Introdução
As
condições do desenvolvimento do socialismo no século XXI se caracterizam por
uma nova luta pelo socialismo. Na realidade, o socialismo é uma exigência
objetiva da história, e não porque subjetivamente o desejamos, ou seja, por uma
questão da vontade humana. O socialismo é resultante de um processo objetivo
das contradições essenciais do próprio capitalismo.
O
socialismo nasce e dá os primeiros passos no século XX. A Comuna de Paris,
ocorrida em 1871, durou apenas dois meses, circunscrita à capital francesa. Por
isso, as experiências históricas de estruturação continuada de um sistema
socialista alternativo ao capitalista começam somente no século XX. E quanto
tempo durou a sua primeira experiência, a Revolução Soviética? Pouco mais de
setenta anos. É um tempo exíguo para prevalecer como nova formação política,
econômica e social na cena histórica. O capitalismo só prevaleceu sobre o
feudalismo depois de um largo tempo na história.
A nova luta pelo
socialismo
De
uma forma mais didática podemos dizer, figuradamente, que os ideólogos do
capitalismo seriam geriatras, enquanto os ideólogos do socialismo, pediatras. É
um novo sistema que vai nascendo, e se desenvolvendo.
A
nova luta pelo socialismo parte da análise das lições das experiências
revolucionárias e de construção do socialismo no século XX. As bases e
contribuições legadas pela Revolução Soviética ao mundo são diversificadas e
duradouras, promoveram o maior e mais profundo processo de mobilidade social da
história da humanidade. E a sua existência levou o mundo capitalista a ter de
avançar na estruturação de Estados de Bem-Estar Social e impulsionar os
processos de descolonização após a Segunda Guerra Mundial.
A
evolução da história mundial no século passado tem sido caracterizada pela
implantação e o desmoronamento da experiência revolucionária soviética. Dentre
as lições desse proeminente empreendimento revolucionário está o debate que
procura dar conta do revés vivido pela primeira experiência socialista. A
revolução proletária teve de se desenvolver e se consolidar em circunstâncias
históricas concretas excepcionais e singulares. Desse fenômeno resultam dilemas
estruturais, sendo a saída para responder a tais dilemas o fio condutor que pode
fornecer luzes para a compreensão das causas do revés ocorrido e nos armarmos
para os desafios contemporâneos.
A
nova luta pelo socialismo transcorre no século XXI em um contexto mundial de
profundos desequilíbrios e tensões, transição de polos de poder, desigualdades
econômicas e sociais que se agigantam. E as forças comunistas e de esquerda
reclamam a noção de uma nova luta que suplante o capitalismo. Em nosso
entendimento buscamos com esse conceito de “nova luta pelo socialismo”
interpretar o sentido de inúmeras lutas contemporâneas, muitas delas de sentido
anticapitalista.
O
capitalismo não dá mais conta do nível tecnológico e de inovação que ele
próprio desenvolveu. As forças da produção atingem um patamar gigantesco, nunca
visto antes, embasadas no desenvolvimento moderno da ciência, tecnologia e
inovação. No entanto, as relações de produção capitalistas e o seu princípio
distribuidor da riqueza, em conjunto, vão ficando cada vez mais impotentes para
transformar essa imensa capacidade produtiva e de riqueza em proveito de toda a
humanidade.
Em
contraste, a verdade é que o capitalismo expõe um sistema crescentemente
concentrador, gerando a mais profunda desigualdade social, maior
marginalização, com enormes contingentes vivendo na pobreza extrema, e
profundas assimetrias regionais no nível de desenvolvimento.
Já
vai longe, apesar do pouco tempo, o senso comum instalado pelos “profetas” do
fim da história e da eternidade do capitalismo, após o desmantelamento da União
Soviética. Fica mais evidente que – apesar da grande derrota estratégica do
socialismo como sistema mundial, no seu nascedouro – o comunismo na sua etapa
socialista não morreu. O socialismo nasceu no século XX e continua com uma nova
luta de nova dimensão no século atual.
