A
delação premiada dos donos do Grupo J&F chamou atenção de advogados pela
eficiência. Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da empresa, confessaram à
Procuradoria-Geral da República terem pagado cerca de R$ 600 milhões como
suborno a mais de 1,8 mil pessoas para facilitar os negócios de suas empresas.
Mas, como resolveram delatar outros envolvidos e pagar multa de R$ 110 milhões
cada um, receberam da PGR a garantia de que não serão mais denunciados, seus
processos serão perdoados e ainda garantiram a permissão de morar fora do
Brasil.
Fachin
não viu ilegalidades e nem inconstitucionalidades nos termos da delação da JBS.
O
acordo foi homologado pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator dos processos no
Supremo Tribunal Federal, e não há muitas saídas jurídicas para questionar seus
termos – a jurisprudência do STF define que terceiros, ainda que acusados por
delatores, não têm interesse processual para questionar cláusulas de acordos de
delação. Mas criminalistas ouvidos pela ConJur acreditam que os envolvidos se
aproveitaram da falta de previsões legais concretas para assinar uma delação
desproporcional.
De
acordo com a cláusula 4ª do acordo, com a entrega de informações pelos irmãos,
a PGR oferece a eles “o benefício legal do não oferecimento de denúncia”. O
parágrafo único dessa cláusula diz que, “no caso de existirem investigação
criminal e/ou denúncias já oferecidas” em outras instâncias, o benefício dado
aos delatores será, “no caso das investigações, a imunidade”, e, no caso de
denúncias já oferecidas, “o perdão judicial”.
A
cláusula 10 é que permite que eles morem fora do Brasil. A proposta original da
dupla era que o acordo dissesse expressamente que a PGR não se oporia a que os
delatores fixassem residência em outro país. A PGR sugeriu mudar a redação
desse trecho para dizer que o Ministério Público Federal providenciará
quaisquer medidas de segurança exigidas pelos delatores, suas famílias e seus defensores.
E já foi divulgado para a TV Globo que os irmãos vêm sofrendo ameaças por causa
do que contaram à Justiça.
O
problema está na adequação da realidade à norma. A Lei das Organizações
Criminosas, que sistematizou a delação premiada no Brasil, só prevê o não
oferecimento de denúncia em dois casos: se o delator em questão for o primeiro
a fazer o acordo e se ele não for o líder da organização criminosa, conforme
dizem os dois incisos do parágrafo 4º do artigo 4º da lei.
Ineditismo
dos fatos levados por delatores à PGR justifica perdão judicial, afirma Janot.
No
pedido de homologação do acordo enviado a Fachin, o procurador-geral, Rodrigo
Janot, afirma que, “em razão do ineditismo” dos fatos descritos pelos
delatores, “a premiação pactuada entre as partes signatárias dos acordos foi o
não oferecimento de denúncia em face dos colaboradores”.
Fachin
não entrou em grandes discussões jurídicas na análise do pedido de homologação.
Apenas disse que a jurisprudência do Supremo é a de que, nessa fase, o
Judiciário não faz qualquer juízo sobre o conteúdo dos depoimentos, apenas
analisa a legalidade e a voluntariedade do acordo. “Não depreendo contrariedade
com o Texto Constitucional e com as leis processuais penais”, escreveu o ministro.
Mesa de
negociação
Para
o advogado Luís Henrique Machado, doutorando em Direito Penal na Universidade
Humboldt de Berlim, o problema do acordo está na negociação. “Além de ilegal, o
acordo é inconstitucional.”
No
pedido de homologação, Janot afirma que a delação dos irmãos batista é inédita
porque trouxe elementos de crimes que ainda estavam para ser cometidos e
revelou fatos ainda desconhecidos pelos investigadores. O grande trunfo do
pedido é o fato de Joesley já ter aparecido para negociar com diversas provas
em mãos, envolvendo inclusive o presidente Michel Temer.
