Poderia
ter dado outro título a este artigo, algo como “gravou o presidente, comprou
dólares e foi passear na Disneylândia”, imitando o filme Matou a Família e Foi
ao Cinema.
O
Brasil é, de fato, uma jabuticaba. Estamos no meio da maior crise política
desde o suicídio de Vargas, e o que vemos? Como chegamos a esse estado de
coisas? Bom, não dá para fazer uma reconstrução de tudo neste parco espaço. Na
verdade, sobram perplexidades. Sempre fui crítico das delações, justamente
porque eram “premiadas” e porque, acerca dessa premiação, não havia fiscalização.
Sim, há homologação. Mas qual das homologações já alterou alguma proposta do
MPF em algum item relevante?
O
auge das premiações chegou com os irmãos Reco Reco e Bolão (ou Ueslei e Jueslei
– grande dupla) que resolveram dar um segundo golpe (agora no governo Temer),
já que o golpe deles já iniciara no governo Lula. Enricaram tanto que acabaram
se atrapalhando com tanto dinheiro (um dos dois chegou a comprar um vestido de
noiva de 180 mil dólares, além da noiva ter ido de jatinho para Paris para as
provas). Investigados e diante da possibilidade de serem presos (isso não está
claro), resolveram dar o golpe nas instituições. Resolveram estroinar com o
país. Zonar com a malta.
Um
dos irmãos arma uma arapuca para o presidente da República. Grava a conversa. Os
dois irmãos levam a gravação ao MPF. Fazem um acordo – pelo qual seus crimes
(inúmeros) foram “anistiados” e obtiveram permissão para morar na Disneylândia
– e tudo isso é levado ao STF, onde obtiveram a homologação. Segundo a Folha de
S.Paulo, a tal fita da gravação da conversa com Temer foi entregue
com mais de 50 cortes e/ou edições. Isso ainda vai dar muito pano.
Resultado:
alguém vazou partes das fitas e o país quebrou. A Bolsa de São Paulo perdeu R$
219 bilhões. O dólar explodiu. Detalhe: Reco Reco e Bolão (ou Ueslei e
Jueslei), espertamente, compraram US$ 1 bilhão na baixa e, diante da hecatombe
que eles mesmos provocaram, venderam na alta. Bingo. Com isso, pagaram a multa
que lhes foi imposta no acordo de delação premiadíssima. Barão de Münschausen:
afundando no pântano com seu cavalo, salvou-se puxando a si mesmo pelos
cabelos. Pindorama é assim: perseguimos o maconheiro infrator e anistiamos os
sonegadores e corruptores confessos. Jogamos os maconheiros infratores nas
masmorras e permitimos que os sonegadores-corruptores confessos morem livres,
leves e ricos em Nova Iorque.
Vendo
tudo isso, lembro do famoso caso Riggs v. Palmer, de 1895, julgado
coincidentemente em Nova Iorque, nova terra dos irmãos Uesleis. Elmer, o neto,
mata o avô para receber mais cedo a sua herança que lhe fora testada. E entrou
em juízo para receber a herança, alegando que não havia nenhuma lei que previa
seu ato. A lei punia o assassinato, mas não proibia que ele fosse um assassino
rico. O Tribunal ferrou Elmer, dizendo: ninguém pode se beneficiar de sua
própria torpeza.
Pois
os Irmãos Ueslei mataram o avô brasileiro e, ao contrário do que ocorreu nos
EUA, aqui foram absolvidos. E ficaram com a herança. Bingo. O Brasil dando
lições de direito para o mundo.
