segunda-feira, 8 de maio de 2017

MÍDIA E MANIPULAÇÃO DAS MASSAS: UMA FATAL COMBINAÇÃO CAPAZ DE DERRUBAR GOVERNOS OU LEVANTAR DITADURAS COMO A NAZISTA. Por Eduardo Migowski

Como a grande mídia consegue manipular a opinião pública para fazer prevalecer a sua agenda política e suas pautas, o que acaba favorecendo o conservadorismo em detrimento da democracia, seja na Alemanha de 1933, ou no Brasil em 2013.

Mídia, informação e política.

A história dos meios de comunicação está visceralmente ligada à política de massas. Na verdade a mídia ganha força no momento em que se percebe a necessidade de construir consenso em torno de determinada agenda política. As primeiras experiências nesse sentido aconteceram nas guerras. Ora, nos conflitos militares é fundamental o engajamento popular. É preciso soldados dispostos a matar e a morrer em nome de ideais que nem sempre estão muito claros. Por este motivo, guerras são impopulares.

O filósofo Noam Chomsky destaca a campanha do presidente Woodrow Wilson como o primeiro caso de uso intensivo da propaganda governamental. Wilson queria entrar na Primeira Guerra mundial, mas tinha que enfrentar a resistência da opinião pública, em sua maioria pacifista. Os americanos não viam sentido em mandar seus filhos para lutarem numa guerra distante, que não ameaça as fronteiras país. Foi criada então a comissão de propaganda governamental, a Comissão Creel, e em seis meses de massiva propaganda, segundo Chomsky, uma população pacifista foi transformada em ardorosos entusiastas da guerra. Qual seria o papel da informação na construção desse consenso? Entender essas complexas relações entre opinião individual e manipulação política é o objetivo desse texto.

A informação, como veremos, tem uma função complementar à da propaganda. Seja num regime democrático, seja numa ditadura, é fundamental o controle das notícias que chegam até os telespectadores. O filósofo Michel Foucault dizia que o poder só é efetivo quando ele constrói saber. Caso contrário, há resistência. Nesse sentido, a mídia é um mecanismo estratégico para a circulação desses saberes. Não há como separar jornalismo de política.

Antes, porém, é preciso um entendimento do funcionamento dos regimes democráticos e das ditaduras. A propaganda política atua de modo parecido nesses dois sistemas políticos, pois ela está ligada à política de massas e não à democracia, como normalmente se pensa. Esse erro ocorre porque os analistas percebem apenas uma das acepções do conceito de democracia. Chomsky mostra que o conceito de democracia é ambivalente, tendo duas definições possíveis: a primeira seria aquela em que o povo participa ativamente dos destinos coletivos e, portanto, tem acesso a educação de qualidade e os canais de informações são acessíveis e diversificados. A outra considera que o povo deve ser mantido afastado dos assuntos públicos e, por isso, o acesso à informação, assim como a percepção da realidade, deve ser restrito. Podemos concluir, dessas duas noções propostas por Chomsky, que, na história humana, a mídia tem o papel de difundir essa primeira concepção no plano simbólico e a segunda na prática.

Desde Maquiavel, ou talvez de Júlio César, a ciência política sabe que para o exercício do poder as aparências são mais importantes que os fatos. De nada adianta um político ser honesto se ele é visto como corrupto. O inverso também é verdadeiro: um político que é percebido como probo pela população terá caminho livre para praticar a corrupção.

Sem dúvida o controle das informações é o elemento central nessa “guerra simbólica”. Como veremos adiante, um crime que aparentemente é um fato isolado, se trabalhado, pode ser usado para fortalecer ou enfraquecer um determinado governo. Por exemplo, se dez pessoas cometem um homicídio num dia e isso é apresentado em números: “hoje 10 pessoas morreram”, o impacto público será pequeno. Porém, se a mídia escolher um desses casos e ficar martelando diariamente, contando sobre como vivia o rapaz morto, sobre a sua namorada chorando no enterro, sobre o sofrimento dos seus pais etc.; a comoção será muito maior. Irá causar empatia no público. Outras pessoas poderão colocar-se no lugar da vítima e chegar à conclusão que elas também podem sofrer tais barbaridades. Assim, a sensação de insegurança aumenta. Os dados são os mesmos, a violência também, mas a forma como a informação chega até os lares é completamente distinta e isso tem efeitos políticos. A frase atribuída ao líder soviético Joseph Stalin explica de maneira brilhante a ideia que estamos mostrando aqui: “um morto é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística”.

