O
Judiciário, que serviu, muitas vezes, para defender a democracia frente ao
autoritarismo do Estado durante a ditadura militar (1964-1985), tem, agora,
agido como os militares que governaram o país nos anos de chumbo. A afirmação é
do advogado José Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil e um dos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, condenado na última quarta-feira (24/1) pelo Tribunal Regional Federal
da 4ª Região (RS, SC e PR).
Em
coletiva de imprensa após a decisão da corte, o advogado criticou: “O que
verificamos agora é que o autoritarismo não veste mais verde-oliva, parece que
sofreu uma mutação cromática, vestindo-se, hoje, de preto”. Para ele, aumentar
em 30% a pena do líder petista, para 12 anos e 1 mês de prisão, foi um “ato de
autoritarismo contra a Constituição e a Ordem Democrática”.
Ele
lembrou que, quando os militares entravam nos tribunais e caçavam juízes, não
eram as associações de juízes que buscavam confrontá-los, mas, sim, a advocacia.
“Fomos defender os juízes por amor à democracia”, lembrou o advogado que atua
há mais de 50 anos na área.
Batochio
classificou a acusação do Ministério Público Federal chancelada por Sergio
Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, de mutante, pois foi sendo alterada ao
longo do processo para contornar os argumentos da defesa: “A acusação muda toda
hora, é cambiante".
Ele
explicou que a primeira imputação a Lula foi a de ter recebido um apartamento
em Guarujá (SP) como pagamento por atos praticados enquanto presidente que
favoreceram a OAS. Esse tipo de atuação seria classificada como crime de
corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal).
O
dispositivo define esse delito como “solicitar ou receber, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal
vantagem”.
Mas
“só é dono quem registra”, rebateu Batochio, mostrando que pesquisa sobre a
posse do apartamento nos registros públicos da cidade litorânea paulista mostra
que o imóvel é da OAS, ou seja, “nunca pertenceu à família de Lula”, disse.
Após provado que o político não tinha a posse do imóvel, continuou, a denúncia
mudou, afirmando que Lula recebeu a propriedade desse bem.
Em
primeira instância, Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão.
Reprodução
“O
juiz de primeiro grau passou a falar que Lula recebeu o direito de usar esse
apartamento por meio de um laranja”, contou Batochio ao destacar novamente que
a defesa mostrou o contrário do que dizia a acusação e o magistrado responsável
pelo caso. “Lula jamais usou esse apartamento, sequer passou a noite. Ele nunca
permaneceu lá em situação alguma nem recebeu as chaves”, afirmou.
Por
conta disso, nova mutação na denúncia, disse o criminalista. Dessa vez, o MPF
passou a afirmar que o apartamento foi atribuído a Lula. “Aí nós da defesa
ficamos com uma tarefa indecifrável a resolver”, alfinetou Batochio,
complementando que o Código Civil traz a definição de propriedade e posse, mas
não de atribuição.
O
advogado também destacou que é impossível atribuir o imóvel a Lula, ainda mais
depois que a OAS deu o bem como garantia fiduciária a um credor após seu pedido
de recuperação judicial. “Como o apartamento pode ser do Lula e da OAS ao mesmo
tempo?”, questionou.
Detalhou
ainda que o imóvel foi oferecido à família Lula para compra depois que o
político deixou a presidência porque, em 2005, sua mulher, Marisa, subscreveu
uma cota de pagamentos mensais para comprar um apartamento da Bancoop. “A OAS
tinha todo o interesse em vender uma unidade do prédio a um ex-presidente da
República”, comentou o criminalista.
Para
o criminalista, não existe ato de ofício que comprove o favorecimento da OAS
por Lula. “Como o crime exige que aconteça a prática de um ato de ofício para
justificar o pagamento, o que o Judiciário diz: ‘Bem, sabe como é, de fato está
escrito no artigo 317 do CP a necessidade do ato de ofício, mas, sabe, não
precisa do ato de ofício’ Se não existe o favorecimento ou o ato de ofício,
como nós ficamos? Estamos diante de uma condenação acima das provas, com
desprezo as provas e fora da lei”, criticou.
Essa
decisão, afirmou, abre um precedente perigoso na Justiça brasileira, pois a
insegurança jurídica será calcada na condenação de uma pessoa sem provas
concretas, apenas em delações e convicções de procuradores da República.
Essas
convicções são perigosas, disse Batochio, pois há no “Brasil uma grande vontade
de condenar”.
“Estado
democrático de direito é governado por leis, não por juízes”, defendeu o
advogado, destacando que as decisões não podem partir do “que o juiz acha, mas
do que a lei diz”. Disse por fim que as decisões de Moro no primeiro grau e dos
desembargadores Victor Luiz dos Santos Laus , João Pedro Gebran Neto e Leandro
Paulsen na segunda instância serão julgadas pela história.
“Alguém
se lembra dos juízes que condenaram Nelson Mandela? Ninguém, mas todos se
lembram de Mandela. Alguém se lembra dos juízes que condenaram Tiradentes?
Ninguém, mas todos se lembram de Tiradentes.”
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