Pobre
país, entregue aos caprichos de Michel Temer e de Sergio Moro, mas a
mediocridade e a ferocidade destas personagens não são delas somente, e sim de
uma larga fatia da sociedade nativa. Temer e Moro conseguem ser altamente
representativos de milhões e milhões de péssimos intérpretes da cidadania,
ignorantes e prepotentes, primários e primitivos, trogloditas intelectuais e
morais. O Brasil é samba de uma nota só.
A
situação em que precipitamos é a “consequência inevitável”, como diria a letra
da canção de Jobim, de cinco séculos de história, o resultado da colonização
predadora sem a mais pálida intenção de escapar à pauta da terra arrasada.
Acrescente-se três séculos e meio de escravidão para manter de pé até hoje casa-grande
e senzala.
Uma
independência despercebida pela nação inexistente, toda uma tradição de golpes
sem conflito, raros momentos de sensatez em busca de democracia, igualdade,
justa distribuição de renda. Quantos, em determinadas passagens desta história,
saíram da miséria original, transformaram-se em uma espécie de pequena
burguesia, sequiosa de acesso à casa-grande, de sorte a assumir as benesses e
os comportamentos dos donos da mansão senhorial, a começar pelo ódio de classe.
Se
os governos de Dilma Rousseff foram em boa medida incompetentes, e se a
presidenta reeleita cometeu estelionato eleitoral ao formar o novo gabinete, a
crise econômica a enfraqueceu ainda mais. Pronta a pagar qualquer preço e a
aceitar qualquer saída desde que a favorecesse, a casa-grande, titulares e
aspirantes, autorizou e sustentou o golpe de 2016. Topou Temer na Presidência e
Moro tornou-se seu herói. Inútil comentar o resultado, caos apocalíptico.
Nítido o projeto dos golpistas: condenar Lula e devolver o País aos tempos da
colônia.
Os
Poderes da República estão envolvidos em uma guerra de máfias, vende-se o
Brasil, a Globo governa. Nunca foi tão claro que o Brasil carece, em primeiro
lugar, de uma Corte Suprema guiada pelo dever de garantir o respeito da lei. A
única em vigor é a do mais forte. Insisto na ideia da “consequência
inevitável”, a partir do momento em que a ditadura se vai de livre vontade pela
porta dos fundos e a dita redemocratização de um país que nunca praticou a
democracia cai nas mãos do oligarca maranhense, o mesmo que conseguira evitar
as eleições Diretas Já em 1984.
O
primeiro pleito direto elege Collor, que, pela mão de PC Farias, cobrava
pedágios altos demais. Os achacados, que o tinham apoiado como caçador de
marajás, acharam oportuno dar eco às denúncias da revista IstoÉ e se livrar do
dono da Casa da Dinda. A cancela do poder escancarou-se para o tucanato,
preparado, como se dizia de José Serra, a assumir o papel de bastião da pior
reação.
A
Globo, engrandecida durante a ditadura, continuou a mandar de forma cada vez
mais ostensiva e foi decisiva na reeleição do príncipe dos sociólogos. O qual
cuidou de quebrar o Brasil três vezes e comandar a bandalheira da privatização
das comunicações. Só não conseguiu realizar o sonho de privatizar a Petrobras.
Em compensação, deixou as burras do Estado vazias.
Os
dois governos de Lula representam um parêntese feliz neste enredo lamentável.
Encheu o cofre, pagou as dívidas, deu passos significativos no campo social,
praticou uma exemplar política exterior independente, em proveito de um país
que sempre preferira ser súdito, e volta agora a preferir. Infelizmente, a
Globo ficou intocada na sua função determinante. No entrecho há uma lógica
inexorável, a queda de Dilma precipita a retomada do caminho interrompido. Para
pior, sempre para pior.
Ao
cabo destes anos tormentosos, a solução inteligente estaria na convocação de
eleições antecipadas, para entregar a última palavra ao próprio povo. Mas como
apelar para a razão em meio a esse espetáculo de demência? As quadrilhas
digladiam-se para impor a saída que mais lhes convém e desgovernar até 2018.
Justifica- -se, porém, a dúvida: haverá eleições? Me vem à mente o verbo
conscientizar.
Foi
muito usado logo após a posse de João Goulart na acidentada substituição de Jânio
Quadros, aquele que via na sua renúncia o estopim da revolta popular. Entendiam
alguns autênticos esquerdistas que secundavam Jango a urgência de
“conscientizar” o povo para tirá-lo do limbo da miséria e da ignorância.
Passaram-se mais de 50 anos e a urgência foi esquecida. No entanto, só um forte
abalo social muda os rumos. Mas isso hoje soa como quimera.
https://www.cartacapital.com.br/revista/962/mediocres-e-ferozes
Nenhum comentário:
Postar um comentário