsa que pode
encobrir/esconder as ações dos principais grupos de poder internacionalmente,
um fenômeno visto como apocalipse de notícias falsas (Fake News apocalypse).
O
fato de que algo é feito dentro da lei não o torna justo. A natureza do poder é
caracterizada por excepcionalidade, não seguindo as leis que todos devem
seguir. Nenhum Estado pode evitar a corrupção para administrar leis em seu próprio
benefício. Ainda que essas leis sejam injustas, é importante que sejam
conhecidas — torná-las previsíveis. A arbitrariedade pode atacar as pessoas — o
assassinato de Sócrates foi cometido dentro da lei, o assassinato de Jesus foi
cometido dentro da lei, o extermínio de milhões de índios na América do Norte,
México, Peru e outros países foi cometido dentro da lei, a escravidão, etc.
É
vital que haja um tratamento justo para os denunciantes — sem eles, muitos
grandes crimes, incluindo corrupção e atrocidades que são perpetradas não virão
à luz. Chelsea Manning foi um exemplo de decência e coragem e foi tratado como
um traidor pelo governo americano. Edward Snowden é outro exemplo famoso. O
Brasil precisa que as pessoas tenham coragem de denunciar os grandes crimes e
quem denuncia necessita de proteção. A maioria das pessoas não conhece Sarah
Tilsdale.
Na
década de 1980, Sarah Tisdale, funcionária do Ministério das Relações
Exteriores britânico, foi presa por vazar para o jornal The Guardian fotocópias
de planos dos EUA para implantar mísseis de cruzeiro na Grã-Bretanha. Sua ação
só foi descoberta após o então editor, Peter Preston, cumprir uma decisão do
Supremo Tribunal para que entregasse os documentos. Existe um mantra
jornalístico há muito estabelecido que o jornalista nunca divulga suas fontes —
um código necessário se quisermos ter uma imprensa livre — e Preston foi
isolado por colegas e críticos por deixar Tisdale pagar o preço do furo
jornalístico do The Guardian.
A
manipulação, distorção e mentiras incluem o discurso político favorito de hoje
que promove a austeridade — o castigo econômico coletivo de milhões de pessoas
comuns; cortar no osso todos os benefícios sociais tais como saúde pública,
infraestrutura, educação, previdência e outros. A crise financeira de 2008 foi
a notícia verdadeira e real que expôs um império financeiro podre; grandes
bancos e banqueiros foram revelados como corruptos e ficaram praticamente sem
qualquer punição.
No
caso do Brasil, a notícia real foi seu grande esquema de corrupção política
iniciado em 2003 e que destruiu o país, envolvendo a Petrobras, BNDES, Fundos
de Pensão e outros, pegos pela operação "lava jato".
Depois
de alguns meses a mensagem da mídia mudou, o império podre desapareceu da
notícia e o discurso mudou para austeridade, uma construção e invenção política
e dessa mesma mídia. A punição está sendo imposta à sociedade, não aos
criminosos financeiros e políticos. No Brasil a ORCRIM instalada nos três
poderes busca acintosamente desviar o foco dos principais anseios da população,
entre os quais o fim do foro privilegiado e da impunidade, redução do tamanho
do Estado, fim dos seus elevadíssimos salários/mordomias totalmente fora da
realidade brasileira e mundial.
É
importante observar que a nova esfera pública é a internet / mídias sociais. Os
5 desafios da nova esfera pública são:
1.
os novos guardiões ou gatekeepers são os algoritmos. Corporações e governos
pagam ou manipulam os novos guardiões que simplesmente ficaram subterrâneos
tornando-se guardiões ocultos (os antigos eram proprietários de mídia e
editores);
2.
o próprio jornalismo — praticar o jornalismo real; na antiga esfera pública, o
jornalismo desempenhou um papel importante;
3.
propaganda –— hoje é difícil identificar a diferença entre notícias, propaganda
comercial e propaganda política. Existe um conteúdo homogêneo e as pessoas não
conseguem distinguir a diferença;
4.
privacidade — hoje em dia deixamos um rastro em todos os lugares onde vamos;
nossos dados são compartilhados com empresas poderosas que, por sua vez,
compartilham com anunciantes e governos;
5.
cinismo — a confiança entrou em colapso. As pessoas e as instituições devem
conquistar nossa confiança. Atualmente existe uma atitude cínica — os cínicos
acreditam que já conhecem as respostas, os cínicos sabem tudo. O problema com o
cinismo é que os poderosos não são desafiados — eles navegam em um mar de meias
verdades e mentiras. Precisamos de ceticismo, não de cinismo. Os céticos são
diferentes, eles querem verificar.
Muitas
iniciativas estão sendo tomadas para convocar a grande imprensa a prestar
contas — há uma necessidade urgente de uma nova linguagem no jornalismo. Além
disso, um grande movimento coletivo contra guerras, injustiça social e desigualdade
está aumentando. Esta maior conscientização é essencial para mudar a ordem
atual do jornalismo falso.
Grande
parte dos problemas do Brasil de hoje se deve ao fato de muitos brasileiros não
estudarem história — um problema que se estende a vários países. Isso porque se
não entendemos o passado, não entenderemos o presente e não saberemos o que
fazer com relação ao futuro. Este aspecto torna as pessoas mais vulneráveis a
toda sorte de manipulação como ocorre atualmente.
https://www.conjur.com.br/2017-dez-18/jorge-queiroz-manipulacao-midia-ameaca-democracia
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