Na
segunda parte de sua entrevista ao 247, o professor Luiz Moreira comenta o
depoimento de Lula e alerta: "não há mais sequer preocupação em demonstrar
que se trata de um julgamento jurídico. Curitiba está confrontada, como se
fosse sediar um evento desportivo, em que as torcidas precisam ficar
separadas." Seu depoimento:
Brasil
247 -- Considerando que o julgamento de Lula ocorre num contexto tão
deflagrado, o que pode acontecer se Moro absolver Lula?
Luiz
Moreira --Sérgio Moro fez do processo
judicial contra Lula um ato de reprovação à política que o ex Presidente
representa. Por esse roteiro, o Presidente Lula deveria chegar a Curitiba
humilhado e seu partido, liquidado. Aconteceu o contrário. Lula chega a
Curitiba muito fortalecido. Do ponto de vista jurídico, porém, o processo
contra Lula se transformou em sua pena. Não havendo provas contra Lula, mas
provas de sua inocência, resta à Lava Jato duas alternativas: fazer do processo
arma política contra Lula, estendendo-o, para que ele carregue por muito tempo
as acusações; e, após sua absolvição,
imputar-se a esse sistema jurídico complacente com a corrupção a
responsabilidade por sua inocência. Bem, ao fim desse processo, talvez seja
concedido aos membros da lava jato ano sabático nos Estados Unidos ou na
Europa.
Brasil
247: Nesse contexto, como fica o depoimento de Lula na próxima quarta, 10 de
maio?
Luiz
Moreira: A primeira questão é saber saber quais são as condições para que haja
um julgamento imparcial. Repare que não
há mais sequer preocupação em demonstrar que se trata de julgamento jurídico. A
cidade de Curitiba está confrontada, como se fosse sediar final de algum evento
desportivo, em que as torcidas precisam ficar separadas. E eis que às vésperas
do julgamento Sérgio Moro divulga vídeo em que se despe da toga, assumindo
papel de líder de uma das torcidas, dando-lhe instruções e explicações.
Brasil
247 -- Ele também acaba de proibir que a defesa grave o depoimento do Lula, o
que está previsto no Código de Processo Civil, o CPC.
Luiz
Moreira -- Essa decisão de Moro só confirma que ele já não se
pauta mais pela técnica jurídica. Os atos judiciários são regidos pelo
princípio constitucional da transparência e a própria existência da TV Justiça
confirma a legalidade do pedido da defesa. Soa ridículo que um juiz que divulga
vídeos seus pelo Facebook proíba alguém de gravar seu próprio depoimento.
Além
desse vídeo, há dezenas de outdoors pregando a condenação de Lula.
Brasil
247 -- O que está em jogo na quarta-feira?
Luiz
Moreira -- O que está em jogo em
Curitiba é a substituição das instituições republicanas pelas conveniências de
um grupo de servidores públicos, que interpreta o mundo a partir de seus
caprichos. Os acontecimentos da semana passada retratam bem como o Brasil se
encontra subordinado à Lava Jato. Repare bem, em julgamento na segunda turma do
STF, em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes argumenta que era devida a concessão
de Habeas Corpus a José Dirceu porque aquele Tribunal, e não Curitiba, é a
instância suprema do judiciário brasileiro. Ele estava dizendo que o judiciário tornou-se vítima desse populismo
judicial, o que tornou necessário
reafirmar o protagonismo do STF ante as reiteradas tentativas, por parte da
Lava Jato, de dizer como os ministros do STF devem julgar.
Brasil
247-- Como o senhor classifica as
manifestações contrárias ao habeas corpus concedido a José Dirceu?
Luiz
Moreira -- Manifestações a favor e contra uma
decisão judicial, muitas vezes de rotina, se tornaram fato corriqueiro
nos últimos anos. Já ocorriam no tempo da AP 470. O ponto significativo reside
nos ataques ao Ministro Gilmar Mendes. Do ponto de vista jurídico, a concessão
do Habeas Corpus envolvia uma questão banal. Só em ambiente de politização da
justiça ganharia tanto destaque, como se decisões judiciais dependessem de
assentimento popular. Ou seja, pode haver antecipação de cumprimento da pena?
