No
Brasil, é xadrez para os pobres e xeque-mate para os ricos.
Há
exatamente um mês, antes da exposição midiática da Operação Carne Fraca, o
atual ministro da Fazenda e nome favorito do mercado para ocupar a Presidência,
Henrique Meirelles, enfatizou em entrevista para a Globonews a urgência da
aprovação da venda de terras rurais para estrangeiros. A fala do ministro foi
clara: “Vamos liberar nos próximos 30 dias”.
Diversos
ativistas se opuseram fortemente à medida, por uma questão de soberania
nacional e alimentar, e pelo mínimo direito à autodeterminação. Afinal, se a
vegetação nativa e o ambiente natural já são cotidianamente extorquidos pelos
ruralistas nacionais, visando a exportação de soja e gado, o que seria então
com a entrada de estrangeiros, somada à diminuição dos parques nacionais, à
precarização do licenciamento ambiental, à MP da regularização fundiária e ao
retrocesso nas demarcações de terras indígenas?
Nós,
ativistas e público em geral, ainda não tínhamos, no entanto, todas as
informações sobre as peças em jogo, de modo que as motivações desse projeto não
eram totalmente claras.
Parecia
contraditório que a liberação de terras rurais para empresas estrangeiras
estivesse sendo feita a toque de caixa, a despeito da maior competição que
traria para os ruralistas nacionais. Foi, por exemplo, o que declarou Blairo
Maggi, o rei da soja, que solicitou restrições para a plantação de soja e
milho.
O
projeto em questão, PL 2289, é de 2007, mas está travado na Câmara desde então,
sendo alvo de sucessivos arquivamentos e desarquivamentos, e tendo outros
projetos anexados, o que denota os interesses poderosos e contraditórios que
esse tema suscita.
Em
outubro do ano passado, com Temer já presidente e Meirelles ministro, o projeto
retornou, no entanto, com força aos noticiários, com texto preparado pela Casa
Civil, e relatoria do deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB/MG). Apesar do
repentino ressurgimento da proposta, parece que as divergências colocadas pelos
ruralistas nacionais, mesmo sem conseguir impor restrições ao projeto,
conseguiu atrasar sua aprovação até o presente momento.
Após
a Operação Carne Fraca e as delações da JBS, novas informações valiosas se
somam ao contexto anterior. Como já é de conhecimento público agora, os irmãos
Batista não apenas ganharam bilhões de dólares com a informação privilegiada do
escândalo que eles mesmos criaram, como fizeram de antemão um acordo no
assombroso mercado das delações premiadas, no qual em vez de serem presos, eles
somente pagariam uma multa, que é quase um presente, 250 milhões de reais.
É
claro que os irmãos sabiam que para obter tamanho benefício, eles precisariam
implicar alguém de peso nas suas delações, de forma que arquitetaram junto à
PGR as provas que seriam produzidas: gravações, malas com chip e dinheiro
rastreado. Acontece que não apenas os Batista se acertaram previamente com a
justiça daqui, como também com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e,
em dezembro do ano passado, já haviam aprovado a realização de oferta pública
da empresa na Bolsa de Nova York, o que faz parte do plano de migração do grupo
para fora do Brasil.
Esse
processo de reorganização da empresa levará o grupo a deixar de ser brasileiro,
com capital majoritariamente estrangeiro, se enquadrando justamente no caso das
empresas impedidas de comprarem terras rurais no País, de acordo com parecer da
Advocacia Geral da União, de 2010. Ou seja, o gran finale dos irmãos Batista
não será possível sem a aprovação do projeto de venda de terras para empresas
estrangeiras.
Tendo
em vista as quantias notáveis que a JBS investe em doações de campanha para
praticamente todos os parlamentares, tudo leva a crer que esse é o grande
interesse por trás desse projeto dúbio, e não apenas mais uma medida liberal de
abertura do país ao capital estrangeiro.
Se
já causava estranheza o fato de Eliseu Padilha, na Casa Civil, e Meirelles, na
Fazenda, estarem advogando tão ativamente em prol desse projeto, soma-se a essa
estranheza o fato de que Meirelles era o presidente da holding J&F até
2016, cargo no qual ganhava 3 milhões de reais por mês, e que abdicou para
ganhar 30 mil reais como ministro.
Ele
não sabia de nada durante o seu período como presidente do conglomerado? Nada
está sendo investigado a esse respeito? O fato de Temer estar sendo abandonado
pelos seus apoiadores na mídia diz tão somente que existe alguém muito mais
preparado para aprovar os interesses do mercado do que ele.
Enquanto
Temer parece já ser carta fora do baralho, uma eleição indireta de Meirelles é
o cenário que vem se concretizando, o que representaria a instauração do
capital, sem intermediários políticos, e a continuidade das reformas.
O
ministro seria a opção perfeita para os interesses escusos, e ainda se
enquadraria na categoria em ascensão no capitalismo tardio, a de "não
político". Em menos de uma semana a mídia venderia facilmente à população
a imagem que ele possui entre os comentaristas econômicos ortodoxos, de gestor,
homem forte do mercado, responsável, experiente, dentre tantos outros adjetivos
desonestos. Estejamos atentos e em luta contra as reformas e pelas eleições
diretas.
*Mestranda em Economia
pela Unicamp
https://www.cartacapital.com.br/politica/a-jbs-e-a-venda-de-terras-a-estrangeiros
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