É
fundamental assumir a condição de desinformado em meio à turbulência frenética
do noticiário, sobretudo pela seletividade dos assuntos. Um velho policial
paulista costumava dizer que a imprensa sobrevive do que não publica e ganha
notoriedade pelo inverso. A isso se soma a ideia de que em tempos de guerra a
primeira vítima é a informação. Isso vale para golpes de estado. Erros de
avaliação decorrem da desinformação, da manipulação, das verdades e
pós-verdades impostas pela mídia. Há vícios de interpretação na leitura de atos
e fatos sobre Farsa Jato, nas esferas policial, do ministério Publico ou
Judicial. Tudo consequência do quadro seletivo apresentado, da amostra exibida
em manchetes de jornais, revistas, da tal escandalização no rádio, televisão.
São
tempos de farsa, informação dirigida, de destruição de partidos e reputações de
pessoas. Isso não é privilégio da emissora dos Marinhos. É aplicável a todas as
demais partícipes da formação do pensamento único nacional. Desse modo, o
título desse texto invocando a TV Globo é mero simbolismo, devido ao alcance na
corrosão de mentes indefesas, desarmadas de senso crítico e discernimento por
ela imprimido. Mas foi ela a apoiadora de primeira hora da ditadura militar,
manipulava o noticiário econômico, propalando altos índices da poupança fruto
da inflação alta (verdade que escondia). Foi ela que boicotou as eleições
diretas e entre suasmaldadesque vieram à tona estão o escândalo Proconsul.
Décadas depois reconheceu o erro no qual reincide.
Não
foi a Globo que inventou a expressão delação premiada. Ela só propala e
enfatiza algo que não figura em momento algum na Lei nº 12.850/2013, cujo
preâmbulo diz: “Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o
procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras
providências”. Mais na frente, no artigo 3º, ao tratar dos meios de produção de
prova, refere-se a “colaboração premiada”. Mas, a palavra delação é mais forte
e sempre figurou no imaginário como o ato de trair alguém. Por exemplo, a causa
do mártir Tiradentes era nobre e ele foi traído. Eis o sentido que a palavra
perdeu na cobertura jornalística.
Pela
lei, o que for revelado durante uma colaboração só produzirá efeito se for
comprovado. Depende de provas: “Nenhuma sentença condenatória será proferida
com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. Mas, para
influenciar eleições e ou esconder outros fatos de interesse do golpe, tudo é
revelado ilegalmente de forma calculada. A Justiça, por meio da mídia, insufla
a opinião pública. A Farsa Jato vaza e o Poder Judiciário desmoralizados fazem
vistas grossas à grave violação do Art. 7o da lei, pois tudo deve acontecer
sigilosamente, sem informações do autor e do objeto.
A
Justiça engana o povo ao dizer que não pode sentenciar em dissonância com o
anseio popular ou com a opinião pública. Ela alimenta a imprensa que joga lupa
sobre fatos pequenos e dar a dimensão que quer. A justiça vaza, a mídia aumenta
e está criado o anseio e a opinião pública. As sentenças são consequências da
lupa e pedalinhos viram transatlânticos. A boa e velha serenidade da Justiça
virou farsa, conluio, manobra de rapinagem com fins espúrios. É preciso
fomentar o ódio na opinião pública e é com base nesse ódio que surgem
sentenças. Desse modo, simpatizantes do golpe lavam a alma com água suja. Prova
pra que? É possível que um dia apareçam. Mas a civilizada presunção de
inocência de há muito foi sepultado.
O
pau-de-arara e a cadeira do dragão estão escondidos. Hoje, prisões ilegais são
encurtadas, revogadas ou alongadas por conveniência. São instrumentos de
tortura. A regra é prender até que o preso estabeleça uma ligação entre um
surrado pedaço de papel escondido da defesa e um factoide qualquer. Até que uma
frase aleatória dita por um seja completada por outro. O interrogado diz o que
querem ouvir (Técnica Raid - FBI/CIA). Recibos de cartas e depósitos que nunca
chegaram ao destinatário precisam de uma frase para o Jornal Nacional para
poder virar “prova”. O “normal” vira anormal conforme conveniência. Os fins
justificam os meios. Seria a leitura inversa da suposta visão de Zé Dirceu e
nisso ele e Sérgio Moro se igualariam?
O
jurista Luís Flávio D’Urso, defensor de um dos réus da Farsa Jato, destaca que
uma das principais regras na colaboração premiada é a voluntariedade. Ninguém
pode ser obrigado e ou forçado a colaborar, por ser um ato de arrependimento.
Nesse sentido, não existe voluntariedade quando a pessoa já está
antecipadamente presa, de forma que a prisão no caso configura instrumento de
coação. É bem verdade que um réu preso já sentenciado pode optar pela
colaboração, e o juiz possa rever a pena aplicada. Mas, a espetacularização,
inconsistência e relatividade das prisões fazem delas o novo pau-de-arara.
Eis
o cenário propício para que a TV Globo e seus asseclas do pensamento único
promovam a santificação dos denominados X9 (caguetas) e dão valor sentencial ao
que eles dizem. Tudo bem ou tudo mal, derrubaram uma presidente, o escarcéu
está em alta. Se havia uma quadrilha no Planalto foi trocada por outra, e a
sociedade brasileira continua carente de um debate sério sobre os destinos do
País.
Armando Rodrigues Coelho
Neto é advogado e jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e
ex-representante da Interpol em São Paulo
http://jornalggn.com.br/noticia/tv-globo-e-a-santificacao-dos-x9-e-seu-valor-sentencial-por-armando-coelho-neto#.WP5Do1tkbPM.twitter
Nenhum comentário:
Postar um comentário