Um
dos efeitos negativos da operação "lava jato" foi a (in)utilização do
princípio da presunção de inocência. Isto, porque, basta nos confrontarmos com
as últimas prisões que foram determinadas nos últimos meses.
É
triste, senão lamentável, que, em pleno Século XXI, um acordo de delação premiada
tenha a a pachorra de (des)qualificar, não só o Presidente da República, como
dezenas de pessoas citadas, sem o material mínimo de corroboração. A
intranquilidade trazida no bojo da delação da empresa JBS passa não só pela
duvidosa constitucionalidade da ação controlada dos irmãos Batista, mas também
pelo prazo concedido aos anexos das pessoas “sem tanta expressão”.
Não
é novidade que, para se obter um bom acordo de colaboração premiada junto ao
Ministério Público Federal, é imprescindível que o conteúdo abale a República.
Contudo, a sensação que se tem é que a figura de Nero jamais foi tão bem
representada como a nos dias atuais, pois, em que pesem as descobertas
(supostamente) não republicanas, estas trazem efeitos catastróficos para a
economia do país.
Perguntados
inúmeras vezes sobre tais efeitos, os procuradores e os juízes à frente do caso
(operação “lava jato” e suas ramificações) fazem como Pilatos, em suma, alegam
que nada fizeram, comparativamente, afirmam que não são responsáveis pelos reflexos
negativos do mercado econômico. A divergência fática sobre o real motivo do
incêndio de Roma faz com que duas versões surjam também para o atual
comportamento daqueles, pois, em Roma, a divergência histórica ainda persiste
(i) a de que o imperador Nero teria ordenado o incêndio, com o propósito de
construir um complexo palaciano, já que o senado romano havia indeferido o
pedido de desapropriação para a obra ou (ii) a de se atribuir ao imperador a
condição de demente, uma vez que ele provocara o incêndio para inspirar-se,
poeticamente, e poder produzir um poema, como Homero ao descrever o incêndio de
Troia.
Analogicamente,
não necessariamente alternativo, o item (i) serviria para dar um protagonismo
que o Ministério Público jamais teve ou (ii) o poético martelo da justiça
servira como ferramenta para livros, destaques em periódicos e trampolins para
acatapultar jovens “juristas” como justiceiros, de um povo tão inocente e cheio
de ingenuidade como os brasileiros.
Triste,
porque a Justiça depende, para o seu bom funcionamento, do diálogo entre todas
as instituições, notadamente, entre aquelas que são, reconhecidamente,
indispensáveis à sua Administração, circunstância esta que um juiz de direito,
a quem cabe aplicar as leis e fiscalizá-las, jamais deveria desconhecer.
Dante
Alighieri, em A Divina Comédia, destaca que os lugares mais sombrios do inferno
estão reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral. A
história certamente se levantará para tentar traduzir o sentimento dos inocentes
citados e, por não serem tão importantes assim, sofrem calados aguardando a
conclusão de investigações que não se sabe nem ao certo quando irão começar.
No
momento em que os advogados se dispuserem a continuar um bate-boca com os
jogadores deste processo penal, que hoje são aplaudidos por Roma, estarão
abdicando de sua seriedade, e se despojando da sua dignidade, para fazerem um
jogo a que não podem se prestar, dada a sua importância, dada a sua projeção (e
tradição) e, sobretudo, o seu munus público.
Sigamos
em frente na luta em defesa da Constituição, da cidadania, da justiça social,
da ordem jurídica e dos direitos humanos. Esqueçamos estes genuínos “míopes do
direito”, açodados por poder e seus escusos talentos acusatórios, pois a
história, certamente, haverá de esquecê-los. Exemplo disso é que todos se
lembram de Sócrates, mas ninguém se lembra do nome do seu carrasco.
Em
nome dos citados e esquecidos, a vontade, como nunca pode ser satisfeita, é a
causa de toda dor. Assim, vivemos mergulhados na dor para termos apenas alguns
limitados momentos de prazer. O prazer de um dia ver que a tal presunção está
tão viva quanto a nossa economia.
Rafael Faria é advogado
criminalista, especialista em crimes financeiros, professor de processo penal
da Universidade Cândido Mendes, sócio do escritório RSFARIA advogados.
Revista
Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-jun-02/rafael-faria-crise-moral-nao-justifica-fim-presuncao-inocencia
Nenhum comentário:
Postar um comentário