Ao
apagar das luzes do semestre judiciário assistimos o Supremo Tribunal Federal
(STF) soltar o Sr. Rocha Loures e devolver o exercício do mandato a Aécio
Neves. Dirão alguns que essas decisões foram monocráticas e não refletem a
posição da corte em sua composição plena.
Bobagem.
As decisões individuais tomadas pelos ministros vão para a conta do STF sim. É
importante não cairmos na cilada de divisar entre ministros sérios e outros nem
tanto. O STF é uma instituição que abriga, protege e blinda seus componentes de
modo a torná-los intocáveis.
Não
importa a suspeição escancarada de Gilmar Mendes, ele se arroga o direito de relatar
os processos de seu amigo íntimo Aécio Neves e nenhum de seus pares dá um ai.
Fala mal de colegas em entrevistas, reúne-se com réus, dá conselhos e
consultoria a investigados e tudo fica por isso mesmo.
A
presidenta da corte não acha nada de mais proclamar que o STF não ficará alheio
ao apelo das ruas por “justiça” e, com isso, afirma o consenso de seus pares de
que é preciso jogar para a plateia. A pieguice venceu a sobriedade e a
imparcialidade.
Muitos
juristas que se querem “do bem”, isto é, críticos ao golpe que assola o Brasil,
insistem em que as bondades da véspera do recesso foram acertadas e marcam uma
virada garantista do STF. O fato de as decisões beneficiarem os de sempre não
viria ao caso, porque, ao apagar das luzes, beneficiaria também aqueles que
foram caça do inquisidor de Curitiba e terminaria por devolver o Direito aos
seus trilhos.
Não
compartilho o otimismo. O que se constata é apenas mais do mesmo. Já vimos o
então ministro Carlos Velloso abraçado às gargalhadas com o advogado de Paulo
Maluf, depois de soltá-lo da preventiva que perdurava cinquenta dias. Não era
necessariamente a decisão que estava incorreta. Era o tom. O aparente deboche.
Ao
fundamentar seu despacho, o ministro Marco Aurélio justifica o retorno de Aécio
ao Senado com a seguinte laudatória ao político que, por não ter aceitado o
resultado das urnas, colocou o Brasil na pior crise de sua história
republicana:
“É
brasileiro nato, chefe de família, com carreira política elogiável – deputado
federal por quatro vezes, ex-presidente da Câmara dos Deputados, governador de
Minas Gerais em dois mandatos consecutivos, o segundo colocado nas eleições à
Presidência da República de 2014 – ditas fraudadas –, com 34.897.211 votos em
primeiro turno e 51.041.155 no segundo, e hoje continua sendo, em que pese a
liminar implementada, senador da República, encontrando-se licenciado da
Presidência de um dos maiores partidos, o Partido da Social Democracia
Brasileira”.
Menos,
ministro Marco Aurélio! Assim passa a impressão de que se deixou levar pela
tietagem por Aécio Neves e joga o dever de imparcialidade no lixo. Sua
Excelência não se importou, como seus pares, com os 54 milhões de votos
triturados pelo golpe, achando oportuna aquilo que o ministro aposentado Ayres
Britto cinicamente chamou de “pausa democrática”.
Eleições
fraudadas? Não é esse o resultado do julgamento do TSE. Por duas vezes afirmou
a regularidade dos votos dados a Dilma Rousseff. Uma, quando à unanimidade
aprovou as contas de campanha e, outra, quando rechaçou as ações que queriam
atribuir à chapa vencedora abuso de poder econômico e político.
Ou
será que o Ministro Marco Aurélio, no ensejo de cortejar Aécio Neves, estará
antecipando seu voto em recursos anunciados pelo PSDB da decisão que julgou
improcedentes suas ações, que não passavam de “encheção de saco”, como definiu
o próprio Aécio, mau perdedor e moleque que não respeita nem a democracia e nem
a Constituição?
Tristes
tempos. Tudo leva a crer que o STF não se dá o respeito, nem disfarça suas
preferências. Enquanto parecem “melar” qualquer reação ao golpe, dão suporte à
turma de Curitiba que massacra o PT e Lula. O homem da mala de Temer é solto
após quarenta dias; Vaccari, o tesoureiro do PT, porém, contra quem nada de
concreto se conseguiu apontar, fica preso por dois anos, por conta de indícios
criados com suposições e convicções sem base empírica. Laudatória a Vaccari?
Nem pensar!
A
decisão que favorece Aécio não está, no seu dispositivo, errada. De fato, nada
há na Constituição da República que autorize o judiciário a afastar
preventivamente um senador do exercício de seu mandato. Mas não é isso que vem
ao caso.
O
que escandaliza qualquer jurista que não tenha ainda perdido sua sanidade
mental é a extrema politização por detrás da opção do julgador. Será que faria o mesmo se o afastado não fosse de
sua predileção, ante tantos elogios pegajosos – e desnecessários – a Aécio
Neves? Não seria ilegítimo supor que não.
Causa
espécie que esse “neogarantismo” no STF vem no momento em que os golpistas de
2016 começam a ser chamados à responsabilidade. E olha que essa chamada também
só se dá, por parte do MPF, por absoluta falta de alternativa, dado o vulto da
sujeira posta a nu, difícil de ser escondida debaixo do tapete.
Nunca
é tarde? Enquanto isso, os abusos contra Lula não cessam em Curitiba. E nada se
faz. No CNJ, reclamações contra o inquisidor da província do Paraná não são
tratadas nem com pressa e nem com presteza. Mais de uma dezena já foi
arquivada. Agora, a derradeira, caminha a passos de cágado.
O
vaidoso Dallagnol se dá ao trabalho de produzir alegações finais no não-caso do
triplex, com mais de 300 páginas. Quem tanto escreve sobre um não-fato singelo
mostra a absoluta falta de certeza sobre tudo. Trata-se de peça cheia de
especulações, em que provar é o que menos interessa. Consegue-se chegar ao
ápice do cinismo de confundir prova com argumento. Para provar, segundo
Dallagnol, basta argumentar. Pouco interessa se suas premissas não têm apego à
verdade, sua conclusão pretende ser sólida para condenar.
É
a velha mania do MP moralista de construir castelos nas nuvens. Montam, seus
aprendizes de feiticeiros, teorias desenhadas com complexos organogramas e,
depois, esforçam-se por recortar testemunhos para encaixar nos seus construtos
mentais. Se o testemunho não confirma a teoria, é dispensado. A teoria é
simples: Lula é culpado. Para sustenta-la, basta um PowerPoint. Aqueles que
dizem o contrário são confinados até dizerem que Lula é culpado. Leo Pinheiro
precisou de meses para mudar de ideia, Marcelo Odebrecht de dois anos.
Mas
Rocha Loures é solto rapidamente. Afinal, estava prestes a entregar seu patrão,
Michel Temer, para quem carregava uma mala com 500 mil reais…
Esse
mesmo STF que solta Rocha Loures não se preocupou com Marcelo Odebrecht. Sua petição
de habeas corpus foi negada. Eis o ponto da questão. Que Fachin esteja certo em
pontificar que prisão preventiva não serve para forçar delação, ninguém vai
refutar. O problema é a seletividade que carcome a imparcialidade da justiça e
aniquila a segurança jurídica.
É
o descaso até com as aparências; são as adjetivações, os vários pesos e as
várias medidas, as simpatias descaradas e as antipatias mal disfarçadas; são as
alianças políticas expostas midiaticamente e as omissões interesseiras: tudo
isso corrói a institucionalidade e transforma a prestação jurisdicional num
grande faz-de-conta. Pouco importa se às vezes os magistrados acertam; é
inaceitável a quantidade maior de vezes em que derrapam sem se importarem com a
imagem da corte.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-saco-de-bondades-seletivas-do-stf-por-eugenio-aragao/
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