A
Constituição Federal concede a mesma e igual proteção à família,
independentemente da sua formatação: se por meio do casamento ou da união
estável.
A
simples recomendação — aliás, para lá de inútil — de ser facilitada a conversão
da união estável em casamento não hierarquiza os dois institutos. Não coloca o
casamento como modelo.
Ainda
assim, de modo para lá de desarrazoado, a lei insiste em deferir-lhes
tratamento distinto. Principalmente em sede de direito sucessório. O Código
Civil considera o cônjuge herdeiro necessário, e o companheiro, não. Ao
atribuir a quem compartilhou a vida, uma parte do que cabe aos filhos,
estabelece outra e desarrazoada distinção.
Este
naco da herança — conhecido como direito de concorrência sucessória — tem
diferente base de incidência e distintos percentuais. O viúvo recebe parte dos
chamados bens particulares, ou seja, aqueles que o morto adquiriu antes do
casamento, por doação ou por herança. Já o companheiro sobrevivente recebe um
quinhão dos bens que foram adquiridos durante a união. A repartição, no
entanto, é feita frente a todos os herdeiros, parentes até o quarto grau.
Inclusive — e absurdamente —, o sobrevivente recebe um terço dos bens comuns, e
os parentes ficam com dois terços e mais todos os bens particulares do morto.
Mesmo que sejam parentes distantes, como tios-avôs, sobrinhos-neto ou até mesmo
primos.
Qual
a justificativa para esse tratamento discriminatório? Porque um “sim” provoca
tantas diferenças.
A
alegação de que deve ser assegurada a liberdade de as pessoas escolherem a
forma de como querem viver não convence.
Foi
o Supremo Tribunal Federal que colocou as coisas nos trilhos. Ao reconhecer
como inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, acabou com a odiosa
diferenciação entre união estável e casamento — tanto heterossexual como
homoafetiva —, no que se refere ao direito de concorrência sucessória[1]. A
julgamento dispõe de repercussão geral e tem efeito vinculante.
A
decisão gerou enorme celeuma. O grande questionamento que surgiu no âmbito
doutrinário diz sobre a repercussão da tese firmada. Restringe-se à
diferenciação em sede de concorrência sucessória? Contamina as demais
distinções estabelecidas quando da morte do cônjuge ou do companheiro?
E
mais. Conceder tratamento igual ao casamento e à união estável não afronta o
princípio da autonomia da vontade? Será que não mais existe casamento, ou foi a
união estável que desapareceu? Agora casamento e união estável são a mesma
coisa?
Ora,
de todo descabido tentar limitar a decisão à questão da concorrência
sucessória. O STF limitou-se a apreciar o objeto da ação. Não poderia
transbordar dos limites da demanda. No entanto, como o fundamento foi a afronta
ao princípio da igualdade, não tem aplicação somente quanto à forma de divisão
do patrimônio quando da morte de um dos parceiros. Espraia-se para toda e
qualquer diferenciação tanto no âmbito do Direito de Sucessões como no Direito
de Família e em todas as distinções estabelecidas na legislação
infraconstitutcional.
Diante
do atual conceito de família — “vínculo de afeto que gera responsabilidades” —,
os direitos e os deveres são os mesmos. Quer o par resolva casar ou viver em
união estável. Quem decide constituir uma família assume os mesmos e iguais
encargos. É indiferente se forem ao registro civil ou ao tabelionado, ou
simplesmente tenham o propósito de viverem juntos.
A
pessoa é livre para permanecer sozinha ou ter alguém para chamar de seu. Ao
optar por uma vida a dois, as consequências de ordem patrimonial e sucessória
precisam ser iguais.
Se
toda a forma de amor vale a pena, deve gerar as mesmas e iguais consequências.
A
responsabilidade por quem se cativa — na surrada, mas verdadeira frase de O
Pequeno Príncipe — traça o perfil ético do afeto.
Da
total invisibilidade, as uniões afetivas passaram a gozar da absoluta
igualdade, sem qualquer distinção com a “sagrada instituição do matrimônio”.
[1]
Tese de repercussão geral do STF: "É inconstitucional a distinção de
regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do
CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união
estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002" (STF, REs 878.694 e 646.721,
T. Pleno, rel, min. Luís Roberto Barroso, j. 10/5/2017).
Maria
Berenice Dias é advogada especializada em Direito de Família, das Sucessões e
Homoafetivo, além de vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFam).
Revista
Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-jun-14/berenice-dias-stf-acertou-igualar-uniao-estavel-casamento
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