A
médica Virgínia Helena Soares de Souza foi presa com estardalhaço em fevereiro
de 2013, acusada de provocar o óbito de sete pacientes internados na UTI do
Hospital Evangélico de Curitiba. A "Doutora Morte" volta ao
noticiário, com menos destaque, é verdade, por ter sido inocentada: em alguns
casos, absolvição sumária, em outros o juiz não encontrou indícios suficientes
para submetê-la a júri popular.
Há
danos irreparáveis. A reputação destruída, a carreira terminada, o confisco do
tempo (dentro e fora da prisão), a angústia familiar, o estigma, o escândalo:
"Vive quem eu quero, quem eu não quero eu deixo morrer", era o que
dela se dizia com estrépito ou à boca pequena.
Poucos
meses depois de sua prisão, a revista "Piauí" publicaria reportagem
de Daniela Pinheiro oferecendo um contraponto sóbrio e atento dos personagens e
do processo. Virgínia foi defendida, desconstruiu "provas", recuperou
a inocência
Outro
médico, Joaquim Ribeiro Filho, em mais um caso rumoroso, preso pela Polícia
Federal em 2008, no Rio de Janeiro, acusado de fraudulentamente furar a fila
única do transplante de fígado, também foi absolvido. Nove anos depois.
Dirão
que afinal a Justiça se fez, que os erros judiciários não se consumaram, apesar
da demora, e que os dois episódios mostram traços de eficiência do sistema
judicial. Não é bem assim.
A
maioria dos réus não tem meios de reagir ao rolo compressor da acusação
criminal. A ausência de defesa e a invisibilidade geram material orgânico
propício à proliferação de condenações erradas.
Além
de identificar casos concretos, o desafio da versão brasileira do
"Innocence Project" (organização fundada nos EUA há 25 anos e com
entidades afiliadas se espalhando por diversos países), presidida pela advogada
Dora Cavalcanti, é procurar estratégias de prevenção.
Pesquisas
e estudos são essenciais para a compreensão da Justiça Criminal e para
formulação de propostas de reforma.
A
polícia é despreparada. Despreza evidências e não preserva cena de crime. Só
excepcionalmente o conhecimento científico está disponível para investigadores
e investigados. Falta investimento. Corrupção de princípios, autoritarismo,
preconceito. As defesas são formais, ineficazes. A lei está defasada.
Formalidades cautelares foram sendo flexibilizadas e o reconhecimento de
suspeitos, por exemplo, é invariavelmente frágil, inseguro.
Em
uma era marcada pela sofisticação tecnológica, juízes ainda se fiam na palavra
isolada de policiais. A verdade da testemunha, ocular ou circunstancial, ainda
é ponto determinante das decisões, ainda que a testemunha possa mentir ou se
enganar, ver o que não viu ou acreditar que viu aquilo que gostaria de ter
visto.
O
erro judiciário faz parte das regras do jogo processual. Parece inexorável.
Aqui e no mundo inteiro: excessos, ineficiência, clamor, ódio político ou de
classe, racismo. Por isso, a obrigação de indenizá-lo está presente nas
declarações de direitos humanos, em tratados internacionais e nas constituições
dos países.
Ainda
se vê a notícia da inocência de alguém condenado como um fait-divers, como algo
extraordinário ou pitoresco. Mas é um sintoma grave e perturbador de fraqueza
institucional.
*Texto originalmente
publicado na edição de 6/5 do jornal Folha de S.Paulo
http://www.conjur.com.br/2017-mai-06/luis-francisco-juizes-ainda-fiam-policiais-testemunhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário