Este
artigo poderia se chamar de “A nova fase do golpe”. Isto porque o golpe dentro
do golpe avança em direção às tropas mercenárias, aliadas, e até aos generais
“de dentro” – mesmo que tudo indique que seja apenas para inglês ver.
A
relativa “democracia” da lista de delatados do Ministro do STF Edson Fachin –
chegando a nomes tidos como “ilibados” – atinge percentual significativo do
Congresso Nacional. Afeta também governadores e vários ministros do regime
Temer, o beneficiário da primeira fase do golpe.
Mas
o que importa mesmo é como a “Lista de Schindler” às avessas da política
tupiniquim vai ser interpretada pela mídia. E em qual direção essa
interpretação aponta.
Vê-se
que o feriadão será povoado pelo mote da criminalização da política, acentuando
o moralismo de araque de conglomerados de comunicação, envolvidos até o talo
nas mesmas práticas que denunciam em afã condenatório.
E
não se engane: o alvo prioritário continua sendo o PT e, em especial, o
desmonte da candidatura de Lula. FHC, Aécio, Serra et cateva são cartas fora do
baralho e não serão incomodados para além de citações telegráficas e
respeitosas. Temer somente o será na medida em que a sua fragilização permitir
que se acelere o andamento do que ele precisa entregar. Mas certamente a sua
situação foi sensivelmente fragilizada. Se não mesmo inviabilizada. O resto,
são ataques teleguiados a eventuais presidenciáveis de primeira viagem, como Kassab,
Eduardo Paes e Haddad.
Em
espectro mais largo, este movimento de avaliação seletiva da delação de Marcelo
Odebrecht e outros delatores aplaina o terreno para ou para um contra-golpe sem
Temer ou para a solução “mágica” do salvador da pátria de ocasião, que
provavelmente está sendo preparado nos laboratórios da extrema direita. Mas
como se chega lá?
Salvacionismo
Em
primeiro lugar, a delação de Odebrecht somente de forma rápida é apresentada
como um tsunami de lama a encobrir os alicerces de Brasília. A mira do
judiciário não se focou de forma “democrática” para o lado do PSDB, por
exemplo. Continua sendo Lula.
Em
que pese Odebrecht estar preso há dois anos e sua interessadíssima delação –
manifestação “livre” sob espada, como diria o teórico da soberania moderna
Thomas Hobbes – ter sido milimetricamente negociada e preparada, essas
inconstitucionalidades ou mesmo ilegalidades do processo não vêm mais ao caso.
Não vêm ao caso também a falta de provas ou de investigação.
Assim,
o que importa é o efeito simbólico que a repetição da delação “consistente” e
“detalhada” de Odebrecht produz instantaneamente na “opinião pública”. O que
importa é asfaltar o terreno para se avançar em direção a Lula. Como já disse
em outro lugar, a narrativa da mídia, que molda a realidade de acordo com seus
interesses editoriais, políticos e econômicos, essa “narrativa ficcional,
transformada em notícia e condenação em rede nacional modificam, pela imposição
social e política de sua “verdade”, o próprio processo jurídico. A
interpretação pronta que criminaliza é repetida — rotinizada — e convertida em
um fenômeno “natural”, isto é, que não necessita ser questionado em sua
naturalidade. As notícias que circundam os escândalos políticos nacionais são
organizadas segundo as características estruturais do drama — conflito
narrativo, personagens em ação dramática (mocinhos, vilões, testemunhas, etc.)
e lições de moral.”
A
narrativa aponta para a quadrilha de ladrões que assaltou o Estado, e que vai
se transformar na novela de que os políticos são todos ladrões, isto é o que
importa. Este discurso é tanto mais necessário quando não se alcança vitória
política pelas vias eleitorais normais. E ele vem desde a AP 470 e completa 12
anos.
Em
segundo lugar, outra conseqüência desse movimento em direção ao salvador da
pátria é que a ideia mesma da atividade política como elemento essencial da
vida social está sendo posta no sal.
E,
para adiantar o argumento, a lógica aqui é colocar no lugar dos corruptos um
governo “técnico”, “neutro” e “competente”. Esta é a receita das ditaduras. Ou,
no “mínimo”, de um governo fraco, gerenciado à distância por interesses
alienígenas. De qualquer forma, este movimento atinge gravemente a saúde
política de Temer.
Outro
elemento em direção ao salvacionismo é a fragilização dos políticos. A “Lista
de Fachin” colocou a classe política nas cordas e esta sofre de fato e de
direito um brutal ataque, orquestrado em dueto pelo Judiciário e pela mídia.
Se
por um lado a quase centena de políticos delatados pode esperar um tratamento
diferenciado, todos eles se tornam reféns da parceria Judiciário-Mídia. Serão
instados a andar na linha e não furar o esquema que prepara a fogueira para
Lula.
É
o caso, por exemplo, de Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado. Renan acenou
romper com Temer e se aproximar a Lula. Não vai durar solto – obviamente se for
preservado o andamento das denúncias seletivas da PGR no STF.
A
“Lista de Fachin” é, portanto, um freio de arrumação no golpe. Um movimento que
realinha ou que pretende realinhar as tropas em polvorosa ou em movimentos
variados de deserção.
Reação em
cadeia (ou na cadeia)
Os
delatados do Congresso Nacional provavelmente aproveitarão o fim de semana
turbulento para digerir a pancada e tentar minimamente uma reação. Ou se
manterão acocorados, aguardando instruções do golpe.
Uma
eventual reação poderá ser organizada em articulação com o Palácio do Planalto.
Se a reação não vier e for efetiva, o caminho de ambos, Congresso e Planalto,
continuará a ser traçado sob a batuta cada vez mais desinibida da República de
Curitiba.
Os
efeitos políticos da “Lava-Jato” atingem o seu auge, não somente por esquentar
as turbinas para garantir a inelegibilidade ou mesmo a prisão do Ex-Presidente
Lula, conforme já anunciado aqui há quase dois anos.
O
que estamos assistindo significa igualmente uma clara ruptura com o modelo do
“conservar mudando” da política nacional. A transação entre interesses variados
das elites se substitui pelo trator de uma agenda de desmonte que é pouco
afeita a negociações. Não há espaço para dissidências ou agendas paralelas.
Fragilizado, o país assiste impávido ao seu desmonte.
Vale
dizer que a Nova República não acabou com a queda de Dilma Rousseff ou mesmo
com a ascensão de Michel Temer, o preposto da Casa Grande que, a cada dia que
passa, se aproxima mais e mais do cadafalso.
A
República que a Ditadura Empresarial-Militar permitiu existir termina com o fim
do pacto das elites, especialmente com a entrada em cena deste novo ator
político que é o Judiciário – representados pelos próceres da “Lava-Jato”, pelo
STF, pelo TSE, mas não somente.
Em
lugar da democracia parcial, equilibrada precariamente no pacto constitucional
de 1988, está em gestação um novo momento, que pode ser o da Pós-Política, ou
como diz o professor e juiz Rubens Casara, o da Pós-Democracia. E pode ser este
o momento do fascismo, da manifestação da dominação através da violência pura e
simples, sem a necessidade da mediação de instituições. O país da “meganhagem”
como teme e lamenta o Ex-Ministro da Justiça e procurador Eugênio Aragão.
O
que é certo é que o negócio entre as elites econômicas e a classe política está
sendo implodido nos moldes atuais por esse Deus Ex Machina que são as
condenações instantâneas de reputação via televisão. O Judiciário, em posição
de obediência feliz, acena a reboque com o verniz de neutralidade dos
procedimentos jurídicos.
Ciro
Gomes, que foi deixado de lado pelo golpe até agora, talvez o tenha sido para
figurar como o elemento legitimador desse processo de submissão da democracia e
da política como formas de organizar o país. [Afinal, a blindagem de Ciro – ou
de qualquer um – independe, em tempos de exceção, dele ter ou não feito
qualquer coisa. Depende, isto sim, dele servir ou não, atrapalhar ou não o
andamento do golpe.] Se crescer nas pesquisas presidenciais, vai para a massa
de mira com a maior facilidade.
Outra
presidenciável, capaz de aglutinar ao seu redor as figuras que dão sustentação
ao golpe, Marina Silva, nada teve a dizer até agora e deve esperar quieta a
roda da fortuna eleitoral bater mais uma vez à sua porta.
O
PSDB, de forma ainda não dimensionada maculado pela “Lista de Fachin”, deixa de
ser o representante oficial do golpe e outros elementos, mais aventureiros, hão
de cumprir melhor, e de forma mais subserviente, o papel de governar o Brasil
para os outros. Oxalá o feriadão da Páscoa possa trazer nova luz e nova vida à
política, esta senhora somente não mais maltratada que a nossa finada
democracia.
http://www.ocafezinho.com/2017/04/12/pascoa-da-delacao/
Nenhum comentário:
Postar um comentário