Experiências
contemporâneas do socialismo
Das
experiências revolucionárias do século XX que conquistaram o poder estatal, o
que ficou? O dilema decisivo para as sociedades socialistas tem hoje, nas
experiências de renovação – chinesa (desde 1978), vietnamita (desde 1986) e,
mais adiante, cubana (desde 2011) –, alternativas próprias que conseguem
superar os impasses e dar materialidade ao socialismo na atual quadra
histórica, alcançando altos índices de desenvolvimento das forças produtivas,
se distanciando do “modelo soviético” de um período excepcional, abrindo o
caminho na transição socialista atual e incorporando formas contemporâneas. A
China estrutura um Estado nacional soberano e se torna uma grande potência
mundial, sendo já a maior economia mundial, segundo o critério de Paridade do
Poder de Compra (PPC).
O
início do período de transição socialista tem como premissa a constituição do
Estado de caráter nacional, democrático e popular, hegemonizado pelas forças
interessadas nessa transição para a nova sociedade, sendo a questão nacional –
independência e soberania – primordial tanto para a conquista do poder quanto
para a construção do socialismo, através da formação de um Estado nacional
poderoso.
O
socialismo irrompe desde o início do século XX em sociedades capitalistas
relativamente atrasadas e pré-capitalistas, impondo às forças dirigentes a
tarefa primária de criarem (e desenvolverem) a riqueza material e não a de
socializarem a riqueza material (in)existente – por isso a centralidade do
desenvolvimento das forças produtivas nas experiências socialistas. Na visão
marxista, o socialismo tem como pressuposto elevada riqueza social – daí a
previsão de Marx de que a Revolução Socialista iria surgir nas sociedades
capitalistas mais desenvolvidas – que lhe permita afirmar o socialismo como
superior ao capitalismo. De forma direta não há socialismo na pobreza, cujo
efeito seria generalizar a miséria.
Compreender
a construção do socialismo no curso histórico contemporâneo, tanto nas
experiências atuais quanto nas passadas, reside no fato de o socialismo existir
e operar dentro dos marcos de uma economia internacional hegemonizada pelo
capitalismo e seus monopólios produtivos e financeiros.
O
avanço do conhecimento nas presentes experiências do processo de transição
socialista em marcha no mundo reativou o debate sobre a questão da construção
do socialismo e suas etapas, do ponto de vista tanto econômico quanto da forma
da democracia socialista, a constituição jurídica e institucional do Estado.
Hoje, nessas experiências, ganha relevo o conceito de etapa primária do
socialismo, que corresponde à constituição de uma economia socialista de
mercado.
Início do século XXI
– um mundo em transição
A
nova luta pelo socialismo compreende o contexto de um mundo atual que passa por
mudanças de vulto seja nas relações de poder do sistema internacional, seja nas
mudanças do capitalismo contemporâneo, seja na base produtiva e tecnológica.
Pode-se
então compreender as tendências mais significativas do sistema internacional e
seu desdobramento. A grande crise capitalista, iniciada em 2007-2008, tem uma
complexidade maior que a de 1929, já que até agora ainda não encontraram a
saída da reconstrução econômica e a recuperação é limitada e apática. Em
contraste, essa situação tem aprofundado a crise da globalização neoliberal,
iniciada com o fim do acordo de Bretton Woods, em 15 de agosto de 1971. A ordem
unipolar surgida com o fim da Guerra Fria – na qual o vértice do poder mundial
são os Estados Unidos – também entra num processo de declínio tendendo à
multipolarização. Tal situação vem plasmando um sistema de poder mundial em
transição, com o advento de novos polos de poder que surgem da periferia do
sistema internacional, fora do centro capitalista-imperialista mundial.
O
BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) expressa exatamente essa
nova tendência geopolítica no mundo, sobretudo ressaltando a proeminência da
China como grande potência mundial e o ressurgimento da Rússia, grande potência
nuclear, que volta a assumir importante protagonismo geopolítico. Tudo isso
transcorre em curto período histórico.
Compõe
esse sistema de tendências mundial a denominada quarta revolução industrial –
tecnológica e produtiva –, ou Indústria 4.0, cujo centro é a internet das coisas
e um componente novo denominado inteligência artificial, que são sistemas
cognitivos embutidos nos equipamentos. Essas transformações tecnológicas vão
alterar de maneira profunda vários complexos industriais, e até a própria
configuração da indústria.
