A
existência de vínculo com o pai de registro não é obstáculo ao exercício do
direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade
biológica, porque os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto
são compatíveis. Dessa maneira, o reconhecimento do vínculo filial biológico
produz os naturais efeitos patrimoniais, como o direito à herança. Esse foi o
entendimento, unânime, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao dar
provimento ao recurso de um homem, hoje com quase 70 anos, que tentava na
Justiça receber a herança do pai biológico mesmo já tendo recebido patrimônio
do pai socioafetivo.
Reconhecimento
do vínculo filial biológico produz os naturais efeitos patrimoniais, como o
direito à herança.
Para
o relator do REsp, ministro Villas Bôas Cueva, embora o recorrente tenha
desfrutado de uma relação socioafetiva com seu pai de registro, já morto, o
ordenamento pátrio lhe garante a busca da verdade real, o que não poderia se
limitar ao mero reconhecimento, sem consequências no plano fático. “A pessoa
criada e registrada por pai socioafetivo não precisa, portanto, negar sua
paternidade biológica, e muito menos abdicar de direitos inerentes ao seu novo
status familiae, tais como os direitos hereditários”, disse. Os ministros do
colegiado concordaram com o relator.
O
recurso questionava acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A
corte gaúcha apenas reconheceu a origem genética, provada por exame de DNA, mas
não entendeu que ele tinha direitos patrimoniais ou de alterar o registro
civil, “sob pena de se desfigurar os princípios basilares do Direito de
Família”. O feito alegava violação do artigo 1.604 do Código Civil. O artigo
proíbe que o estado de filiação dependa da volatilidade dos relacionamentos
amorosos, permitindo, excepcionalmente, a alteração do assento de nascimento
nos casos de comprovado erro ou falsidade do registro.
Villas
Bôas Cueva afirmou, no voto, que deve ser aplicado no caso concreto o
entendimento já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, que, em julgamento
sob o rito da repercussão geral, alterou as balizas que regem o conceito de
parentalidade no Brasil ao julgar, em setembro de 2016, o Recurso
Extraordinário 898.060. Na ocasião, o tribunal, por maioria, optou por não
afirmar nenhuma prevalência entre as referidas modalidades de vínculo parental,
apontando para a possibilidade de coexistência de ambas as paternidades. A tese
fixada do feito relatado pela ministro Luiz Fux foi a seguinte: “A paternidade
socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento
do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos
jurídicos próprios”. O parecer do Ministério Público Federal foi nesse mesmo
sentido.
O
ministro Villas Bôas Cueva lembra ainda no voto que a paternidade socioafetiva
é prevista na Constituição, que busca a própria dignidade da pessoa humana e o
melhor interesse da criança. Por isso, não se pode admitir uma hierarquia que
prioriza a paternidade biológica em detrimento da socioafetividade ou
vice-versa. “Ao revés, tais vínculos podem coexistir com idêntico status
jurídico no ordenamento desde que seja do interesse do filho.”
REsp
1.618.230-RS
http://www.conjur.com.br/2017-abr-04/filho-criado-pai-socioafetivo-direito-heranca-pai-biologico
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