O
Governo do Estado do RS vem adotando como prática, na atual gestão, o atraso e
parcelamento dos salários de seus servidores. Tal fato passou a ser uma
política do Estado sob o pretexto da grave crise econômica a que este
atravessa.
Ademais,
estamos na iminência de esta prática passar a ser adotada por outros entes
federativos como, por exemplo, o município de Porto Alegre. Evidentemente esta
postura gera prejuízos imensuráveis na vida do servidor, sejam de ordem
material, sejam de ordem moral.
Nesse
sentido, ações judiciais vêm sendo ajuizadas buscando a responsabilidade civil
do Estado em decorrência dos referidos atrasos e parcelamentos. Os primeiros
julgados foram no sentido da necessidade de comprovação de dano para que a
responsabilização ocorresse; no entanto no início de agosto foi publicado
acórdão que entendeu, por maioria, julgar procedente o pedido de reparação por
dano moral em decorrência do parcelamento salarial dos servidores estaduais,
entendendo que este corresponde ao chamado dano ´in re ipsa´, isto é, o dano
por si mesmo, o qual não precisa ser provado face à sua notoriedade de
ocorrência.
Ainda,
desse acórdão, extrai-se que o pagamento salarial sendo feito de forma
parcelada, contrariando o texto constitucional estadual, configura flagrante
arbitrariedade por parte da Administração.
O
cerne da questão gravita em torno da ocorrência do dano moral. Tendo em vista
que o salário dos servidores estaduais é verba alimentar, pode-se depreender
que há ofensa direta aos direitos de personalidade, ou seja, a honra e imagem
de todos seus servidores, bem como ofensa ao princípio da dignidade da pessoa
humana.
Em
decorrência do ato ilícito do parcelamento salarial - que conforme determina a
Constituição Estadual deve ser pago até o último dia do mês, na sua
integralidade – configura-se na prática a impossibilidade de os servidores
arcarem com os compromissos financeiros assumidos os quais, via de regra, não
têm conseguido ser adimplidos.
Conforme
bem destacou o relator, magistrado gaúcho Mauro Caum Gonçalves, os salários
possuem natureza alimentar, destinados à manutenção básica da pessoa e do
núcleo familiar no qual está inserida, servindo para o custeio da alimentação,
moradia, transporte, saúde e educação, motivo pelo qual devem ser pagos na sua
integralidade.
Assim,
a impontualidade no pagamento de verba dessa natureza acarreta visíveis
prejuízos, os quais são retratados cotidianamente em nossa sociedade – fato que
não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário.
Em
sua defesa alega o Estado que a sua conduta inconstitucional, em afronta ao
art. 35 da Constituição Estadual, de parcelar os vencimentos dos seus
servidores, não merece acolhimento de pedido de condenação em danos morais,
tendo em vista, tratar-se de consequência da vida em sociedade, a qual amarga
profunda crise, padecendo os servidores com a situação enfrentada pelo governo
em relação às finanças públicas. Sustenta ainda que transtornos e frustrações
não são, de per si, suficientes para caracterizar os danos morais.
No
entanto, bem observa Tarso Genro, advogado, ex-ministro da Justiça e
ex-governador do RS, em parecer jurídico, que “desonerar o Estado de indenizar
dano moral e material, em função da crise da dívida pública, é colocar num
plano superior ao da Constituição, os contratos realizados com aquele soberano
privado supra estatal, que passaria a ter, de fato uma força normativa superior
à Constituição.”
O
acórdão mencionado (proc. nº 71006768634) é paradigmático, pois embora não
ignore a conjuntura financeira, reconhece que o Poder Judiciário não pode
chancelar uma conduta ilícita do Estado do RS, em afronta expressa ao artigo
35, da Constituição Estadual Riograndense.
Além
disso, ao verificar a ocorrência do dano moral ´in re ipsa´ abandona a fria
análise econômica, se projetando na pessoa do servidor que, em razão dos
constantes atrasos, vem passando por toda sorte de humilhações e muitos,
infelizmente, chegando a atitudes extremas.
Cíntia Schmidt, advogada
(OAB-RS nº 54.812), mestra em Fundamentos Constitucionais pela PUC/RS e
professora do Centro Universitário Metodista-IPA; e Paulo Petri, advogado
(OAB-RS nº 57.360), mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro.
http://www.espacovital.com.br/noticia-35271-incidencia-dano-moral-derivado-parcelamento-salarios
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