“Estão
trazendo o caos para o Estado brasileiro de forma irresponsável. Não tem jeito
dessa farsa não terminar em tragédia. E nem de perto vai resolver o problema da
segurança pública.” A opinião é de Pedro Serrano, jurista e professor de
Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), sobre os mandados de busca e apreensão coletivos anunciados pelo
governo Temer após a decretação de intervenção no Rio de Janeiro.
Para
Serrano, como instrumento jurídico, o mandado coletivo é restritivo e absolutamente
inconstitucional. “Não existe mandado de busca e apreensão coletivo no nosso
sistema. Precisa haver individualização da conduta e da pessoa. Está-se criando
uma realidade, uma fraude. Isso é Idade Média. É absolutamente contrário à
Constituição Federal, aos direitos humanos. É uma medida de exceção que tira o
direito das pessoas, e as pessoas viram números.”
Conforme
vem defendendo nos últimos 10 anos, Serrano menciona a tendência de os Estados
adotarem medidas de exceção suspensivas de direitos com fins políticos de
combate ao inimigo. “É o regime jurídico da guerra externa trazida para o
ambiente interno, pelo qual trata uma parte da população não como cidadãos, mas
como inimigos. A figura do inimigo deixa de ser o comunista da década de 60 e
passa a ser o bandido identificado com a pobreza”, explica. “Esses territórios
ocupados pela pobreza passam a ser ocupados por forças militares, normalmente a
PM, e agora passam a ser ocupados pelo Exército, numa intensificação da
guerra.”
A
advogada-geral da União, Grace Mendonça, disse ontem ao jornal O Globo que o
instrumento é “controverso”, mas que, se preciso, irá defendê-lo no Supremo
Tribunal Federal. O professor da PUC-SP acredita ser imprevisível a decisão que
o STF vai adotar se a discussão dos mandados de busca e apreensão coletivos
forem julgados pela Corte.
“A
ideia da dúvida na interpretação da Constituição em casos claros como esse é um
falseamento da realidade, porque não há dúvida de que isso é inconstitucional”,
diz Serrano, sobre a declaração da advogada-geral da União. “Temos tido um
poder desconstituinte: a título de interpretar a Constituição, estão acabando
com ela. Estamos vendo decisões judiciais frontalmente contrárias à
Constituição Federal a título de interpretá-la. Isso tem causado absoluta
ausência de segurança jurídica, acabado com a democracia e esvaziado os
direitos.”
Com
o objetivo de amenizar as críticas, o ministro da Justiça e Segurança Pública,
Torquato Jardim, disse que os mandados nas ações terão nomes e endereços dos
alvos, em respeito à Constituição. Porém, acrescentou, esses mandados deverão
conter vários nomes e endereços.
Antes,
o ministro havia admitido em entrevista ao Correio Brasiliense hoje (20) que
“não há guerra que não seja letal” e que o inimigo não é claramente
identificável em situações como a do Rio.
Além
de ferir garantias individuais e princípios básicos de direitos humanos, a
medida do governo Temer viola, entre outros dispositivos legais, o artigo 243
do Código do Processo Penal, que prevê: “O mandado de busca deverá indicar, o
mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome
do respectivo proprietário ou morador”.
Em
nota divulgada ontem (19), O Conselho Nacional de Direitos Humanos afirma que a
intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro é uma “licença para
matar”.
“O
Decreto de 16 de fevereiro de 2018, do presidente Michel Temer, associado à Lei
n° 13.481/2017, configuram (…) um regime de exceção em tempos de paz,
concedendo uma espécie de ‘licença para matar’ aos militares e legitimando uma
‘ideologia de guerra’ como justificativa para eventuais mortes de civis”, diz o
texto.
Também
em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) avalia que a adoção de mandados
de busca e apreensão coletivos fere “garantia individual de inviolabilidade do
lar e intimidade – colocando sob ameaça ainda maior os direitos da parcela mais
desassistida da população.” A OAB promete ir à Justiça contra a medida.
Dois governadores
Para
Serrano, há outras inconstitucionalidades visíveis na situação. Ele destaca
que, na prática, o Rio de Janeiro tem hoje dois governadores.
“Isso
não existe no nosso sistema constitucional. Só uma pessoa pode governar: ou o
governador ou, no caso de uma medida como essa, o interventor que ocupa o lugar
do governador. Como ele vai exercer uma função subordinada ao governador se não
deve obediência a ele? E não é só inconstitucional, é caótico em termos de
estrutura de Estado. A título de estabelecer a ordem, estão estabelecendo o caos.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário