A
impunidade garantida ao logaritmo golpista do general Mourão confirmou uma
verdade que pode ser resumida a uma imagem antiga mas adequada: a democracia
brasileira encontra-se reduzida a uma camada de gelo sobre um oceano revolto
habitado por tubarões, baleias assassinas e outras famílias de monstros
marinhos.
O
tratamento benigno que a palestra de Mourão – na prática, a confissão de um
crime – recebeu por parte do Comandante-em-Chefe das Forças Armadas (Michel
Temer), do ministro da Defesa (Raul Jungman) e de seu superior imediato
(General Villas Boas) deixa claro que a opção por uma ditadura escancarada já
faz parte dos planos de trabalho de quem organizou o golpe de maio-agosto de
2016. Não é uma simples receita de bolo, como esclareceu Mourão. Mas é um
processo. Por essa razão, seu porta-voz não deve ser punido nem sacrificado.
Sempre
de modo suave, Mourão foi criticado pelo que fez. O general Villas Boas, teria
responsabilidade ainda maior no caso, pelo que deixou de fazer. Pouco se falou
sobre os demais responsáveis. Com a popularidade em 5%, em luta permanente pela
sobrevivência diante de denúncias de corrupção, não se espera que Temer ou
Jungmann tenham alguma capacidade de reação num caso como este depois que
passaram a utilizar tropas do Exército em coreografias destinadas a exibir uma
autoridade que diminui dia após dia.
A
crítica aos dois oficiais foi a reação típica de quem – neste momento – quer
ficar distante de uma intervenção militar direta mas não chega ao ponto de
romper relações. Serviu para mostrar que o patamar de cima da pirâmide social
brasileira ainda confia na Justiça de Sergio Moro e da Lava Jato para resolver
seus problemas políticos reais, que dizem respeito às urnas de 2018.
Confia
no TRF-4 para tirar Lula da disputa sem sujar as mãos mais uma vez, como em 64.
Acredita que, empregada como arma política, a Justiça irá fazer o serviço
indispensável para garantir uma eleição sob encomenda, com a exclusão do
adversário que, de seu ponto de vista, não deve concorrer – embora seja o mais
votado em todas as pesquisas de opinião.
Confia
na atuação cruel e implacável da mídia grande para ajudar no cerco a qualquer
resistência.
É
isso e apenas isso. Mostrou-se tolerância com um a ruptura democrática em
profundidade, que não pode ser tolerada em nenhuma hipótese pois golpe militar
não é alternativa a nada nem a ninguém. Nem a Temer nem a Rodrigo Maia. Nem a
Carmen Lúcia. É o mergulho no abismo.
Em
posição de mando em cada instância do Estado – Executivo, Legislativo e
Judiciário – sem oposição nem contrapeso em nenhuma instância significativa, o
único receio dos patrões do golpe é que o eleitorado tenha capacidade de
modificar a relação de forças em 2018 e utilize Lula como instrumento de
mudança.
Depois
de receber um imenso pacote de contrarreformas no bolso, inimaginável em
qualquer época da história brasileira, os donos do golpismo de coalizão
compreenderam que é preciso jogar na defensiva. Conseguiram uma vitória
histórica, impensável. Mesmo que tenham que esquecer a reforma da Previdência,
cada vez mais comprometida pela imensa resistência popular, o ganho está muito
melhor do que a encomenda.
Na
prática, os vencedores de maio-agosto de 2016 têm até dificuldade para
compreender e administrar a selvageria excessiva do capitalismo que está sendo
criado no país. O risco de uma economia disfuncional está à vista de todos.
A
posição é a do time que está ganhando e só precisa esperar o tempo passar. Tudo
estaria bem se não fosse a incerteza inerente à democracia e seu calendário
eleitoral.
“Amas
a incerteza e serás um democrata”, ensina Adam Prezworsky, pensador polonês que
aprendeu as lições necessárias do nazismo e do stalinismo.
Incerteza,
aqui, envolve riscos de permitir que o povo faça sua escolha – e essa ameaça
não faz parte do cálculo de quem decidiu explorar a 8ª. Economia do mundo.
https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/318994/Cr%C3%ADtica-a-Mour%C3%A3o-mostra-que-elite-confia-na-Lava-Jato-para-barrar-Lula.htm
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