É
curioso como em direito de família atualmente vive um jogo de palavras em que
se pretende mudar a natureza das coisas por meio de eufemismos. É verdade que
no mundo politicamente correto as palavras têm mais importância que as ações.
Nunca valeu tanto o dito popular “faça o que eu falo, mas não faça o que eu
faço”.
Causa
espanto, por exemplo, a tentativa de substituição do termo concubinato por
famílias simultâneas ou paralelas, como se o primeiro fosse necessariamente um
xingamento. E mais, levando a crer que estes novos conceitos colocariam em
xeque a monogamia – uma temerária confusão.
Como
o Direito é o território da pluralidade de pensamentos, resolvi compartilhar
minhas divergências. Há muito já escrevi, com base nas ricas lições de meu
mestre Álvaro Villaça Azevedo, que concubinato tem por significado, a partir do
grego assimilado pelo latim, copular, manter relação sexual, deitar-se com.
Assim,
efetivamente a concubina é, tradicionalmente, a amante do homem casado e o
concubino o amante da mulher casada. Note-se que se o casamento acabou de fato
(por meio da separação de fato) ou houve separação judicial (que pôs fim à
sociedade conjugal, mas não ao vínculo) não se fala em concubinato, mas sim em
união estável (art. 1723, parágrafo primeiro).
Então
vem uma pergunta: concubinato é sinônimo de “famílias paralelas ou simultâneas”
como entende nosso amigo e Presidente do IBDFAM Rodrigo da Cunha Pereira? [1]
A
resposta é negativa e várias são as razões. Darei número a cada uma delas.
1 – Concubinato não se
refere apenas às pessoas casadas que tenham um amante.
Concubinato,
definido pelo art. 1727, e a relação não eventual de pessoas impedidas de se
casar.
Dois
irmãos que vivam como se casados fossem são concubinos. O pai e a filha que
vivem como se casados fossem são concubinos. Note-se que não são “famílias
paralelas”. O impedimento do incesto gera concubinato e apenas isso. Qual termo
utilizaria a lei para a união de irmãos ou pais e filhos que se comportam como
se casados fossem? O “politicamente incorreto”, mas tecnicamente perfeito termo
concubinato.
2 – Concubinato não
significa existência de famílias paralelas.
Existem
pessoas que são casadas e têm um amante ou uma amante. Não há famílias
paralelas, mas apenas sexo. Dou um exemplo. Um homem casado e uma mulher casada
(o mesmo vale para dois homens e duas mulheres), todas as quartas-feiras vão
juntos a um motel para sexo apenas. É uma relação não eventual que não gera
famílias paralelas.
3 – Concubinato não
significa existência de famílias paralelas – parte 2.
Existem
pessoas casadas que tem amantes. E isso não configura família paralela. Ela é
executiva de renome e contrata como assessor um rapaz. Ela é casada e ele
solteiro (o mesmo vale para dois homens ou duas mulheres). Durante as viagens
de trabalho e no expediente, o casal se ama com paixão e furor. Após as horas
de sexo ele encontra sua namorada e ela regressa ao marido. É uma relação de
concubinato em que não há família paralela.
4 – Nem toda “família paralela” gera
concubinato.
Existem
homens casados que tem duas famílias. Muitas vezes, em razão de profissão, o
homem viaja e passa períodos fora de casa. Se ele constituir uma relação não
eventual com outra mulher ou homem, que ignora a existência do casamento, temos
a chamada união estável putativa e o companheiro enganado terá todos os efeitos
da união estável. Na realidade, sequer há uma família paralela: há duas
famílias igualmente protegidas.
5 – Existem famílias
paralelas ou simultâneas?
Na
realidade ambos os termos são infelizes e discriminatórios. Explico. Se um
homem tiver filhos com duas mulheres, ou uma mulher com dois homens, haverá
duas famílias e nenhum adjetivo pode ser utilizado. Não há hierarquia entre
essas famílias e todos os filhos, como filhos que o são, recebem a mesma
proteção.
O
que existe, na realidade, é relações entre pessoas (de mesmo ou diferente sexo)
simultâneas ou paralelas. Não família. O homem casado que tem uma amante tem
uma relação paralela, mas não família. Ela é concubina. Assim como a mulher
casada que tem um amante tem uma relação paralela e não família.
Daí
porque dizer que o concubinato é palavra mais que adequada para definir as
pessoas casadas com seus amantes por dois motivos: os filhos não merecem a
pecha de serem família paralela, pois são filhos e o amante não é companheiro,
pois conhece o impedimento matrimonial e dele sabe não advir vantagens.
Uma reflexão provocativa
vem à tona: a concubina ou concubino (amante da pessoa casada), com ou sem
filhos havidos com o amante, faria jus à pensão alimentícia?
Pelo
texto expresso do Código Civil a resposta é negativa. Pela leitura que o STF
fez do Código Civil a resposta também é negativa.[2] Para alguns, que ouso
dizer não refletem a totalidade ou quiçá a maioria dos membros do IBDFAM a
resposta também é negativa (Viva a pluralidade de pensamentos!).
Para
outros a resposta é afirmativa com base no princípio constitucional da
solidariedade. Se o homem e a mulher tiveram uma relação estável, mesmo na
qualidade de amantes, ele não poderia se “locupletar”, tendo apenas vantagens
dessa relação. O raciocínio padece de falhas diversas.
A
primeira é que ninguém se locupletou de ninguém. Não se pode invocar o
princípio do “coitadismo”. Os dois mantiveram uma relação que lhes foi
conveniente, logo não há qualquer razão para dessa relação nascerem efeitos na
seara familiar. Não há vítima nem vilão. Há duas pessoas que dividiram emoções
e momentos, sabendo que aquela relação era estranha à família.
A
segunda e mais séria: se se fixar alimentos em favor dos amantes, esquece-se
que o grande prejudicado será o cônjuge enganado. Explico. Se o juiz condena o
homem casado a pagar alimentos à sua amante, apesar de ambos terem praticado o
ilícito conjuntamente, é a esposa deste que acaba pagando a conta.
A
esposa ou marido, que sequer sabia que seu marido ou esposa tinha uma amante ou
um amante, que manteve o dever de fidelidade, verá parte das economias
familiares (de seu dinheiro, indiretamente) ser destinado ao amante ou à
amante. O prejuízo direto pode ser do cônjuge que traiu, mas o indireto é do
cônjuge que foi traído.
Em
suma, antes de se pensar em direitos da amante ou do amante, deveria o sistema
pensar nos direitos do cônjuge enganado que recebe dupla punição: ter ciência
da traição e pagar a conta dela.
É
por isso que é perfeita a orientação da doutrina majoritária e da
jurisprudência: não há dever de prestar alimentos entre os concubinos, ou
decorrentes de relacionamentos paralelos.
[1]
http://conjur.com.br/2017-mai-07/processo-familiar-forca-palavras-direito-familias-sucessoes
[2]
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=90310
José Fernando Simão é
advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade
de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor
Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-mai-21/nao-existe-dever-prestar-alimentos-entre-concubinos
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