“A
negociação de um acordo de delação não envolve apenas o tamanho dos crimes
relevados e nem o tanto que colaboraram. Uma parte muito importante da análise
é o envolvimento dos delatores na empreitada criminosa. E no caso da JBS, sem a
participação dos irmãos Batista, o crime não teria acontecido”, diz o advogado.
Machado
explica que a lei prevê o perdão judicial a quem não for o chefe da organização
justamente para que o delator possa entregar o “tubarão”. No caso da JBS, os
tubarões nadaram livres e os peixes pequenos ficaram na rede: enquanto os donos
da empresa receberam a garantia do não oferecimento de denúncia, os executivos
que participaram do acordo tiveram de se satisfazer com a garantia de que só
ficarão presos por no máximo quatro anos.
Segundo
Machado, o MPF levou em consideração apenas o nível da colaboração. “É uma
visão equivocada. Se o envolvimento do delator é decisivo para o sucesso da
atividade delituosa, ele não deve ter o benefício do perdão judicial, sob pena
de gerar impunidade e infringir o princípio da isonomia”, diz Machado.
A
falta de isonomia, diz ele, está no fato de diversas outras pessoas serem
implicadas pelos mesmos fatos que os delatores. Mas somente os acusados serem
punidos. O acusador, réu confesso, não. “O lógico é que o chefe da organização
tenha uma pena mais alta do quem está lá embaixo na organização.”
Chefes e
colaboradores
É
difícil avaliar a posição de Joesley e Wesley dentro da organização criminosa
descrita pelo Ministério Público Federal, avalia o criminalista Daniel Bialski.
Desde as primeiras apurações da “lava jato”, em Curitiba, a tese era de que o
esquema não tinha organização vertical, mas eram núcleos organizados de maneira
horizontal sem hierarquia entre si.
No
caso da JBS, Joesley se diz vítima de extorsão por parte de políticos, partidos
e funcionários do Poder Executivo. A PGR usa a mesma argumentação para pedir a
abertura de inquéritos: organizações criminosas foram montadas por políticos e
dirigentes partidários para extorquir empresários e manter um esquema de
propina e caixa dois que alimenta suas campanhas em funcionamento.
Machado
acredita que isso só reforça o argumento contrário ao perdão judicial. Se as
organizações são horizontais e não havia hierarquia entre elas, analisa o
advogado, “por que o núcleo empresarial terá perdão e o núcleo político, por
exemplo, não?”
Essas
incongruências violam os princípios da isonomia e da proporcionalidade,
acredita Luís Henrique Machado.
“Mas
Joesley não é o senhor da verdade”, diz Bialski. “Ele é um oportunista que se
aproveitou dessa argumentação para implicar o presidente da República e outros
políticos influentes.”
O
criminalista aponta alguns indícios de que os empresários tinham interesses nas
delações. O primeiro deles, diz, é a grande compra de dólares feita pelo Grupo
J&F horas antes de trechos da delação ser divulgado pelo jornal O Globo.
Outro, o fato de um dos procuradores da República que trabalhava em inquérito
instaurado contra a JBS ter se demitido do MPF para integrar o escritório que negociou
a delação. A gravação da conversa de Temer com Joesley aconteceu um dia depois
da demissão do procurador.
Para
Bialski, o MP “ficou deslumbrado” com os fatos narrados por Joesley envolvendo
um candidato a presidente o próprio presidente da República. “Talvez por isso
não tenha feito uma análise mais minuciosa sobre os elementos levados pelos
delatores.”
Únicos
perdoados
Embora
o perdão judicial tenha sido homologado pelo ministro Fachin, não é medida
popular na operação “lava jato”. Os delatores cujos processos correm em
primeira instância tentaram ser perdoados em troca das informações que
revelaram, mas nenhum deles conseguiu.
Todos
tiveram o pedido negado pelo juiz Sergio Fernando Moro porque “não cometeram
atos no céu”. Para o magistrado, o que deve contar na análise da concessão do
perdão é a “gravidade em concreto dos crimes” e “a elevada reprovabilidade das
condutas”.
http://www.conjur.com.br/2017-mai-22/delacao-jbs-ilegal-blindada-dizem-advogados
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