O
resultado do Atlas da Violência 2017 divulgado nesta segunda-feira (5) é uma
versão cruel e sangrenta de um lugar comum: a crônica de uma tragédia
anunciada.
O
estudo foi feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e revela a guerra civil não
declarada. Os números são veementes. Entre cada 100 pessoas assassinadas no
Brasil, 71 são pobres, negros e jovens das periferias.
Embora
não haja uma guerra declarada, ela pode ser identificada nas entrelinhas de um
documento da Escola Superior de Guerra (ESG), de 1989, intitulado “Estrutura
para o poder nacional para o ano 2001 – 1900-2000, a década vital para um
Brasil democrático”. O documento alerta contra os cinturões de pobreza nas
periferias das grandes cidades, como o Rio de Janeiro, e sugere a militarização
da ação contra as populações pobres e os “menores abandonados”, vistos como
socialmente perigosos. Essa lógica de “contenção” dos pobres prevaleceu nos
anos seguintes, levada a cabo pelas polícias militares.
Os
números ora divulgados retratam essa realidade mortífera reiterada ano após ano.
Mostram que, entre os anos de 2005 a 2015, apesar das medidas de inclusão
social adotadas pelos governos Lula e Dilma, ocorreram 318 mil mortes violentas
de jovens nesta faixa social que está na base da sociedade brasileira. Houve um
aumento de 17,2% na taxa de homicídio na faixa etária de 15 a 29 anos. O risco
de um jovem negro ser assassinado, no Brasil, é 2,5 vezes maior do que os
demais cidadãos.
Este
cenário dantesco piora desde a ascensão da direita ao governo brasileiro, com o
golpe de 2016, como é constatado pela mera leitura dos jornais e o aumento de
manchetes que anunciam chacinas contra gente pobre pelo país afora.
Há
um genocídio da juventude negra no Brasil. E não se trata da acusação feita
frequentemente pelo movimento negro. Mas pelos relatórios de duas Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) do Congresso Nacional que trataram do assunto
em 2015 e cuja conclusão é a amarga constatação de que o Brasil é uma nação
violenta e racista.
Além
da dor causada pela perda de vidas, essa violência tem um custo paradoxal.
Equivale a 1,5% do PIB brasileiro, valor semelhante ao aplicado em medidas de
segurança que são adotadas; no total, isso significa 3% do PIB brasileiro.
É
uma realidade atroz, que piora sempre que a direita avança no país. Os números
do Mapa da Violência superam em número de mortos cenários internacionais onde
há luta aberta e declarada. São números chocantes. Nos 34 anos entre 1980 e
2014 quase um milhão de brasileiros foram assassinados, revelou a CPI da Câmara
dos Deputados. Ele resulta da omissão do poder público, que permite a
existência de grupos de extermínio, milícias (muitas vezes formadas por
policiais) e grupos organizados de traficantes. A eles se junta a letalidade da
Polícia Militar, que funciona como verdadeira tropa de choque antipovo,
principalmente contra esses jovens negros e pobres.
É
a realidade impactante da cidadania tratada à bala. Contra ela é urgente romper
o silêncio da sociedade, principalmente o das camadas de renda alta e maior
prestígio social, que parecem assistir a estes assassinatos como se fossem
normais, ou o custo da luta contra a criminalidade.
O
Brasil deve este avanço civilizatório aos cidadãos das camadas inferiores da
sociedade, sobretudo aos jovens pretos e pobres das periferias. A alternativa é
a manutenção do quadro cruel e ilegal movido pelo racismo. Quadro que, ante o
agravamento da crise social que decorre do verdadeiro apodrecimento da economia
promovido pela dupla Michel Temer/Henrique Meirelles, poderá piorar ainda mais.
É
imperativo tratar aos brasileiros, todos, com a mesma igualdade que a lei
exige. Este tratamento implica na deposição das armas nesta guerra civil movida
contra os mais pobres e excluídos, que são vistos como perigosos e assim
inimigos que se trata na ponta do chicote e das armas.
http://vermelho.org.br/editorial.php?id_editorial=1682&id_secao=16
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