Anita
Prestes, filha de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes, lança no início de maio livro
sobre a mãe baseado em 2 mil documentos inéditos da Gestapo. Leia entrevista de
Anita Prestes à CULT
Personagem
histórica retratada no livro-reportagem Olga (1985), do escritor Fernando
Morais, Olga Benário Prestes, esposa do revolucionário comunista Luiz Carlos
Prestes, vai ganhar, neste ano, novo estudo que pretende esmiuçar seus últimos
anos de vida passados em prisões e campos de concentração nazista, até seu
assassinato em 1942.
O
projeto é uma iniciativa de sua filha, a historiadora Anita Leocádia Prestes.
Baseando-se em quase dois mil documentos inéditos da Gestapo, a polícia
nazista, a historiadora acaba de finalizar a obra, que será publicada ainda
neste ano pela editora Boitempo.
Os
documentos, traduzidos do alemão durante cerca de um ano, estavam na Rússia
desde que foram confiscados na tomada da Alemanha nazista pelos soviéticos no
final da Segunda Guerra Mundial. A documentação foi digitalizada e
disponibilizada na internet pouco tempo antes, iniciativa que encorajou Anita
Prestes a escrever uma nova obra sobre a vida da mãe.
“Há
muita coisa sobre o comportamento dela. São impressionantes os relatos de como
ela enfrenta os nazistas. Fica claro como a Gestapo e as altas autoridades
nazistas foram explícitas em afirmar que ela não poderia ser liberta de maneira
alguma”, afirma a historiadora, que nasceu em 1936 na prisão nazista em que
Olga estava detida.
Em
2015, a historiadora já havia publicado uma obra sobre o pai, Luiz Carlos
Prestes: um comunista brasileiro, que só conheceu aos nove anos, quando ele foi
foi libertado, em 1945, pela anistia política. “Minha mãe já tinha sido
assassinada na Alemanha. Eu vim para o Brasil com a minha tia e conheci meu
pai. Ele também sempre me falava muito de minha mãe, então fui criada nesse
ambiente sabendo muito bem quem eles eram, conhecendo a história desde cedo”,
relata.
Outro
trabalho de Anita Leocádia, uma reunião das correspondências trocadas entre
seus pais, também ganhou novas luzes com a liberação dos documentos. “Só vimos
agora que houve correspondência que a Gestapo vetou. No livro, publicando em
anexo alguns documentos, entre eles essa correspondência inédita entre meu pai
e minha mãe”.
Em
entrevista à CULT, Anita Prestes revela alguns detalhes sobre o livro e comenta
os rumos políticos do Brasil que, segundo ela, ainda precisa “passar pelo
caminho da revolução socialista”.
CULT
– O que esses documentos da Gestapo dizem de novo sobre o fim da vida de Olga?
Anita
Prestes – Até eu ser separada dela, estávamos em uma prisão para mulheres em
Berlim. Depois de minha retirada ela é mandada para dois campos de concentração
e é assassinada. Isso já se sabia, mas agora há novas informações, muita coisa
que nem nós da família, como minha avó e minha tia que acompanharam os
acontecimentos de perto, não sabíamos. Não posso entrar em muitos detalhes, mas
há muita informação sobre o comportamento dela. A gente sabia que ela era uma
mulher de muita coragem, mas são impressionantes os relatos de como ela
enfrentava as autoridades nazistas. Há uma frase em que ela diz: “Se houve
gente que virou traidora, eu jamais o serei”. Compreende? Nisso ela era
totalmente intransigente, jamais entregou qualquer pessoa, recusava-se
peremptoriamente a passar qualquer informação – o que, sem dúvida, foi um dos
motivos do seu assassinato. O que fica claro é que a Gestapo e as altas
autoridades do governo alemão sabiam o que estava sendo feito com ela e foram
explícitos em afirmar que ela não poderia ser libertada de maneira alguma, e
que deveria ser violentamente castigada. Estavam muito mais preocupados com a
atividade dela como comunista do que com o fato dela ser judia. Ela não foi
assassinada por ser judia, embora isso pudesse pesar. O fundamental é que ela
era comunista, tinha participado das atividades do Comintern e era mulher de
Luiz Carlos Prestes.
E
são quase dois mil documentos, é um volume grande de informações.
E
só sobre ela. Os arquivos da Gestapo são gigantescos, tem tudo o que você
quiser lá. Mas é interessante que ela é a pessoa que tem o maior volume de
documentação. Há documentos sobre todos os partidos comunistas do mundo, sobre
a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial, mas só sobre a Olga há
cerca de duas mil páginas. A Gestapo dá muita importância à figura dela. Há uma
parte bem interessante que são mensagens que vêm de toda a Europa e dos Estados
Unidos, inclusive diretamente à Heinrich Himmler [um dos principais líderes do
Partido Nazi] e outras autoridades, protestando contra a prisão dela, exigindo
sua libertação, exigindo a minha libertação. Houve uma pressão muito grande da
chamada “Campanha Prestes”. Se não fosse a pressão política, eu naturalmente
iria para um orfanato nazista, onde a criança perdia o nome e virava um número.
Você
já pensava em escrever um livro sobre a sua mãe antes de ter contato com esses
documentos?
O
que de melhor podia ser feito, foi feito pelo Fernando Morais, então eu não ia
repetir. Até então não tinha documentação nova que justificasse um novo livro.
Agora apareceu e, por isso, eu resolvi fazer esse trabalho importante, um
resgate da época, para não só conhecerem Olga e o comportamento dela, mas
também saberem o que era a Gestapo, o horror que foi o nazismo. O requinte de
maldade e de perversidade que existe é uma coisa impressionante. É importante
divulgar até para que não se repita essa história trágica.
Como
você, estudiosa e herdeira de um dos maiores comunistas do Brasil, enxerga as
movimentações de esquerda do país atualmente?
A
esquerda no Brasil está muito ruim. Você vê, há trinta anos, na década de 1980,
o meu pai já dizia isso, que não tem esquerda no Brasil, que acabaram os
partidos de esquerda e ficaram apenas as pessoas de esquerda. Mas os partidos
se desgastaram, se desmoralizaram. Estamos em uma época de retrocesso muito
grande. E eu também sigo a opinião dele quando dizia que a mudança vai ser na
luta, pois o capitalismo está aí, a exploração está aí, as pessoas estão
sentindo na própria carne o que está acontecendo. E aí elas vão começar a
lutar, se organizar, procurar caminhos. E o caminho para levar à vitória vai
ser o caminho da revolução socialista, não tenho a menor dúvida disso. Mas no
Brasil vai demorar um pouco, porque aqui a tradição sempre foi de muita
repressão, as classes dominantes impediram o movimento popular de se organizar.
Sempre que se tentou qualquer tipo de rebeldia, ela foi esmagada com uma
violência muito grande. A gente tem quatro séculos de escravidão, um Império
que durou até o final do século passado. O povo foi muito penalizado pelo
poderio das suas classes dominantes, senhores de terras e de escravos. A
realidade brasileira é muito pesada, muito difícil, então demora um tempo até
isso mudar. Mas não sou pessimista. Quem leu O capital de Marx sabe que o
capitalismo não tem futuro. Mas sozinho ele não vai cair, tem que haver as
forças capazes de derrubá-lo. Provavelmente não vou ver isso nos meus dias, mas
não tem importância. Como meu pai dizia, eu só quero colocar um tijolinho nesse
processo.
https://revistacult.uol.com.br/home/estamos-em-uma-epoca-de-retrocesso-muito-grande/
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