O
chocante é que os irmãos Uesleis Safadões abriram o bocão atirando para tudo o
que é lado, com pérolas como “comprei três deputados pagando cinco milhões para
cada um, mas não lembro o nome deles”. Uau. E ninguém perguntou ao
delator-premiadíssimo como foi feito esse pagamento, se foi em cash, mandaram
por motoboy ou retiraram do caixa eletrônico. Adorei também a bazófia sobre
financiamento de campanhas: foram 1.728 candidatos. Só na última eleição. Algo
em torno de R$ 600 milhões. E não lhes foi perguntado o modus operandi. Tinha
tabela? Como era feito isso? Contas no exterior: falaram muito nisso também. E
ninguém lhes perguntou: qual é o número e o pais? Onde estão os recibos? Ou
isso existe? Mas, se existe, como a investigação não descobriu? E se tivesse já
descoberto, por que necessitaria de delação? Outro detalhe: para os setores da
esquerda que vibraram com o feito da dupla Ueslei, acho bom não se empolgarem.
Reco Reco e Bolão colocaram pinche e penas no ventilador... A questão que vale
para os dois principais delatados (governos anteriores e atual: a conversa dos
Ueslei necessita de provas; vou repetir: delação premiada não é uma coisa
autopoiética; mas não é, mesmo).
Não
vou falar sobre a (i) licitude da gravação feita na conversa com Temer. Pareceu
muito mais flagrante preparado do que a tal ação controlada. Aliás, ação
controlada não pode ter sido, pois, ao que consta, o “Ueslei Juruna” fê-lo por
sua conta e risco (veja-se: é controverso dizer que se aplica ao caso a Súmula
do STF que legitima gravação ambiental; no caso, o Ueslei não estava buscando
prova para se salvar ou se inocentar; buscava, sim, prova para usar contra quem
foi gravado; neste caso, a privacidade do PR não valeria mais do o direito do
Ueslei de construir a prova que viesse a viabilizar a materialidade do crime,
tanto é que, na sequência, a fita é usada pelo PGR para investigar o PR?). Ou
seja, Ueslei foi buscar provas e, para isso, armou para o Presidente. Obs: cá
para nós, que assessoria tem o Temer, hein? Que segurança... Se Reco Reco
gravou o PR, Arrelia, Pimpão e seus amigos ficaram se divertindo em vez de
cuidarem da segurança de Sua Excelência.
Outra
perplexidade: por qual razão o PGR não mandou periciar a fita? E por qual razão
o Ministro do STF não exigiu essa perícia? E quem vazou o áudio para o
jornalista da Globo? E se a prova for ou fosse ilícita? Não é crime divulgar ou
vazar diálogos resultantes de gravação clandestina (supondo que seja, de fato,
ilícita)?
Outra
coisa: como é possível que a Globo ponha no ar um diálogo interceptado de um
ministro do STF? O ministro Gilmar estava sendo investigado? Então estamos em
um ponto tal que um ministro da Suprema Corte é arapongado?
E
por qual razão a população tem de pagar o preço desse tipo de espetacularização
das investigações? E por que sempre os juristas Merval e Camarote estão
capitaneando as opiniões jurídicas? O que está por trás do editorial de O
Globo?
Resta-nos
fazer um réquiem para o Estado de Direito. Insisto: nada pode ser feito fora da
Constituição. No impeachment de Dilma, todo tempo exigi provas. Bradei para que
apresentassem o jurídico da questão. E fui o primeiro a denunciar (à BBC de
Londres, ao El Pais, ao Jornal O Público de Portugal etc) a ilegalidade da
divulgação das interceptações ilícitas da conversa entre Lula e Dilma. E a
presidente foi derrubada. Dizia e repito
aqui: os fins não justificam os meios. Aliás, em ambos os casos, quais eram ou
são mesmo os fins a serem buscados?
A
propósito: quem é o Gregório desta(s) história(s)? Quem praticou o atentado de
Toneleros de 2017? Mistérios.
Só
o que ficou claro mesmo é a vitória dos irmãos Ueslei. Quebraram o Brasil e
foram ao cinema. E os trouxas ficaram por aqui.
Lenio Luiz Streck é
jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do
escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.
Revista Consultor
Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-mai-20/lenio-streck-corromperam-pais-anistiados-foram-morar-ny
Nenhum comentário:
Postar um comentário