O
ritmo dos acontecimentos no Brasil lembram muito um dos meus contos prediletos
de Edgar Allan Poe.
Após
a eleição o país foi sendo progressivamente dividido entre os vencedores e
aqueles que não aceitavam a vitória do PT. Vi isto ocorrer em minha própria
vida cotidiana. No primeiro dia útil após a divulgação da derrota de Aécio
Neves fui interpelado por uma médica que frequentava o mesmo café que eu.
Satisfeito com a vitória não a provoquei, pois sabia que ela era uma tucana
irritante. Irritada ela disse:
-
Agora vamos para o Impeachment!
-
Se vocês querem incendiar o país, as casas de vocês também serão incendiadas. -
respondi calmamente.
Em
pouco tempo o otimismo começou a ser incinerado sob a pressão da crise política
iniciada por Aécio Neves. O derrotado tentou impedir a posse de Dilma Rousseff
e continuou insistindo em virar o jogo num terceiro tempo que lhe foi
publicamente negado pelo presidente do TSE. Quando os primeiros sinais do
insucesso fiscal/financeiro comprovaram o sucesso da crise econômica
politicamente criada pelo PSDB o terrível mecanismo que destruiria o mandato de
Dilma Rousseff foi acionado.
A
presidenta eleita pelos brasileiros foi imobilizada pela imprensa. Os acertos
dela se tornaram erros imperdoáveis. O erro que ela cometeu para agradar a
mídia (a nomeação de um economista neoliberal) foi aplaudido pelos jornalistas
como sendo um acerto. Em alguns meses Joaquim Levy fez a economia ir de mal a
pior, mas a imprensa despejou os erros do seu preferido nas costas de Dilma
Rousseff.
Pouco
depois ela seria definitivamente amordaçada pelo Judiciário, que a impediu de
nomear Lula. E então o Brasil começou a oscilar nas ruas como se fosse um
pêndulo móvel cuja lâmina mortal haveria de inevitavelmente romper os limites
da legalidade.
“Descia…
cada vez descia mais a lâmina. Sentia um prazer frenético ao comparar sua
velocidade de cima para baixo com a sua velocidade lateral. Para a direita…
para a esquerda… num amplo oscilar… com o grito agudo de uma alma penada; para
o meu coração, com o passo furtivo de um tigre! Eu ora ria, ora uivava, quando
esta ou aquela idéia se tornava predominante.” (Histórias Extraordinárias,
Edgar Allan Poe, editor Victor Civita, São Paulo, Brasil, 1981 - O poço e o
pêndulo -, p. 273/274)
O
mecanismo de tortura foi cuidadosamente operado pelo STF. O Tribunal poderia
ter afastado o presidente da Câmara do cargo, mas permitiu que ele iniciasse e comandasse a
pantomima macabra celebrada pela imprensa como uma forma legítima de restaurar
a democracia. Rasgados pelos Deputados (que votaram “sim” por meu pai, por
minha esposa, por meu filho, por minha mãe, etc…) os 54,5 milhões de votos
atribuídos a Dilma Rousseff foram sendo solenemente esquecidos como se não
tivessem mais valor do que os votos de um punhado de Deputados vigaristas e de
Senadores mafiosos, muitos dos quais réus em processos criminais.
“Sempre
para baixo… certa e inevitavelmente! Movia-se, agora, a três polegadas do meu
peito! Eu lutava violentamente, furiosamente, para livrar o braço esquerdo.
Este estava livre apenas desde o cotovelo até a mão. Podia mover a mão, com
grande esforço, apenas desde o prato, que haviam colocado a meu lado, até a
boca. Nada mais. Se houvesse podido romper as ligaduras acima do cotovelo,
teria apanhado o pêndulo e tentado detê-lo. Mas isso seria o mesmo que tentar
deter uma avalancha!” (Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe, editor
Victor Civita, São Paulo, Brasil, 1981 - O poço e o pêndulo -, p. 273/274)
A
deterioração política, econômica. judiciária e jornalística do país seguiu seu
curso. Empossado, o usurpador Michel Temer começou rapidamente a revogar os
direitos sociais, trabalhistas e previdenciários dos brasileiros e a dar rios
de dinheiro para a imprensa. A leve recessão combatida por Dilma Rousseff foi
transformada numa verdadeira depressão econômica para a felicidade geral dos
banqueiros, os únicos beneficiários do golpe de 2016. O sucesso financeiro dos
Bancos privados (alimentado com dinheiro público de um Estado que arrecada cada
vez menos impostos) continuou produzindo o desemprego, o desespero e a
desilusão que alimentam o crescimento da esperança de um retorno triunfal de
Lula.
“Sempre
mais baixo, incessantemente, inevitavelmente mais baixo! Arquejava e me debatia
a cada vibração. Encolhia-me convulsivamente a cada oscilação. Meus olhos
seguiam as subidas e descidas da lâmina com a ansiedade do mais completo
desespero; fechavam-se espasmodicamente a cada descida, como se a morte
houvesse sido um alívio… oh, que alívio indizível! Não obstante, todos os meus
nervos tremiam à idéia de que bastaria que a máquina descesse um pouco mais
para que aquele machado afiado e reluzente se precipitasse sobre o meu peito.
Era a esperança - a esperança que triunfa mesmo sobre o suplício -, a que
sussurrava aos ouvidos dos condenados à morte, mesmo nos calabouços da
Inquisição.” (Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe, editor Victor Civita,
São Paulo, Brasil, 1981 - O poço e o pêndulo -, p. 273/274)
Mas
Lula não é o Dom Sebastião muito desejado pela imprensa. Muito pelo
contrário. O líder petista foi
excomungado pelos banqueiros, é odiado pelos políticos que derrubaram Dilma
Rousseff e, ao que tudo indica, será enforcado na Lei da Ficha Limpa pelos
juízes. A caçada ao Lula enche as ruas e esvazia os sonhos de uma restauração
permanente do neoliberalismo. E o pêndulo, que já despedaçou as roupas do
Brasil (e a imagem do país no exterior) ameaça sangrar a nação e despedaçar seu
território.
No
conto de Edgar Allan Poe, contra todas as expectativas negativas que vão sendo
construídas ao longo da narrativa, o personagem consegue sobreviver porque “O
exército francês entrara em Toledo”. A salvação dele se torna o suplício
daqueles que o haviam submetido à tortura “A Inquisição estava nas mãos de seus
inimigos”. Todavia, a tortura eventualmente imposta aos novos derrotados não
deve despertar qualquer simpatia. Ao contrário do personagem, os inquisidores
caíram num poço (o fim na narração pode ser considerada uma metáfora construída
pelo autor).
A
história narrada por Edgar Allan Poe é interrompida, mas não tem um fim. E a
nossa está apenas começando. O futuro do Brasil oscila entre o Paraguai (ontem
o Parlamento daquele país foi incendiado pelo povo) e a Síria (despedaçada por
uma guerra civil). Nem todos os brasileiros serão salvos e muitos ainda serão
inevitavelmente torturados pela crise econômica, política, jornalística,
judiciária e, em breve, militar.
http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-brasil-entre-o-poco-e-o-pendulo-por-fabio-de-oliveira-ribeiro
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