Os juízes e os membros do ministério público podem substituir o devido processo
legal e decidir quem deve ficar preso? A concessão desse Habeas Corpus reafirma
alguns dos requisitos constitucionais para o cumprimento das penas no Brasil,
sem se importar se se trata de "A" ou de "B".
Brasil
247 -- Como interpretar os ataques a Gilmar Mendes?
Luiz
Moreira -- Ao atacar um ministro que,
sob vários pontos de vista, é o mais influente do STF, os partidários da Lava
Jato mandaram um recado claríssimo: nem Gilmar Mendes está imune à sua fúria.
Portanto, trata-se do seguinte: ou o STF se dobra à Lava Jato ou seus membros
merecerão perseguição midiática, ameaças, chantagens e intimidações. É evidente
ainda que os caprichos da Lava Jato mostraram também que esse populismo
judicial detém hoje capacidade de persuasão popular, movendo estruturas para
coibir, inclusive com violência, os que lhes contrariarem.
Brasil
247 -- O senhor compara essa mobilização de
apoio incondicional à Lava Jato a algum movimento do passado?
Luiz
Moreira -- A Lava Jato criou um padrão
próprio de conduta, com linguagem e com vestimentas próprias, relacionando-se
diretamente com seus seguidores. Em tudo faz lembrar a Ação Integralista
Brasileira, do Plínio Salgado, sobretudo seu ideal de subordinar a sociedade e
as instituições ao estado corporativo, cuja expressão atual é o populismo
judicial. Assim, o relacionamento com a mídia, a padronização de suas condutas,
as entrevistas coletivas e a menção à operação mãos limpas faz parte de uma
estética que pretendem impor no Brasil.
Ou
seja, a Lava Jato não se destina apenas a subordinar a cúpula judicial aos
caprichos da primeira instância. Pretende se substituir à política, não se
dirigindo apenas ao PT, ao PSDB ou ao PMDB. Trata-se de projeto de poder sem
voto, que pretende substituir a democracia pelas corporações.
Brasil
247: Neste cenário, o que Lula deve fazer?
Luiz
Moreira -- Na prática, o cenário político atual demonstra o fracasso dessa
pretensão urdida na Lava Jato. Em vez de
ser o primeiro a ser retirado de cena, é o franco favorito para as eleições
presidenciais de 2018, assim como o PT continua na posição de partido que reúne
mais simpatizantes no Brasil, tendo realizado inclusive congressos municipais e
estaduais nas últimas semanas.
Brasil
247 -- Como Lula deveria se comportar no
depoimento de quarta-feira?
Luiz
Moreira -- Em seu depoimento, o Presidente
Lula deve fazer o que faz melhor, que é comunicar-se com os cidadãos,
demonstrando que não só é inocente, mas que apresentou provas dessa inocência.
Deve aceitar o convite e transformar seu depoimento em debate sobre o futuro do
Brasil.
Brasil
247 -- O senhor enxerga alguma saída para a crise política atual? Uma
perspectiva?
Luiz
Moreira -- Uma das perspectivas é o
estabelecimento de um consenso capaz de gerar novo pacto político no Brasil.
Não me refiro a uma constituinte, pois isso exigiria um consenso mais profundo,
o que o atual esgarçamento das relações entre a sociedade e a instituições não
permite vislumbrar. Refiro-me a pacto político que permita o funcionamento das
instituições e que deve ser expresso nas eleições de 2018. O problema é que esse
esgarçamento implodiu a confiança nas pessoas que poderiam pavimentar esse
pacto. Assim, sob as atuais circunstâncias, esse consenso deveria transformar
as eleições de 2018 num marco para a retomada de projeto institucional
brasileiro, em que freios e contrapesos sejam a marca dessa democracia
constitucional.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/294391/Luiz-Moreira-%E2%80%9CMoro-se-despiu-da-toga%E2%80%9D.htm
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