O
brasileiro João Alves Jobim Saldanha, nascido há exatos 100 anos em Alegrete,
no Rio Grande do Sul, está sendo homenageado país afora pela sua importância
para o futebol e o jornalismo - os mais velhos certamente não se esqueceram da seleção
que montou, base daquela que, sob a direção de Zagallo, sagrou-se tricampeã
mundial, em 1970, no México, e de suas crônicas e comentários em jornais,
emissoras de rádio e de televisão.
O
pessoal dessa geração provavelmente conhece muitas histórias que cercam a
trajetória de vida desse brasileiro, que recebeu de um de seus mais famosos
amigos, o também jornalista, igualmente fanático por futebol, Nelson Rodrigues,
o epíteto de "sem medo".
Há
vários casos que se tornaram lendas: a perseguição, revólver em punho, a Manga,
então goleiro do Botafogo; a invasão da concentração do Flamengo, também de
revólver em punho, para tirar satisfações de seu técnico, Yustrich, que o havia
criticado; a briga com o cartola e bicheiro Castor de Andrade, em plena transmissão
do programa de TV Revista Facit; e a resposta que deu a um jornalista que o
informou que o presidente da época, o tenebroso general Médici, queria que ele
convocasse para a seleção o centroavante Dario, o Dadá Maravilha ("O
presidente manda no seu ministério, na seleção mando eu").
Mas
é uma das histórias menos conhecidas que dá a dimensão do caráter do João Sem
Medo, que foi um ativo integrante do Partidão, o Partido Comunista Brasileiro,
e um inimigo feroz da ditadura militar - a recíproca era verdadeira, os
militares e apoiadores do regime também o odiavam.
Ela
se passou em 1987 e envolveu a empregada doméstica que trabalhava para a sua
família, Josefa Eduardo do Amaral, a dona Zefa, que foi comprar pilhas para um
brinquedo que João trouxera do Paraguai para sua neta. As pilhas estavam com
defeito, e ao voltar à drogaria onde as comprara para trocá-las, dona Zefa foi
maltratada pelo gerente, um português de nome Ibajones Lemos Leão.
Ao
saber do que se passara, João não teve dúvida: foi à farmácia resolver o caso.
Como
o gerente se recusou a trocar as pilhas defeituosas ou a devolver o dinheiro,
João chamou-o de ladrão e ao ver que o homem, com a ajuda de outros dois,
partia para cima dele, sacou o seu revólver, um Colt 32 que chamava de
"Ferrinho", e deu um tiro no chão para assustá-los.
No
fim da história, todo mundo foi para a delegacia, e lá, João resumiu aos
jornalistas o que se passara:
-
A vítima aqui sou eu e dona Zefa. Se ela fosse loura, talvez ele [o gerente da
farmácia] até trocasse a pilha. Mas como é velha e crioula, é esse desrespeito.
O
resultado da confusão foi um processo, do qual ele acabou absolvido.
João
Saldanha, ou o João Sem Medo, morreu no dia 12 de julho de 1990, em Roma, onde
estava a trabalho para a Rede Manchete, cobrindo a Copa do Mundo.
Dá
para imaginar quantas histórias ele ainda viveria se tivesse nascido mais tarde
e estivesse vendo o seu Brasil ser destruído por essa quadrilha que tomou de
assalto o Palácio do Planalto.
Um
dos maiores problemas do país é justamente esse: a falta de quem, a exemplo
desse João centenário, não tenha medo.
http://jornalggn.com.br/blog/carlos-motta/a-falta-que-faz-ao-brasil-o-joao-sem-medo-por-carlos-motta
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