Por
trás da fumaça que vem do Tribunal Superior Eleitoral (o TSE, como se sabe,
decidiu adiar o julgamento da chapa Dilma-Temer, oferecendo sobrevida ao
moribundo consórcio Temer/PMDB/PSDB) e de Curitiba (a Lava-Jato se consolida
como um Tribunal de Exceção, conduzido por um juiz desequilibrado que manda
prender blogueiro), alguns movimentos quase imperceptíveis no mundo da política
indicam que o cenário mudou.
Lula
O
fato político mais importante dos últimos 10 dias não foi, tampouco, a capa da
“Veja”, que indica Aécio Neves no mesmo caminho trilhado por Carlos Lacerda em
64: implorou pelo golpe, achando que herdaria o poder, e terminou cassado pelo
processo que ajudou a fomentar. Aécio é um cadáver, e será devorado, mas
deixemos os mortos vivos em paz… O fato mais importante foi outro: a declaração
enfática de Nelson Jobim (ex-ministro do STF, mas que é sobretudo um
peemedebista com trânsito no PT e no PSDB) defendendo que “proibir Lula de ser
candidato é fazer o que fizeram os militares”.
A
frase de Jobim indica que a parte mais lúcida da elite política e empresarial
já percebeu o óbvio: impedir Lula de ser candidato, no tapetão, como pretendem
os celerados de Curitiba, teria um duplo caráter desestabilizador.
Significaria,
primeiro, cassar a voz e a representação de algo entre 30% e 40% dos
brasileiros – índice que Lula alcança nas pesquisas de opinião para a eleição
(?) de 2018; sem voz pela via institucional, parte desse setor poderia partir
para a confrontação “por fora” do sistema político; Lula candidato significa
estabilidade, significa os movimentos sociais e a esquerda “por dentro” da
política.
Mas
a prisão (ou cassação) de Lula seria trágica também para a direita “liberal”,
digamos assim; sem Lula na disputa, o próprio PSDB e seus satélites na mídia,
na internet e na Justiça perderiam a razão de ser.
Não
é à toa que nas últimas semanas certo blogueiro, que durante anos ajudou a
fomentar o ódio contra Lula e o PT, assumiu posição mais moderada – criticando
os “exageros” de Moro e dos camisas negras de Curitiba. Da mesma forma, o (por
assim dizer) ministro do STF Gilmar Mendes passou a criticar os abusos da
Lava-Jato.
Pensemos
um pouco: se Lula, que tem 30% a 40% dos votos, for impedido de concorrer por
um juiz de primeira instância (a sentença teria que ser confirmada no TRF-4,
que já deu mostras de endossar o tribunal de exceção da Lava-Jato), esse ato
significaria o desmonte não do lulo-petismo, mas do próprio sistema político.
Se
a Justiça, numa canetada e sem provas consistentes, pode impedir um candidato
com 30% a 40% dos votos, pra que serviriam o PSDB, o Reinaldo Azevedo, o Gilmar
Mendes e os demais satélites tucanos?
“Não
existe Salieri sem Mozart”, dizia um velho amigo já em 2013. O invejoso
compositor Salieri era o grande rival do gênio Mozart no século XVIII; a razão
de ser de Salieri era oferecer um contraponto ao tempestuoso e polêmico Mozart.
Se o “juizeco de primeira instância” (como diz Renan Calheiros) puder barrar
Lula, significa que ele tem poder para tudo. E aí o PSDB será arrastado junto.
Perderá a função de representar setores médios que, desde 2013, se deslocaram
do centro para a direita.
As
pesquisas indicam que os tucanos já claudicam nas pesquisas, abaixo de 15%.
Estão mais chamuscados que Lula, na medida em que se tornaram sócios do pior
governo da história brasileira, desde Washington Luiz. Hoje, o país já se
divide claramente entre a política (ou seja, a ideia de que o Estado organizado
pode, e deve, ser o condutor da Nação) e
um discurso anti-política que resvala para o autoritarismo (Bolsonaro, Dória e
Luciano Huck são oportunistas e aventureiros que tentam surfar nessa onda).
A
centro-direita menos obtusa já compreendeu o perigo que significa barrar Lula.
Seria um suicídio da política. Seria caminho para a aventura despótica.
Renan
Calheiros, odiado e desprezado por tantos, também já percebeu que Lula é o
fator de estabilidade não só da centro-esquerda. Mas da própria ideia de que é
possível concorrer sob regras gerais e respeitar a vitória do adversário.
No
velório de Dona Marisa, sob o grito bestial da direita extremada que comemorava
a morte da ex-primeira dama, FHC e Gilmar emitiram sinais a Lula de que o jogo,
sem o líder petista, pode ficar perigoso demais.
O
mundo dos sonhos da direita liberal inclui Lula na urna em 2018: sob ataque,
contestado, bombardeado… Mas candidato. Um Lula “para perder” e legitimar o
sistema político: essa a aposta do setor menos tresloucado da direita, que
percebe os perigos embutidos na Lava-Jato.
Um
Lula com 40% dos votos no segundo turno, derrotado por um candidato “liberal” –
da mesma forma que em 94 e 98. Esse o roteiro de reinaldos, gilmares e fhcs.
Mas falta combinar com bolsonaros, joyces, mbls e suas falanges…
São
duas variantes da direita. A segunda variante incensa Moro e não aceita nada
menos do que Lula preso, humilhado, barrado, não importa o mal que isso possa
significar para a democracia. Se essa variante sair vitoriosa, a primeira
variante (tucana, mais “liberal”) perde a razão de existir. E esse quadro está
prestes a se consolidar, lançando o PSDB como um todo no mesmo lamaçal em que
já chafurda o morto-vivo Aécio Neves.
Se
a variante extremista sair vitoriosa, o que pode vir é uma república comandada
por camisas negras. Eles sonham em trucidar Lula para, logo depois, usurpar
todo o poder, eliminando também tucanos et caterva (quem não se lembra da frase
de Danton, ao ser conduzido à guilhotina pelo terror da Revolução Francesa: “o
que me conforta, Robespierre, é que depois de mim virá você”; e a previsão se
cumpriu).
Não
nos iludamos: a aliança da Lava-Jato com o PSDB foi tática. Existe um “partido
da justiça e da polícia”, e esse partido pode evoluir para a eleição de um
juiz, ou de um extremista que saiba manipular os signos da anti-politica.
Lula
é o único que, por dentro da política, tem ainda força e legitimidade para
enfrentar a matilha extremista.
Esse
o sinal emitido por Jobim que, com esse movimento, também tenta se viabilizar
como alternativa “pacificadora”, numa eventual eleição indireta, se Temer não
sobreviver ao TSE. Jobim pode ser a “transição” para se chegar a 2018. Acontece
que o PSDB queimou quase todas as pontes, fomentou ódio demais, e agora não
consegue guardar o fascismo na garrafa.
A
direita “liberal” achou que usaria os extremistas para destruir o PT e
finalmente ocupar o poder após quatro derrotas. Mas, hoje, começa a perceber
que precisa de Lula para conter o extremismo.
Lula
é fator de estabilidade para a Democracia. Jobim e Gilmar talvez sonhem com um
Lula “pra perder”. Mas falta combinar, primeiro, com os camisas negras que
querem prender e trucidar o petista; e, depois, com os eleitores que podem levá-lo
de volta ao poder, se a Democracia resistir até 2018.
É
por essa estreita passagem que vamos caminhar nos próximos meses…
http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/geral/38045/
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