Consequências na
superestrutura política e ideológica
Tendo
em conta essas tendências do sistema internacional, pode-se deduzir a dimensão
do impacto e suas consequências nas relações de produção e de trabalho e suas
implicações no plano político e ideológico. Nesse quadro de profundas
alterações na ordem mundial – com a dominância neoliberal e novas formas de
submissão neocolonial –, a ação imperialista, com seus empreendimentos
combinados, impõe um poderoso domínio estrutural que os países da periferia do
sistema mundial não conseguem atingir e muito menos suplantar. Mesmo o ciclo
progressista na América Latina, iniciado em fins de 1990, não tem ameaçado esse
domínio estrutural.
No
curso da globalização neoliberal surge o Consenso de Washington em 1989,
constando de um receituário de regras básicas para impor o “ajustamento
macroeconômico”aos países em desenvolvimento, tornando-se política oficial do
FMI desde 1990, a fim de consolidar o programa neoliberal. Este se tornou o
pensamento dominante que penetrou em toda prática econômica transformando em
grande rentista o grande empresário industrial e do agronegócio. Submeteu a
mídia corporativa, as estruturas do Estado e paraestatais, as universidades,
deu protagonismo aos economistas de “mercado”, passou a ser assumido pelos
partidos de direita e influenciou partidos de esquerda. Tem como arcabouço
desvalorizar a política, afirmando-a como coisa “suja”. A meritocracia é
“gloriosa”, está ditando os rumos do jogo político; e a empresa privada é
competente e eficiente, ao contrário da empresa estatal.
As
dificuldades e os obstáculos para o movimento sindical tenderam a diminuir o
seu papel organizador e mobilizador, diante da crescente precarização do
trabalho, do desemprego, do fracionamento das classes trabalhadoras e de
retrocessos nos direitos sociais e trabalhistas. No caso brasileiro, a
denominada reforma trabalhista visa a melhorar a produtividade do trabalho para
o mercado internacional, e não para o mercado interno que está se
enfraquecendo.
O
aumento da precarização nas relações de trabalho tem levado, com o advento da
uberização, à diminuição da consciência de classe. Tem provocado significativa
regressividade social, com o crescimento da competitividade entre
trabalhadores, que são levados a se disporem a trabalhar por menos, para ocupar
a vaga de um outro que já ganhava pouco. Nas condições do sistema capitalista,
nas atuais relações trabalhistas, o advento da quarta revolução industrial pode
levar à ampliação do desemprego e à precarização de novas categorias.
Contraofensiva
imperialista e da oligarquia financeira na América Latina
Ao
cabo de mais de uma década de ciclo progressista na América Latina e no Caribe,
hoje esse domínio oligárquico financeiro e imperialista entra na sua fase de
grande ofensiva no continente. Tem como objetivo fechar o espaço institucional
alcançado pela esquerda e liquidá-la politicamente, inclusive criminalizando
seus líderes principais: como são os casos Lula, no Brasil, e Cristina
Kirchner, na Argentina. Eles não permitem que a esquerda tenha nenhum instrumento
institucional, muito menos o poder Executivo central em suas mãos, e nem a
alternância de poder com a esquerda.
No
golpe de Estado parlamentar no Brasil vão aparecendo, como na ditadura militar
de 1964, as marcas digitais do imperialismo estadunidense: a sua participação
direta e indireta na trama conduzida pela coalizão golpista da classe dominante
brasileira. A Nação se debilita, se desconstrói o país e o governo se realinha
às potências centrais, sobretudo os Estados Unidos, colocando-se geopoliticamente
do lado mais atrasado.
Portanto,
a definição de um projeto transformador no continente e no Brasil, conforme a
particularidade de cada país, deve ser concebida para enfrentar e derrotar a
contra tendência principal que vara o século atual: o neocolonialismo, saliente
por seu domínio de força imperialista, combinado com sua outra face política,
econômica e ideológica, que é o neoliberalismo. Não há como separar a luta
contra o neoliberalismo da luta contra a neocolonização, ou tornar exclusiva a
luta antineoliberal. Este seria um caminho capenga e inconsequente.
Retorno à questão
nacional
A
crise da globalização neoliberal – o “mal-estar” para os trabalhadores e povos,
provocado pelo seu curso atual – vem pondo em evidência a questão nacional, a
ênfase no Estado nacional, na defesa do crescimento econômico.
A
globalização neoliberal instaurada pelo grande capital, patrocinando políticas
extremamente concentradoras e excludentes, aviltou pesadamente os trabalhadores
e as camadas populares, que começaram a se levantar nas ruas e mais
marcadamente em processos eleitorais recentes de grande dimensão, como no caso
Brexit, no Reino Unido, e na impactante vitória presidencial de Donald Trump
nos EUA. Contudo, esses acontecimentos refletem contradições na classe
dominante capitalista, em “resposta” à crise sistêmica que se estende,
resultando no círculo vicioso da estagnação econômica.
Volta-se
à questão da centralidade da questão nacional no pensamento e prática no campo
das esquerdas e demais forças progressistas. A questão nos remete à etapa do
imperialismo, na evolução internacional do capitalismo, desde o final do século
19, muito bem caracterizado por Vladimir I. Lênin. Vigora, desde então, a lei
do desenvolvimento desigual do sistema capitalista, no qual, fora do centro do
sistema, situam-se os países da denominada periferia ou semiperiferia,
dependentes na divisão internacional do trabalho.
Trata-se
de uma contenda estratégica, que impõe antes de tudo a salvaguarda da
independência nacional, que abarca todo o continente latino-americano, onde
está situado o Brasil – e não somente –, e se estende aos países da África,
Ásia, da região do Oriente Médio etc. E ela se manifesta na disjuntiva: o
anseio dos povos e nações por sua autodeterminação; e um mais profundo
desenvolvimento e progresso social versus o poderoso interesse de dominação
imperialista estrutural e permanente associado aos seus aliados internos, que
truncam a expansão desenvolvimentista independente.
O
colonialismo da fase militar e de domínio político direto deu lugar, na
contemporaneidade, ao neocolonialismo econômico-tecnológico-judicial-cultural e
a ameaça militar permanente, expansão de bases militares em todos os
continentes, domínio naval em todos os oceanos e mares, hegemonia nuclear e das
comunicações e da própria dimensão geopolítica da internet. O domínio
imperialista se tornou mais sofisticado, devastador e permanente – vide os
instrumentos extraordinariamente invasivos de espionagem direta, a ciberguerra
e o domínio do chamado ciberespaço.
Os
novos perigos e focos de guerra se agravaram – guerras neocoloniais ditas
“humanitárias”, visando à mudança do regime, que resultaram em situações
devastadores mais recentes no Iraque, Afeganistão e Líbia – em decorrência da
ação imperialista dos EUA, junto com a União Europeia, por meio da OTAN, para
consolidar com denodo sua hegemonia global na atual fase de transição,
caracterizada pelo enfraquecimento de seu poder relativo na ordem mundial; e
dos golpes de Estado que continuam atualmente na forma
parlamentar-judiciário-midiática.
Cabe
às forças de esquerda e progressistas a direção da tarefa nacional. Esta tarefa
há muito tempo não comporta mais a direção de setores da burguesia. A bandeira
da defesa da soberania e independência nacional é bandeira das forças
avançadas, da esquerda. A questão nacional passa a ter centralidade. Em nosso
continente latino-americano e caribenho o projeto nacional, democrático e
popular, o projeto progressista, tem como inimigos principais a oligarquia
financeira globalizada e a dominação imperialista, associadas às oligarquias
dominantes internas.
Por
um lado, o imperialismo associado às oligarquias endógenas foi sempre a força
dominante em todos os períodos contemporâneos pelos quais passou o Continente,
demonstrando sua hegemonia permanente e imperial: nas ditaduras militares, nas
décadas de 1960 e 1970; depois durante a imposição do neoliberalismo, desde os
anos 1990, também predominante no Continente. Portanto, um domínio permanente,
continental e imperial. Por outro, na viragem política progressista desde 1999
na América Latina, esse domínio ocorreu precisamente contra essas forças
dominantes imperialistas e oligárquicas, internas e externas.
A
questão nacional traduzida na construção do Estado nacional soberano,
democrático, capaz de conduzir um projeto de desenvolvimento autônomo, que
possa unir a vasta maioria da Nação, é o caminho estratégico que ganha
centralidade nos países considerados em vias de desenvolvimento, mais
especificamente os do continente latino-americano e caribenho.
