Agora
que foi divulgada a conversa do presidente da República Michel Temer com o
presidente do frigorífico JBS, Joesley Batista, começa a discussão sobre se a
gravação realmente incrimina o presidente. Juristas apontam que Joesley, como
delator, agiria como braço do Estado, instigando o presidente ao crime — o que
caracteriza o flagrante preparado, que não é aceito como prova. Já a
Procuradoria-Geral da República afirma que se trata de "ação
controlada", perfeitamente legal.
O
juiz federal Ali Mazloum explica a diferença: a ação controlada envolve o
flagrante esperado, que é quando a polícia sabe previamente que um crime vai
acontecer e se posiciona para o flagrante, podendo retardar a prisão para ver o
crime se consolidar.
No
entanto, não é isso que ele diz ver no caso de Temer: “Em tese, parece-me que
foi criada uma situação ilegal, assemelhada ao que a doutrina denomina
‘flagrante preparado’, isto é, o agente é colocado como um mero protagonista
inconsciente de uma peça teatral, de um espetáculo”.
Advogados
ouvidos pela ConJur deixam claro que investigados não poderiam ser incentivados
por agentes do Estado a cometer crimes. A questão foi bastante discutida no
caso de Sérgio Machado, delator da "lava jato" que gravou as próprias
conversas. A utilização das chamadas gravações clandestinas (quando um dos
interlocutores grava a conversa sem avisar o outro) só deve ser aceita, segundo
especialistas em Direito Penal, em dois casos, sempre em defesa própria: para a
preservação de direitos (um acordo verbal, por exemplo) ou para se proteger de
uma investida criminosa (como uma extorsão).
O
jurista Ives Gandra Martins, no entanto, aponta que o Supremo Tribunal Federal
passou a validar tal atitude ao determinar a prisão do ex-senador Delcídio do
Amaral com base na gravação feita pelo filho do ex-gerente da Petrobras Nestor
Cerveró. A corte alterou uma jurisprudência até então pacificada sobre a
ilicitude de flagrantes previamente montados pelas autoridades.
Temer
foi acusado de pedir a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.
Gandra
Martins Divulgação
“Depois
do Delcídio passamos a ter uma aceitação do Supremo de que, se o Ministério
Público pedir, deixa de ser prova ilícita” diz Ives Gandra.
Delcídio
foi gravado oferecendo ajuda a Cerveró, inclusive apresentando um plano de fuga
ao Paraguai, para que ele não firmasse acordo de delação premiada. Depois da
prisão, Delcídio ficou sem partido e foi cassado pelo Senado com 74 favoráveis
e nenhum contra de um total de 81.
O
juiz Ali Mazloum afirma, no entanto, que, mesmo na chamada ação controlada, não
se pode criar a situação do flagrante preparado. De acordo com o magistrado, no
flagrante preparado, como há a produção do resultado pelo Estado, incide o
chamado "crime impossível".
Para
Bruno Silva Rodrigues e Rafael Serra de Carvalho, do escritório Bruno Rodrigues
Advogados, o problema é que esse "novo método de reconstrução da verdade,
longe de revelá-la, pode provocar incorreções, afinal, o contexto processual
não comporta apenas uma narrativa homogênea".
Daniel
Bialski, advogado criminalista e sócio do Bialski Advogados, considera a
questão controvertida. “Se ficar evidenciada a indução e provocação
pré-ordenada, efetivamente se poderá recorrer à Súmula 145 do STF e se
desclassificar os elementos sob o enfoque de prova proibida de ser usado por
ter sido obtida de forma ilícita”.
O
dispositivo citado por Bialski define que não há crime, quando a preparação do
flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.
Sem prisão
O
especialista em Direito Penal Leonardo Pantaleão, afirma que, caso seja
comprovado o crime de Temer — pedido de pagamento a Cunha para manter o
silencia do ex-parlamentar que está preso desde 2016 —, ele não poderá ser
preso. “Neste tipo de delito não é previsto o cerceamento físico com a pena de
prisão. Tratar-se-ia de um ato de atentado à probidade administrativa, com
sanções específicas.”
Já
Bialski tem entendimento totalmente oposto. Para ele, Temer pode sim ser alvo
de prisão cautelar caso fique caracterizada tentativa de obstrução da coleta de
provas. “Essa é uma das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal,
quando fala dos requisitos da custódia”, afirma.
O
advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni lembra que a
Constituição Federal define que o presidente da República só poderá ser julgado
pelo Supremo Tribunal Federal após a autorização prévia, por dois terços dos
membros da Câmara dos Deputados. “É relevante observar que enquanto não
sobrevier sentença condenatória, o chefe do Poder Executivo Federal não estará
sujeito à prisão”, diz.
De
acordo Sylvia Urquiza, sócia do Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, a denúncia
de que Temer teria pedido a compra do silêncio de Cunha pode ser considerada
ato que motivasse o afastamento do peemedebista da presidência. ”O processo de
impeachment diz respeito a infrações político-administrativas que constituam
crime de responsabilidade e, dessa forma, poderia ser instaurado, em tese, já
que a obstrução da Justiça seria causa de quebra de decoro”, conclui.
Relembre o caso de
Delcídio
Delcídio
apareceu em gravações oferecendo R$ 50 mil por mês à família de Cerveró para
que o executivo não assinasse um acordo de delação premiada com o Ministério
Público Federal. Se optasse por assinar, Delcídio pedia que nem ele nem o dono
do banco BTG Pactual, André Esteves, que também foi preso, fossem mencionados
na delação.
Delcídio
também garantia que Cerveró sairia da prisão. Ele contou que já havia
conversado com os ministros Teori Zavaschi e Dias Toffoli, já estava com um
café marcado com o ministro Luiz Edson Fachin e falaria com o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o então vice-presidente Michel Temer
para que procurassem o ministro Gilmar Mendes.
Dessa
forma, ele garantia uma maioria na 2ª Turma para a concessão de um Habeas
Corpus. E concedido o HC, Delcídio também já havia preparado um plano de fuga
para a Espanha, por meio do Paraguai, em um jato.
As
reuniões foram gravadas pelo filho de Cerveró, Bernardo, que procurou a PGR depois
de ter dito perder a confiança no advogado do pai, Edson Ribeiro (que também
teve a prisão decretada por estar envolvido nas negociações de Delcídio). A
gravação das reuniões, então, passou a fazer parte do acordo de delação
premiada de Cerveró.
Em
depoimento a um dos responsáveis pela operação “lava jato”, Cerveró disse que
seu filho gravou a reunião que levou Delcídio do Amaral à prisão “com sugestão
do próprio procurador”. Logo depois, no entanto, ele trocou olhares com seus
advogados e mudou a versão: disse que o procurador apenas alertou que, sem
provas, a acusação de que o ex-senador conspirava sua soltura não teria
validade.
Marcos de Vasconcellos é
chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Brenno Grillo é repórter
da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor
Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-mai-18/audio-temer-joesley-reacende-discussao-flagrante-armado
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