José
“Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai e grande inspiração da esquerda atual,
esteve no Brasil neste fim de semana. Participou de uma palestra na Fundação
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, da etapa paulista do 6o Congresso
do PT e da Feira Nacional da Reforma Agrária do MST, no Parque da Água Branca.
O blog acompanhou a visita de Mujica e as principais observações que fez sobre
o cenário brasileiro e mundial e sobre como a esquerda precisa focar na luta
contra o consumismo desenfreado. Nos momentos de crise, é preciso ouvir o que
os sábios têm a dizer.
“O
grande erro da minha geração foi achar que bastaria tomar o poder, mudar as
relações de produção e tudo estaria resolvido”, disse Mujica. Para o
ex-guerrilheiro Tupamaro, a grande questão está na mudança de cultura, no
enfrentamento do consumismo e das formas de vida atuais: “Somente um louco pode
achar que a felicidade está em ter 30 pares de sapato e consumir cada vez
mais”, disse o ex-presidente à plateia da FespSP.
“Precisamos
de novos militantes, de gente que ache possível construir um mundo diferente e
melhor”. A propriedade e os modos de produção criam uma cultura que mexe com os
hábitos e com o coração do povo. “Se não mudamos essa cultura voltada ao
consumismo, nada muda”, acrescentou Mujica no encontro realizado na faculdade
paulistana.
“Tenho
amigos ecologistas que trocam de carro, notebook e celular todo ano. Claro que
essas coisas são necessárias, mas como se dizer ecologista vivendo uma cultura
consumista? É possível ser amigo do meio ambiente quando desperdiçamos
energia?”, questionou ele. “Mudemos os jovens, pois os velhos são
incorrigíveis”, provocou Mujica, arrancando risadas da plateia.
Segundo
ele, a luta por desenvolvimento não pode ser mais importante do que a vida das
pessoas. “As pessoas não podem viver somente para trabalhar e pagar contas,
devem ter tempo livre. Precisamos dar importância não só à alta cultura, mas
aos modos de vida do povo comum”. De acordo com Mujica, “enchemos tanto a vida
de tralhas” que a mochila ficou pesada e não conseguimos mais caminhar. E sem
caminhar não somos mais felizes.
Aproveitando
o fato de a palestra acontecer em uma escola, Mujica falou do papel da
universidade nessa mudança social: “A escola não deve servir apenas para que as
pessoas consigam um diploma, um emprego seguro e mantenham esse estado de
coisas que leva à desigualdade. Ela deve ajudar a aumentar a consciência do
oprimido. Do contrário, o diploma vira só um enfeite para adornar o salão dos
poderosos”.
América
Latina
“A
América Latina é um continente enorme, mas injusto e desintegrado. Um
continente feudal”, lamentou Mujica ao iniciar sua análise sobre a conjuntura
regional. Para ele, não tivemos um verdadeira revolução burguesa no continente.
“A burguesia, ao nascer, tinha a mística do trabalho e do puritanismo quaker.
Hoje, a burguesia não pensa em aumentar os meios de produção, mas somente em
concentrar riqueza.”
Mujica
criticou a forma como nossos arranjos econômicos são voltados para EUA e
Europa: “A maioria das capitais do mundo estão no interior do país. Na América
Latina, a maioria das capitais estão no litoral. Mesmo no Brasil, apesar da
capital ser Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, os grandes centros econômicos
estão perto do litoral.”
Para
ele, a única maneira de enfrentar essa dependência econômica é com potencial
criador. “A única coisa que pode libertar a AL é o conhecimento. Não
conseguimos manter nossos pesquisadores aqui e a fuga de cérebros impede o
desenvolvimento de massa crítica. Perder pessoas inteligentes para centros de
pesquisa no exterior é uma prova de que falhamos politicamente.”
Quando
perguntado sobre o que o Brasil deveria fazer para sair do impasse político no
qual estamos, Mujica foi bem cético: “Não sou Deus para dizer aos brasileiros o
que devem fazer. Mas, solidariamente, torço para que vocês superem logo esta
situação.”
Na
opinião de Mujica, o Brasil é fundamental para o bom funcionamento da América
Latina. “Sem o Brasil, o resto da América Latina está condenado. E sem seus
vizinhos, o Brasil é incapaz de enfrentar os outros blocos continentais
sozinho.” Por outro lado, o ex-presidente uruguaio criticou o presidencialismo
de coalizão: “Não se pode governar um país com 30 partidos, não há 30 projetos
de país.”
“O
Brasil precisa se manter mobilizado. Não desmoralizemos a política. É absurdo
que as pessoas sejam obrigadas a trabalhar 49 anos para se aposentar”, disse
Mujica em referência à proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso
pelo governo Temer. No entanto, ele acha que as derrotas da esquerda no
continente após 15 anos de predomínio fazem parte do jogo político: “Não há
luta por direitos que não tenha enfrentado derrotas em algum momento.”
Mujica
mostrou preocupação com o futuro do trabalho dentro da atual configuração do
capitalismo. “Há uma crescente robotização do trabalho e isso vai gerar uma
grande massa de desocupados nas cidades. A renda básica, uma proposta tida como
de esquerda, será instrumentalizada pelo capitalismo, de forma que as pessoas
continuem a consumir. Do contrário, teremos problemas para manter a atividade
econômica. Isso mostra quão inovadora era a ideia de Eduardo Suplicy, ainda nos
anos 1990″ – o vereador paulistano era
um dos participantes do evento.
“De
que adianta a Ciência se não damos importância a ela?”, questionou Mujica para
falar sobre a necessidade de enfrentar problemas como a mudança climática.
“Precisamos fazer com que essas descobertas virem política pública”, uma clara
alfinetada em Donald Trump e sua política de negar o aquecimento global e as
mudanças trazidas por ele para a vida na Terra. “Loucos não podem ser
presidentes de repúblicas. Precisamos de antídotos contra loucos como ele.”
Maconha
e aborto
No
final de sua exposição, Mujica falou sobre a experiência frente ao governo
uruguaio, especialmente sobre a descriminalização do aborto e da maconha.
“Descriminalizamos o aborto porque as mulheres penalizadas são sempre as mais
pobres. As mulheres que tem dinheiro vão dar um jeito de resolver o problema.”
“A
vantagem de governar um país pequeno é que a gente pode se dar ao luxo de
tentar coisas que os gigantes não podem tentar. Por isso resolvemos saber como
seria se liberássemos a maconha para uso medicinal e consumo caseiro.” Na visão
de Mujica, foi uma “dose controlada”. Para ele, 70 anos de guerra às drogas não
resolveram a questão.
“Só
conseguimos criar outro problema – o tráfico. Tudo que é proibido vai deixar as
pessoas loucas de vontade de fazer, isso é a natureza humana. Por outro lado,
um terço dos presos uruguaios eram de traficantes e de crimes ligados à droga.
O vício é um problema de saúde e assim deve ser tratado, mas o tráfico é um
problema bem pior.”
Mujica
foi bem enfático ao lidar com essa questão: “O único segmento que se beneficia
quando deixamos as drogas numa zona cinzenta é o crime. Se isso está à luz do
dia, é mais fácil de combater e lidar”. No entanto, ele rechaça a ideia de um
turismo marijuanero: “nossa ideia é o consumo para o cidadão comum. Se
estimulamos que as pessoas venham ao Uruguai por causa da maconha, isso nos
traria problemas com os vizinhos e isso a gente não quer”, finalizou Mujica.
http://www.socialistamorena.com.br/mujica-so-um-louco-pode-achar/
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