Atualidade do Novo
Projeto Nacional de Desenvolvimento
Hoje
para os países em vias de desenvolvimento – dependentes da desigualdade
subalterna na divisão internacional do trabalho, sujeitos ao domínio
neocolonial, em comunhão com a imposição da ordem neoliberal – resulta uma
situação na qual a questão nacional assume papel estratégico na luta pela
hegemonia do poder político.
E,
como a experiência tem demonstrado, a correta relação, em um programa que
combine soberania nacional com a questão social e a causa democrática, compõe
uma mesma realidade e tem sido fator da vitória das forças avançadas.
No
curso dos processos de democratização, na viragem progressista
latino-americana, as alternativas em geral seguem (ou seguiram) a estruturação
de novo projeto de desenvolvimento nacional, associado a uma linha de
integração voltada para o desenvolvimento regional.
Pode-se
ainda considerar a experiência no caminho do desenvolvimento nacional em países
do sudeste asiático. Tem prevalecido a via de um projeto nacional de
desenvolvimento, autônomo, próprio, sob a condução indutora, controladora e
planificadora do Estado. As metas de desenvolvimento estão no centro do planejamento
e são prioritariamente perseguidas. Esses países têm alcançado elevados índices
de desenvolvimento.
Em
suma, do nosso ponto de vista, estão nos marcos da nova luta pelo socialismo:
as experiências da construção do socialismo contemporâneo; a atualidade dos
projetos nacionais no sentido de abrir caminho à sociedade que suplantar o
capitalismo; e as múltiplas lutas dos trabalhadores e de setores sociais no
sentido anticapitalista.
Em
face da realidade do Brasil, consideramos estar na ordem atual a necessidade
candente pela definição e sistematização de um novo projeto nacional de
desenvolvimento que abra perspectiva ao país. O PCdoB, no seu Programa vigente
desde 2009, tem como rumo alcançar o período de transição socialista. Tendo em
vista este fim, e como meio de abordar essa perspectiva revolucionária, o
Programa delineia o caminho estratégico, com diferentes etapas, da construção e
aplicação de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Em resumo, propõe: “A
solução viável hoje é o novo projeto nacional de desenvolvimento, caminho
brasileiro para o socialismo.”
Retomada do Novo
Projeto Nacional de Desenvolvimento
Na
perspectiva para o Brasil atual se impõe a retomada do Novo Projeto Nacional de
Desenvolvimento, indo além do curto-prazismo, porquanto vem prevalecendo uma
Ordem retrógrada: desconstrução nacional; desmonte de grandes conquistas
sociais; desvio das funções dos poderes da República; caos institucional;
crescimento das medidas de exceção dentro do Estado de Direito. Precisamos de um
novo Projeto cujos fundamentos básicos compreendam: a independência, a
soberania nacional e a autodeterminação; o desenvolvimento nacional autônomo; o
aprofundamento da democracia com o viés de maior participação popular;
progresso social baseado no crescimento das forças da produção que sustente a
mobilidade social; defesa estrutural do meio ambiente e do ecossistema;
política externa independente e integração em todos os níveis com os vizinhos e
o entorno estratégico do país; modernização da Defesa Nacional para um país
continental, com recursos, fronteiras e costa marítima imensos. Desenvolvimento
nacional: que esteja associado à integração e ao desenvolvimento da região
comum continental; e voltado a uma inserção e um impulso à tendência à
multipolarização do sistema internacional.
Reindustrialização,
componente principal do projeto nacional
O
problema nuclear do desenvolvimento nacional contemporâneo, olhando o futuro,
passa pelo soerguimento de uma estratégia nacional de reindustrialização. A
industrialização é a base que sustenta a mobilidade social, e a prova disso é o
período histórico de 1930, até meados da década de 1980.
O
Processo de Desindustrialização no Brasil vem desde meados da década de 1980.
Prevaleceu a acomodação com o modelo de reprimarização da produção, de novo
extrativismo – distribuição de renda baseada na exportação de alimentos,
matérias-primas e commodities (Gilberto Bercovici – Chefe do Departamento de
Direito Econômico da USP).
