Toda
a força de um juiz e igualmente de um membro do Ministério Público, da polícia,
de outros servidores públicos, decorrem do poder do Estado e no caso do Brasil,
das normas do Estado Democrático de Direito, que foram sendo construídas com
muita luta de todos na sociedade, em especial os de baixo, os que mais precisam
de proteção. Sem esse respaldo não poderiam exigir obediência de ninguém.
Tendo
autoridade, poder, deferido pela sociedade, ou seja, por todos do povo e não
por uma pessoa, classe social ou por partido político, evidente o servidor tem
que seguir determinadas normas de conduta. Ao juiz cabe julgar de forma independente, focar o caso
concreto, submisso à lei, interpretar da forma mais neutra possível. Ressalte-se que juiz deve ficar
equidistante do réu e do promotor, este com a missão de acusar, o juiz de
julgar, nunca de ser parte, agir, prender para obter confissões, interrogar
como se fosse delegado de polícia. Ninguém deveria ficar satisfeito com um
Judiciário assim, ainda que as vítimas sejam seus inimigos, pois deve notar que
está se destruindo garantias que podem impedir contrariedades no futuro, se os
ventos mudarem.
Não
se espere julgamento totalmente isento, pois todo cidadão, o magistrado
inclusive, tem sua formação ideológica, tendências, avaliações, submete-se de
forma diferente a pressões sociais, da mídia toda poderosa, psicológicas,
atende em maior ou menor grau a sensibilidade, emoções, instintos, interesses,
é conduzido por valores que lhe foram sendo inculcados no ambiente onde nasceu
e viveu, normas de conduta que aprendeu a observar desde que veio ao mundo,
passando por pais, escolas, igreja, meios de comunicação, classe social a que
pertence ou quer pertencer, comunidades.. Mas no mínimo exige-se um esforço pela neutralidade, isso deve ficar
claro, transparente, insofismável, para que sua decisão seja legitima, jamais
pode se conduzir por convicções íntimas, quebra de paradigmas com determinado
réu, tratamento especial a determinado caso,condenar por antecipação ou por
suspeitas. Em especial na área penal, onde está em jogo a honra e a liberdade
do cidadão, costuma-se dizer que tem que haver um conjunto probatório que
demonstre inequivocamente a culpa ou dolo para a condenação, que é preferível
ter um infrator livre do que um inocente punido, que in dúbio pro réu.
O legal e o
legítimo
O
jurisdicionado, o cidadão, não é obrigado a obedecer decisão que não seja
legítima. Goffredo da Silva Telles, na Carta aos Brasileiros, divulgada nos
estertores da ditadura militar, deixou claro a diferença entre legal e
legítimo: a norma produzida por um regime de força pode ser considerada legal,
os atos institucionais da ditadura por exemplo, porém só é legítima a que
decorre do poder que vem do povo, que tem origem no povo, no poder originário e
constituinte. Portanto, as normas e decretos da ditadura eram legais, jamais
legítimas. Eram obedecidas devido ao sistema da força policial-militar que era
imposta à sociedade, ao próprio ordenamento jurídico, tanto nos decretos como
no poder dos tribunais militares. Da mesma forma, para ser obedecida
voluntariamente a decisão judicial tem que ser legítima.
Juiz, processo
e conduta
No
âmbito do processo, o juiz tem direito a decidir conforme seu livre
convencimento motivado, também denominado de persuasão racional. Evidente que
tem que haver o fato e a prova e coerência entre elas e com a decisão; por isso se diz decisão motivada,
ou seja, não aleatória, não por preferências políticas, não por convicções
íntimas. Um princípio de direito
ensina: “o que não está nos autos, não
está no mundo”(quod non est in actis, non est in mundo). Não se pode condenar alguém por preferência
política e nem mesmo por suspeita ou cometimento de delito em outra ocasião,
algo que não na que está sob julgamento. Há se ter provas e sólidas no caso
concreto.
Conforme
a conduta do juiz, a parte pode pedir seu impedimento ou suspeição. É caso, por
exemplo, de ser amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes ou tiver
aconselhado qualquer das partes, portanto, tiver interesse em livrar ou punir o
réu, como consta do Código de Processo Penal. Em texto melhor elaborado, juiz é
suspeito quando for “interessado no julgamento do processo em favor de qualquer
das partes” como consta do Código de
Processo Civil. O impedimento se dá por motivo mais forte ainda, quando o juiz
é parente da parte ou de seu advogado (esposa, irmão) e em situações
semelhantes. O que se espera nesses casos é que o próprio juiz se declare
impedido ou suspeito. Se não o fizer a
parte pode pedir seu afastamento, o que dificilmente tem sido aceito nas
instâncias superiores, especialmente quando composta de magistrados com as
mesmas preferências do juiz de instância inferior ou o apontado fizer parte do
tribunal.
Discreto, recatado
e do fórum
Por
fim, o que se espera de um juiz é que seja também discreto, recatado, mantenha
distância de atividades estranhas ao judiciário, especialmente políticas e de
políticos, não manifeste suas preferências ideológicas ou casos concretos submetidos
ao Judiciário, a seus colegas, não banque o parlamentar ou político. O
magistrado deve evitar atividades que, apesar de disfarçadas com outro nome,
tenha inegável caráter político, às vezes pela pessoa premiada ou por quem dá o
prêmio ou faz ou recebe a homenagem. Não deve ficar se manifestando sobre o
processo em outras atividades, especialmente pela mídia; está cometendo
infração e deixando claro sua suspeição, se explícita ou implícita sua opinião,
preferência, pré julgamento. “Juiz só
fala nos autos”, diz outra lição jurídica pacífica até anos atrás.
Enfim,
o Estado Democrático de Direito deu ao juiz diversas prerrogativas. Consta,
entre outras, na Constituição, inamovibilidade, vitaliciedade
Percival Maricato,
advogado
http://jornalggn.com.br/noticia/discreto-recatado-e-do-forum-por-percival-maricato
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