A produção das notícias jornalísticas possui impressionante similaridade com a da propaganda política. E isso vale tanto para as ditaduras quanto para as democracias. No Mein Kampf, Hitler dizia que a propaganda deve ser sempre popular, direcionada às massas. Por tal motivo, ela deveria chegar a todos de maneira igual, e deveria ser compreendida por todos, desde os mais inteligentes até aqueles com limitadas faculdades de cognição. Em outras palavras, a propaganda deve ser direta, simples e fácil de ser assimilada. Para Hitler, as massas seriam como as mulheres, pois seriam movidas pela paixão e não pela razão. Assim, a ação propagandística deve destacar determinadas características, estereotipá-las, de modo a sedimentar tais representações da memória coletiva. Essas foram as bases da propaganda nazista. A produção das informações seguiam o mesmo princípio. Não por acaso, uma das primeiras ações dos nazistas ao chegarem ao poder foi criar o Ministério do Reich Para Esclarecimento Popular e Propaganda, sob liderança de Joseph Goebbels, o famoso chefe de propaganda nazista. Goebbels controlava não apenas a propaganda, mas também a produção das informações que chegavam aos alemães. Como veremos, ambas eram produzidas e pautadas nos mesmos pressupostos, porém os objetivos eram diferentes.

Chomsky escreveu obras importantes sobre o que ele chamou de “desorientação do rebanho”. Em “Mídia: propaganda e manipulação política”, o filósofo mostra algumas técnicas usadas para criar o consenso na opinião pública:

1) Instigar a população. A melhor forma de instigar a população é disseminando o medo. Um gato dificilmente escolheria atacar um cachorro, mas, caso esteja acuado, suas unhas afiadas podem ser sua única salvação. Uma população amedrontada pode ser mais facilmente manejada.

2) Representação como realidade. Mas como criar esse medo coletivo? Usando esta segunda técnica. O caso do homicídio, citado acima, é um bom exemplo. O medo não provém necessariamente da violência, mas da possibilidade que as pessoas percebem delas mesmas serem as vítimas. Como veremos adiante, os nazistas souberam manejar de forma magistral o uso da violência, de modo que ela aumentasse e o povo alemão se sentisse mais seguro. “É necessário, também, falsificar a realidade e completamente a história. Essa é outra maneira de superar tais restrições doentias: passar a impressão de quando atacamos alguém, na verdade estamos nos protegendo e nos defendendo de agressores e monstros perigosos” (Chomsky).

3) Cortejo dos inimigos. Nesse caso, trata-se de tirar a atenção, ou desviar, dos problemas centrais. Estamos falando não apenas da velha política do pão e do circo. As pessoas precisam de distração, mas apenas programas de auditórios não possuem esse poder. Elas necessitam de algo para se preocupar, então são dados problemas e com suas respectivas soluções. Esse problema pode ser o inimigo, tal como os judeus para os nazistas, ou uma caricatura da realidade. O transporte não funciona? É porque ele é público, vamos privatizá-lo que tudo se resolve. A taxa de homicídios está alta? Culpa dos direitos humanos, vamos aumentar o rigor das leis, diminuir a maioridade penal e a criminalidade deixará de ser uma preocupação.

4) Percepção seletiva. Em junho de 2013 houve manifestações em massa no Brasil. As pautas não eram muito claras, mas a insatisfação com a corrupção era algo presente em quase todos os protestos. O governo brasileiro, tentando acalmar os ânimos, propôs uma reforma política que pretendia atacar o problema de forma estrutural. Foi então que começou uma campanha que o cientista político Jessé de Souza chamou de “fulanização da corrupção”. Ou seja, o problema deixou de ser estrutural e passou a ter nome, partido e cor. As insatisfações, que inicialmente eram difusas, passaram a ter um alvo e seu peso foi jogado nas costas de um pequeno grupo. Resultado, os três partidos com o maior número de membros cassados por corrupção (PMDB, PSDB e DEM) escaparam da histeria coletiva e assumiram as rédeas da política. A única forma de entender tal contradição, ou seja, como manifestações contra a corrupção favoreceram os corruptos, é estudando como se forma isso que Chomsky chamou de percepção seletiva da realidade. Esse assunto será aprofundado na última parte do texto.

5) Crie slogans vazios e genéricos. “Todos pela paz”. “Apoie o povo brasileiro”. “Contra a corrupção”. “A favor de democracia”. “Liberdade duradoura”, etc. Essas frases são chamativas, possuem apelo, porém seus significados são vazios. Quem seria contra a paz? Quem defenderia a corrupção? Políticos corruptos defendem o fim da corrupção. George W. Bush, se perguntado, dirá que é um ativista da paz mundial. Conceitos genéricos produzem consenso porque não dizem nada, não incomodam ninguém. No momento que são traduzidos em políticas, eles precisam ser interpretados e quem os interpreta possui uma grande margem para manobrá-los. Por exemplo, “liberdade duradoura” é uma frase chamativa e agradável aos ouvidos. Porém, esse foi o nome dado à operação militar no Iraque que matou milhares de pessoas para destruir armas de destruição em massa que não existiam. Quem seria a favor da Guerra do Iraque? Poucos. Mas com um slogan vazio e genérico: “apoie o povo americano”, “lute pela liberdade”, “ajude nossas tropas”, etc., fica mais fácil colocar um país em guerra em busca de nada.

Esse texto, em suma, pretende analisar o poder político dos meios de comunicação em dois momentos distintos:

1) em 1933 a Alemanha nazista e a função da mídia na construção do Reich;
2) em 2013 o Brasil e o papel da comunicação na crise que culminou com o fim do ciclo do Partido dos Trabalhadores na presidência.

Antes, porém, é preciso apresentar um problema. Há milhares de exemplos em que a propaganda/informação massificada obteve sucesso e conquistou os objetivos inicias. Há também inúmeros casos que não. Os telespectadores são tratados como seres passivos, mas eles processam e transformam as informações que recebem. Na conclusão, tentaremos compreender o motivo da manipulação funcionar em alguns casos e não em outros.

Alemanha, Janeiro de 1933.

Ao contrário do que muitos pensam, Hitler chegou ao poder sem nunca ter vencido uma eleição. Em 1932, os nacionais-socialistas haviam conquistado 230 cadeiras no parlamento, o que os tornava o maior partido, mas não os dava maioria. Nas eleições para presidente do mesmo ano, Hitler perdeu para o marechal Hindenburg, alcançando 36,77% dos votos. Enfim, nas urnas, os nazistas não chegaram nem perto de obter a maioria do eleitorado.

Em janeiro de 1933, portanto, o líder nazista era parte de um governo de coalizão extremamente instável, cuja maioria estava com os conservadores. Em poucos meses, porém, ele conseguiu instaurar uma ditadura sem grandes questionamentos por parte do povo alemão. Em 23 de março a Lei Habilitante, assinada por Hinderburg, o concedia amplos poderes. Os comunistas já estavam sendo presos e os primeiros campos de concentração inaugurados.

Como isso foi possível? Para responder essa pergunta, é preciso destacar que havia elementos no discurso nazista que atraía os conservadores, como: o nacionalismo, a oposição ao Tratado de Versalhes, o rearmamento, a hostilidade ao marxismo e o desprezo pela democracia. Porém, mesmo seduzidos por tais ideias, os conservadores não tinham força para levá-las adiante. Estavam paralisados num momento de caos social e econômico. Nomear Hitler como chanceler foi uma tentativa desastrosa de recuperar as bases sociais do partido, que estavam se desintegrando. O efeito foi contrário. No poder, os nazistas esmagaram a oposição e controlaram as antigas elites.

O prestígio do nacional-socialismo, nesses primeiros meses, não veio da recuperação econômica. Por mais que eles logo mostrassem êxito nessa área, não se recupera a economia de um país do dia para noite. O fator principal da popularidade da extrema-direita foi o resgate do orgulho nacional, que estava ferido desde o fim da Primeira Guerra Mundial. A República de Weimer era vista como o símbolo da derrocada nacional, por tal motivo, havia poucos dispostos e defender as instituições vigentes.

As primeiras medidas de impacto, portanto, foram no campo simbólico, do imaginário político nacional. O sistema parlamentarista estava desgastado, assim como a democracia liberal. Ambos eram percebidos como os causadores da instabilidade política, econômica e social que o país passava. Muitos lembravam com saudosismo do antigo Império Alemão.

No dia 21 de março foi inaugurado o novo Reichstag. Goebbels recebeu a missão de preparar a cerimônia de acordo com as diretrizes do partido. Todos os detalhes foram milimetricamente pensados para transmitir a imagem que o governo havia construído de si mesmo. A data, por exemplo, remetia à primeira inauguração do parlamento, em 1871, época da Unificação Alemã. O historiador Peter Longerich descreveu assim a cerimônia:

“O lugar incorporava de modo especial a tradição monarquista e militar da Alemanha-Prússia: na Igreja da Guarnição de Potsdam, achavam-se os túmulos dos reis prussianos, Frederico Guilherme I e Guilherme II, e, até fim da Primeira Guerra Mundial, nela ficavam expostos os estandartes e bandeiras conquistados pelo exército prussiano desde as guerras de libertação. Lá se devia realçar e celebrar a aliança dos nacionais-socialistas com os conservadores de direita. A expressão dessa aliança seria principalmente o aperto de mãos solene durante o qual o chanceler do Reich, de fraque e cartola, faria uma profunda reverência diante de Hindenburg, que estaria envergando uma farda de marechal de campo do exército imperial. Goebbels concebeu uma cerimônia devidamente grandiosa e clássica.”

As cenas dos desfiles militares acompanhados por uma multidão em êxtase são impressionantes. O cortejo das SA e do exército alemão demonstrava não apenas união das forças armadas, como também entre o velho e o novo. A reverência de Hitler à Hindenburg deve ser vista com cautela. A cerimônia de Potsdam marcou mais que uma união entre conservadores e nacionais-socialistas. Desde a crise de 1929 os votos dos conservadores vinham migrando para a extrema-direita. A união entre ambos fora feita quando Hindenbrug convidou Hitler para o governo de coalizão. Mas, como vimos, a ideia dos conservadores era manter Hitler sob controle. Em Potsdam, contudo, essa aliança é resignificada.

A reverência do líder nazista não demonstra uma submissão ao presidente, mas é uma honraria ao marechal, herói da Primeira Guerra Mundial, que remetia a um passado glorioso, pré-republicano, que os nazistas queriam reviver. O que estava sendo construído era uma narrativa de continuidade entre o segundo e terceiro Reich, que ignorava a republica. Os trajes militares do presidente deixavam isso bem claro. Enfim, mais que uma aliança política entre essas vertentes da direita, Potsdam representou um supremacia do projeto nazista.

O objetivo de Potsdam era apresentar para a população os nazistas como continuadores das glorias dos antigos impérios. O historiador Robert Gellately escreveu: “O povo alemão, desprezando os políticos alemães que haviam fracassado por completo em ajudá-los, viu-se pronto a colocar sua confiança e compreensão nas mãos de alguém que poderia reconectá-los com o que sentiam ser os elementos mais soídos da tradição alemã”. A organização militar, o impacto provocado pelas marchas e o sentido de unidade eram a antítese perfeita da desorganizada república.

O nazismo, porém, não era feito apenas de propaganda. O regime também praticava a coerção. E o povo precisava ser instruído sobre as novas práticas. É nesse aspecto que o controle das informações aparece como complemento à propaganda. Nos dia 13 de março, os nacionais-socialistas haviam criado o Ministério do Esclarecimento Popular e da Propaganda. Segundo Goebbels, a tarefa do Ministério seria a de “mobilizar o espírito” do povo alemão e o entusiasmo popular. A visão do Reich em relação à imprensa seguia a mesma lógica da produção artística: “a arte não é um conceito absoluto, apenas ganha vida a partir da vida das pessoas”. Não haveria, portanto, arte sem viés político, nem notícia. Como o Partido se dizia o representante do povo alemão, seria fácil concluir que as críticas ao governo seriam encaradas como propaganda estrangeira, bolchevique, judaica ou as três coisas ao mesmo tempo. Jornais comunistas e alguns liberais logo seriam invadidos por radicais das SS e das SA. A maioria dos jornais liberais, porém, preferiu não contrariar as novas diretrizes políticas e passaram a apoiar o regime.

Como lembra Richard Evens, o Terceiro Reich não era uma ditadura comum. Os nazistas se diziam a verdadeira expressão da alma alemã. Havia a preocupação de transmitir a imagem de unidade entre povo e partido, por meio do “endosso” permanente das medidas tomadas. Ou, nas palavras de Evans: “o regime colocou-se desde o início em um estado de permanente consulta plebiscitária das massas”. Obviamente que essa “democracia participativa” era aparente e não real. Porém, a aparência de unidade servia para persuadir aqueles que desconfiavam do governo. Servia também para manter a oposição em silêncio, de modo que ela perecesse inexistente.

Quem seria contra a “opinião pública”?

O Terceiro Reich foi construído alternando coerção seletiva e consentimento. A coerção era dirigida aos grupos marginalizados e a instituição responsável era a política e os órgãos de segurança. O consentimento era direcionado ao restante da população e o veiculo responsável era a imprensa e a máquina de propaganda do governo. Os primeiros campos de concentração começaram a ser construídos já em 1933, para abrigar os perseguidos políticos. Não havia um projeto de limpeza étnica, como se configuraria mais tarde. As primeiras medidas contras os judeus foram extremamente tímidas. Nesse momento, o inimigo principal era a esquerda e os marginais sociais. A repressão era tão grande que logo as prisões ficaram lotadas. Para resolver esse problema, os campos de concentração começaram a ser inaugurados. Muitos deles em instalações improvisadas.

Um dos primeiros campos criados foi o de Dachau, construído numa antiga fábrica de pólvora. Não houve nenhuma tentativa do governo em esconder a existência do local. Nem poderia, ele ficava a apenas cinco quilômetros de Munique. Segundo Gellately, no dia em que os primeiros prisioneiros chegaram, havia uma multidão de curiosos à espera para vê-los entrando na prisão. Os alemães haviam sido informados que ali seria o espaço reservado para os comunistas, que estariam conspirando contra a nação.

Himmler afirmou nos jornais que, caso fossem soltos, esses elementos subversivos voltariam às atividades criminosas e a paz social não seria alcançada. E esta era a grande questão. A imprensa alemã não escondia do público que os direitos individuais estavam sendo violados, mas colocava essa prática como necessária para que a ordem fosse restabelecida. Como também mostra Gellately, as notícias de roubos, furtos e mortes, que infestavam os jornais na República de Weimer, desapareceram. A violência aumentou com a ascensão dos nazistas, porém era uma violência localizada, que tranquilizava o cidadão comum. Assassinos soltos podem matar qualquer um. Quando a violência é praticada pelo Estado, de forma altamente seletiva, e as pessoas são informadas pela imprensa quem seriam os alvos, a tranquilidade é maior. “Uma lista de 10 de abril de 1934 mostra que das 2.405 pessoas em campos de concentração na Bavária. 1.531 (62,5%) eram acusados de envolvimentos com comunismo; 222 (9,1%) estavam confinados por alta traição e outras 33 (1,3%) por formas menos graves de traição. Algumas dessas últimas talvez também pudessem ser comunistas, o mesmo sendo possível para os outros 98 prisioneiros (4%) acusados de atividades marxistas” (Gellately). Como podemos ver, a quase totalidade das prisões estavam direcionadas à esquerda. Não havia ninguém preso, por exemplo, por ser judeu nos primeiros anos. O povo alemão sabia que, caso ele não fosse comunista, não seria incomodado.

