Que
país a Reforma da Previdência projeta para meados do século XXI? Numa perspectiva
crítica e de comprometimento social com a coletividade, o ajuste estrutural na
Previdência Social delineado pelo governo está de costas para o futuro.
Responsável por assegurar a renda dos trabalhadores e de seus dependentes
quando da perda da capacidade de trabalho, o que está por trás da Reforma
(Proposta de Emenda Constitucional N° 287) é retirar o mínimo de justiça social
definido pela Constituição Federal de 1988.
No
debate constitucional, o legislador constituinte estabeleceu um sistema de seguridade
social universal, solidário e baseado em princípios redistributivos. No texto
da Carta Magna, os trabalhadores rurais passaram a ter os mesmos direitos
previdenciários que os trabalhadores urbanos, foi instituído o programa
seguro-desemprego e introduzido o piso de aposentadoria equivalente ao salário
mínimo para evitar a corrosão real dos benefícios. Não por menos que hoje as
transferências da Previdência são uma das principais fontes de movimentação da
economia local de 70% dos municípios brasileiros, principalmente daqueles
afastados dos centros urbanos.
No
Brasil, nos últimos anos, os programas governamentais tiveram seus recursos
ampliados, com destaque para Previdência, que é a grande política social
existente, em termos de dotação orçamentária e abrangência. Em proporções do
Produto Interno Bruto (PIB), o gasto com políticas sociais entre 2002 e 2015
aumentou sua participação em 4,6%. No período, destacam-se os aumentos nos
dispêndios com educação e cultura (1,0%), assistência social (1,0%) e
previdência social (1,3%). Ou melhor, o gasto social direto do governo federal
passou de 12,8% do PIB para 15,7% e o indireto de 0,3% para 1,8%. De modo
geral, a participação do gasto social no PIB saltou de 12,9%, em 2002, para
17,5%, em 2015.
Neste
sentido evolutivo, cabe ressaltar que entre os anos de 2003 e 2012 houve uma
significativa redução do índice de Gini, de 0,581 para 0,527. Seguindo essa
trajetória, segundo IPEA,[1] observa-se que quase 30% desta queda decorreu do
pagamento de aposentadorias e pensões pelo Estado, e, caso não houvesse a
Previdência, mais os Benefícios de Prestação Continuada (BPC) e Programa Bolsa
Família (PBF), o percentual de idosos pobres aos 75 anos com renda menor ou
igual a ½ salário mínimo, 8,76% em 2014, superaria os 65% conforme aponta o
documento “Previdência: reformar para excluir?”, organizado pelo DIEESE e pela
ANFIP.
Em
dados – 2015 como referência –, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS)
tinha 28,3 milhões de benefícios diretos. Considerando que os aposentados
viviam em famílias com mais de 2,5 membros, em média, estima-se que,
indiretamente, sejam favorecidos outros 70,7 milhões de brasileiros, isto é, o
RGPS contempla 99 milhões de pessoas, quase a metade da população do país. Para
tanto, considerando BPC mais o seguro-desemprego (SD), somam-se outros 40
milhões, direta e indiretamente. Em suma, em 2015 foram transferidos renda para
140,6 milhões de brasileiros, cujos benefícios são próximos do piso do salário
mínimo.
Partindo
desses indicadores trazidos pelo DIEESE e ANFIP, a política social sob a
regência do governo Temer-Meirelles tem sido alvo de sucessivos ataques em
tempos de crise do capital. No contexto de disputa política e luta de classe
pelos recursos do fundo público, a crise fiscal do Estado – provocada pela
queda na taxa de lucro, Operação Lava Jato e pelo comportamento intransigente e
imaturo da direita brasileira – passa a ser o argumento que justifica a defesa
neoliberal do corte de gastos sociais. Logo, é hora de “chutar a escada” com força
total para derrubar a Previdência, dificultando o acesso aos trabalhadores e
torná-la menos pública de modo a criar novos nichos de mercado, tais como plano
de previdência privada.
Proposta
sob a justificativa da tara do “déficit”, o objetivo da PEC N.° 287 é
redirecionar o orçamento público da Previdência ao sistema financeiro para que
o mesmo possa extrair super lucro. Punindo os trabalhadores inocentes e
espoliados, a Reforma estabelece aposentadoria por idade aos 65 anos, sem
distinção – homem/mulher, trabalhador urbano/rural, servidor
público/trabalhador da iniciativa privada – eleva a carência mínima de 65 para
70 anos para a concessão do BPC e, indiretamente, propõe a expansão da
Previdência privada, cujo produto é vendido por bancos e seguradoras.
Do
ponto de vista do “déficit”, isto é uma “pedalada constitucional”, como disse o
Prof. Eduardo Fagnani. Ou melhor, o constituinte adotou o modelo tripartite de
financiamento: Estado, burgueses e trabalhadores contribuem. Na parte que cabe
ao Estado, ficou definido na Constituição de 1988, art. 194 e 195, que
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Social para o
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Formação do Patrimônio do Servidor
Público (PASEP)/Programa de Integração Social (PIS) integrariam o Orçamento da
Seguridade Social.
Para
tanto, União “passou a mão” nos recursos da CSLL, PIS-PASEP, COFINS
contabilizando apenas a contribuição do trabalhador e do burguês, ou seja, o
governo não contabiliza sua parte como fonte de receita, confrontando os art.
194 e 195 da Constituição. O suposto “rombo”, gargarejado tal como uma galinha
quando põe ovo de R$ 85,8 bilhões em 2015, poderia ter sido coberto com parte
dos R$ 202 bilhões arrecadados pela COFINS, R$ 61 bilhões pela CSLL e R$ 53
bilhões pelo PIS-PASEP.
Haveria
ainda os R$ 63 bilhões surrupiados da Seguridade pela Desvinculação de Receita
da União (DRU) e mais R$ 157 bilhões de desonerações pertencentes ao Orçamento
da Seguridade conforme apontado no documento “Previdência: reformar para
excluir?”. Logo, a narrativa do “rombo e/ou déficit” é artificial, malévolo e
manipulado, que opera no sentido da redução do Estado com políticas sociais.
Contrariando
a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, inegavelmente, a proposta
de Reforma irá aumentar o contingente de novos trabalhadores que serão expulsos
do sistema por não terem capacidade contributiva, condições de saúde para
continuar no trabalho ou por sequer restarem forças físicas. Outra tendência
inegável é que a PEC N.° 287 projeta para meados do século XXI um encolhimento
da cobertura do RGPS que, por sua vez, irá agravar em ritmo acelerado as
desigualdades sociais, regionais e municipais no Brasil. Por ora,
considerando-a como o principal mecanismo de proteção social brasileiro, a
Reforma como suposto antídoto para o “rombo” previdenciário e presumida vacina
contra a crise, na sua essência e prática, trata de punir os trabalhadores
inocentes.
Por
fim, embora a Reforma da Previdência esteja colocada como prioridade número 1
na agenda de governo para 2017, seu engavetamento definitivo pelo governo
Temer-Meirelles só se dará por meio do fortalecimento das lutas sociais e da
organização coletiva da classe trabalhadora.
Nota:
[1] IPEA,
2015. Políticas Sociais: acompanhamento e análise, nº 23.
http://brasildebate.com.br/reforma-da-previdencia-punindo-os-inocentes/
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