A
desindustrialização se acelerou após a implantação do tripé macroeconômico
pós-Plano Real: taxas de juros mais altas do mundo durante décadas; câmbio
sobre apreciado por longo período; garantia de superávit primário. Essa é a
matriz macroeconômica (que precisa ser revertida) imposta pelas classes dominantes
para sair da hiperinflação e manter seu rentismo, em substituição à prática do
overnight, que permitia ao grande capital financeiro apreciáveis ganhos com a
inflação.
O
Brasil volta à condição de economia primária exportadora, onde a economia
flutuava ao sabor do comércio internacional. Insumos básicos para a indústria,
como petróleo, energia, ferro e aço, não têm mais importância e sobre eles não
há controle do Estado, destinam-se somente para exportação e passam para o
controle do capital estrangeiro. Hoje ideólogos neoliberais afirmam que tudo
pode ser privatizado, como a Eletrobrás, a Petrobras e o Banco do Brasil, entre
outras empresas. E difundem o conceito alienígena de que a indústria no Brasil
é dispensável. Aonde chegamos!!!
Na
história do Brasil, todos os períodos de industrialização nacional, desde sua
origem em 1930, tiveram a condução, coordenação e planejamento do Estado; e sem
grandes bancos estatais não haverá desenvolvimento sustentável e duradouro.
Em
resumo, tudo indica que a solução, na verdade, que pode se impor, para o
estabelecimento de novo projeto nacional, com autonomia, é a reindustrialização
conduzida pelo Estado, com nova matriz macroeconômica voltada ao
desenvolvimento nacional, que possa diminuir a distância em relação à quarta
revolução industrial. E numa relação sistêmica com setores nodais da economia,
formação de grandes estatais com emulação entre elas; prioridade para grandes
investimentos em infraestrutura para estender a exígua integração e articulação
do extenso território nacional; sistema financeiro sob controle do Estado e
coordenação estatal do comércio exterior. Portanto, essa é a linha básica de
uma concepção de economia política diametralmente oposta à da visão ortodoxa,
neoliberal.
Transformação
das estruturas do Estado: componente fundamental do Projeto Nacional
Para
o êxito de um novo projeto nacional, no âmbito da superestrutura política e
institucional, se apresenta a questão do Estado democrático, soberano,
sustentado em instrumentos de crescente participação popular, voltado a afirmar
a identidade nacional.
Não
é possível impulsionar o desenvolvimento nacional, aprofundar a democracia e
avançar no progresso social sob a cobertura de um Estado visceralmente devotado
à manutenção da Ordem da dominância neoliberal e neocolonial. O caráter do
Estado brasileiro é antidemocrático, com raízes profundas desde a época da
colonização e do escravismo, que ainda transparecem nas suas estruturas atuais,
com uma burocracia elitista e alienígena, formada por uma base social, onde seu
ideal “moderno” é um simulacro de vida estadunidense.
Enfrentar
esse grande desafio nos leva à imprescindível necessidade de reformas
estruturais mais amplas do ordenamento político, como: profunda reforma
política do sistema eleitoral, que possa resolver a crise de representatividade
política; aprimoramento das formas de democracia direta e participativa do
povo; democratização do sistema Judiciário, controle externo e fixação de
mandatos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); novos métodos de
seleção e formação da burocracia do Estado.
Por
óbvio, a formulação de um novo projeto nacional de desenvolvimento compreende
outras componentes importantes. Por exemplo, a alta significação de uma reforma
tributária progressiva, que deixe de onerar a maioria da Nação, através de uma
tributação indireta e tribute diretamente os mais ricos.
Por
fim, cito duas componentes estratégicas cujos discernimentos na formulação do
projeto nacional são imprescindíveis: o projeto de desenvolvimento específico
da região Amazônica, sobre o qual já existem significativas propostas
engavetadas no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE); e a
concepção de Defesa Nacional discernida na importante elaboração de documentos,
como a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro
Branco da Defesa Nacional, no âmbito do Ministério da Defesa.
*
Este artigo foi baseado na intervenção que fiz no Seminário sobre Os Cem Anos
da Revolução Russa, realizado no dia 12 de junho deste ano em Porto Alegre, na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
https://renatorabelo.blog.br/2017/09/26/renato-rabelo-a-nova-luta-pelo-socialismo/
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