A imprensa procurava destacar os aspectos “positivos” da política de segregação. Segundos os jornais, os campos de concentração teriam o caráter “educacional”. Muitos também diziam que era uma oportunidade que o Estado daria aos comunistas de refletiram sobre o mal que estavam causando à sociedade. Quando Dachau foi construído, por exemplo, os periódicos locais festejavam dizendo que ele abrira novos postos de trabalho e desenvolveria a região. Sempre preocupados com o “mercado”, os jornais liberais saudavam Dachau como “algo que traria nova esperança ao mundo empresarial”. Outros diziam que ele seria o “ponto de virada econômico” e o “início de dias mais felizes”. Outra publicação estampava que a pequena cidade de 8.000 habitantes havia se tornado o lugar mais famoso da Alemanha. Hoje Dachau virou um dos principais símbolos do terror nazista, lembrado como um dos campos de concentração mais cruéis, que chegou a abrigar 180 mil presos. Porém, quando da sua inauguração, o local era festejado na imprensa.
Apenas em 1933 foram construídos 160 campos de concentração na Alemanha. Todos eles elogiados e apresentados como necessários para a volta da tranquilidade e para a recuperação econômica. As palavras usadas para descrever o que estava ocorrendo eram cuidadosamente escolhidas. Os eufemismos, também eram constantes. As mortes eram relatadas como “autodefesa”. Os detidos seriam “reeducados” e estariam sob “custódia protetora” do Estado, para que pudessem “recuperar a razão”. Gellately destaca uma reportagem que dizia que os campos eram necessários, pois o “hóspedes” não eram criminosos, mas pessoas “seduzidas” pelo comunismo. Portanto, não precisariam de uma punição, mas de uma “reeducação”, que seria feita por meio de novas “terapias”. O jornal era categórico: “provavelmente a maneira mais humana de lidar com elementos subversivos”. Outra matéria dizia que os comunistas “envenenavam a atmosfera”. A analogia é interessante, considerando que muitos deles seriam mortos com gases tóxicos.

O êxito nazista aconteceu porque eles souberam manejar as instabilidades. Quando chegaram ao poder, 40% da população estava desempregada. Os outros 60% estavam em dificuldade ou receosos de serem os próximos a perderem o emprego. A violência explodia. Os valores morais eram percebidos como algo que estava sendo desvirtuado. Ou seja, a insegurança atingia a todos, as angústias eram enormes.

Os nazistas, então, passaram a escolher grupos localizados e direcionavam a eles os efeitos da crise. Por exemplo, a Lei de Restabelecimento do Funcionalismo Público, que expulsava os judeus das funções públicas, não era apenas uma punição, mas uma forma jogar o problema de desemprego no colo das minorias. O mesmo pode ser dito em relação à violência, que era cometida pelos militantes radicais nazistas. Enquanto os membros das SA e das SS estavam nas ruas atacando a oposição, o governo apresentava os campos de concentração como a solução para tirar essas práticas do dia a dia das cidades. Ela seria setorizada e praticada em espaços reservados. Longe dos olhares da sociedade. A função dos jornais era construir uma justificativa “ética” para essas práticas. A população não seria incomodada. Os problemas não desapareceram, mas foram domados. Finalmente, os alemães poderiam dormir em paz.

Como podemos ver, todos as estratégias de manipulação, indicadas por Chomsky, estavam presentes. Tomar a representação como realidade. Estereotipar o inimigo. Adoção de slogans vazios. Seletividade das informações. Escolha minuciosa das palavras, etc. Munidos dessas armas, os nazistas construíam uma realidade na qual o genocídio fora aos poucos sendo apresentado e explicado à população como algo natural e inevitável.

Os direitos individuais eram cerceados, mas poucos se importavam, afinal criminosos precisam ser punidos de alguma forma. Depois foram os deficientes, nada mais natural, pensavam, pois eles transmitem genes defeituosos. O mesmo foi dito quando o assunto eram os comunistas, estes conspiravam e “contaminavam a atmosfera”. Quando essas práticas passaram a fazer parte do cotidiano, houve o que Hannah Arendt chamou de colapso ético. O mal se tornou banal. Gays, ciganos, judeus e várias outras categorias em breve seriam incluídas e exterminadas. Por fim, o alemão que dormia tranquilo por não ser criminoso, deficiente, judeu, comunista, gay ou cigano, acordou em meio a uma guerra mundial. A barbárie chegara na porta da sua casa.

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