Um
dos primeiros juristas brasileiros a debater a Judicialização, essa tentativa
de promover mudanças nas políticas públicas sem voto popular o jurista Luiz
Moreira deu uma entrevista ao 247 sobre a chamada "Lista do Fachin."
Moreira foi membro do Conselho Nacional do Ministério Público por dois mandatos
e é um dos principais estudiosos de Filosofia do Direito no país.
Sua entrevista:
247 – Muitas pessoas
dizem que as delações divulgadas com o nome de "Lista do Fachin"
demonstram a falência da democracia em nosso país. O senhor concorda com isso?
LUIZ
MOREIRA – A democracia brasileira promoveu a maior transformação social do
Ocidente desde o milagre econômico alemão, que foi a grande mudança na história
humana após a Segunda Guerra Mundial. Milhões de brasileiros foram incluídos no
mercado de consumo, passaram a ter três refeições por dia; outros milhões
tiveram acesso a bens culturais, ao ensino universitário, tiveram carteira
assinada. Nesse sentido, é difícil aceitar que a democracia brasileira precise
ser purificada.
247 – O que é preciso,
então?
LUIZ
MOREIRA – O que precisa de modificação é o desenho das instituições jurídicas
nacionais. O Ministério Público precisa ser confrontado com seus equivalentes
internacionais; a Polícia da União precisa ser redesenhada; o Judiciário
precisa voltar a ser um poder contramajoritário e as normas sancionadoras devem
ter tipos fechados. Portanto, não é a política que precisa de conserto, mas as
instituições que compõem o sistema de justiça é que precisam de nova engenharia
constitucional. Ora, somente um país que desacredita de seus cidadãos projeta
ambiente de fragilização das instituições democráticas, em que o voto e as
democracia produzem um resultado que deve sempre ser corrigido pelo judiciário
e pelo ministério público. Esse é o paradoxo brasileiro atual: o mesmo povo que
seria incapaz de governar a si mesmo, via eleições, é chamado a legitimar as
intervenções arbitrárias do sistema de justiça nos poderes eleitos pelo povo.
BRASIL 247 – Como
explicar o impacto da lista do Fachin?
LUIZ
MOREIRA – Em ambiente de protagonismo do sistema de justiça, em que juízes e
membros do ministério público, que atuam na lava jato, trocaram a liturgia de
seus cargos pelo papel de celebridades, a denominada lista do Fachin é a
expressão de falência da democracia constitucional brasileira. Depoimentos que
deveriam ser recebidos com bastante cautela, são tratados como se fossem
informações desinteressadas prestadas por cidadãos honestos, mostrando o
desprezo do sistema de justiça pela presunção de inocência. A segunda questão
diz respeito à exigência de as delações serem atos voluntários, praticados por
pessoas que não se sentem coagidas pelo sistema de justiça, voluntariedade que
não se encontra presente na prisão. Assim, a denominada lista de Fachin apenas
expressa o cenário atual em que o sistema de justiça contribui para a percepção
de que somos todos corruptos e que a política não é para pessoas de bem.
247 - Embora tenham
surgido outros nomes, a verdade é que Lula permanece como alvo constante da
Lava Jato e dos delatores. Nos depoimentos, é possível ouvir a narrativa de
episódios e de opiniões que nada tem a ver com uma denúncia jurídica, mas
ajudam a compor um retrato político negativo. Divulgadas em ambiente de
denúncia criminal, essa situação tem gerado críticas e dúvidas. Como o senhor
explica isso?
LUIZ
MOREIRA – As críticas ao ex-Presidente Lula são equivocadas por pretenderem
substituir o direito por algum tipo de regra de etiqueta, isto é, nenhuma das
condutas atribuídas a ele pela operação lava jato se caracterizam como
criminosas ou são reprováveis sob o ponto de vista jurídico. No entanto, a
combinação entre a midiatização das acusações e a insistência com que elas são
veiculadas na mídia geram uma espécie de cansaço que pode levar as pessoas a
entenderem que realmente há algo reprovável juridicamente nas condutas de Lula.
Repare que não se trata de comprovação jurídica de que Lula tenha cometido
algum crime, mas a permanência das acusações gera esse sentimento de que ele é
culpado.
247 – Por que é perigoso
abandonar o terreno da lei e adotar discursos morais ou éticos?
LUIZ
MOREIRA – As sociedades modernas se caracterizam pela pluralidade e pela
fragmentação. Assim, já não é possível invocar uma dimensão perante a qual as
condutas sejam universalmente confrontadas. Não havendo esse
"tribunal" para julgar as condutas sob o ponto de vista religioso,
moral ou ético, restou ao direito disciplinar as condutas humanas. Desse modo,
é o código jurídico que define quais condutas são permitidas e quais são proibidas.
Por terem perdido qualquer possibilidade de universalização, julgamentos
morais, religiosos ou éticos se transformaram em questões de gosto, ou seja,
cada um tem o seu. Essa é a razão para que o direito assuma a definição do que
é permitido e do que é proibido, porque assim as pessoas podem definir suas
condutas por algo mais seguro do que o gosto das pessoas.
247 – E como é possível
quebrar esse círculo viciosos entre midiatização e permanências das acusações
contra Lula?
LUIZ
MOREIRA – Há muito a operação Lava Jato abandonou a seara jurídica para se
dedicar a uma disputa política por protagonismo na sociedade brasileira. Tanto
o Ministério Público quanto o Juiz da lava jato ocupam permanentemente a
imprensa e outras tribunas para convencerem os brasileiros que sua causa é a
correta e que merecem o apoio da população. Agem como se estivessem disputando
eleições e precisassem de votos para implementarem seus planos de governo.
Evidentemente, tais condutas contrariam tudo o que o Ocidente idealizou como
tarefa do sistema de justiça. Assim, a única saída de Lula é politizar sua
defesa, de modo que ele deve, segundo penso, utilizar-se da cena política para
demonstrar à população brasileira que é vítima de perseguição jurídica para
impedir que ele, Lula, seja candidato a Presidente em 2018.
247 – Como evitar que a
política democrática seja destruída pela judicialização?
LUIZ
MOREIRA – Bem, após as últimas eleições presidenciais a oposição continuou no
palanque, tentando subverter o resultado das urnas. Os últimos três anos foram
marcados pela radicalização política, sem nenhuma possibilidade de consenso em
nenhum tema politicamente relevante. Essa radicalização teve dois cumes: o
impeachment sem crime de responsabilidade da Presidenta Dilma e a determinação,
pelo STF, de abertura de inquéritos a partir das delações da Odebrecht.
Portanto, o esgarçamento da política decorrente do não reconhecimento do
resultado das eleições presidenciais de 2014 possibilitou a mais aguda crise de
perspectivas para a democracia representativa brasileira desde a anistia.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/290469/Luiz-Moreira-Lula-deve-politizar-sua-defesa.htm
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