Relator
do projeto de abuso de autoridade que está em discussão no Senado, Roberto
Requião (PMDB-PR) afirma que, ao contrário do que a mídia comercial, parte dos
parlamentares e integrantes do Ministério Público e do Judiciário querem fazer
crer à sociedade, ele atinge todo e qualquer servidor público, parlamentares de
todas as esferas –federal, estadual, distrital e municipal– procuradores,
juízes e militares. “Pega desde o policial militar, o fiscal até o juiz”,
garante Requião.
Um
exemplo da necessidade de aprovação da matéria é o relatório anual de 2016
divulgado pela Ouvidoria das polícias paulistas: houve um aumento de 78% nas
denúncias de abusos praticados por policiais do Estado ao longo do ano passado.
São casos de constrangimento ilegal, ameaça e agressão, entre outros, que todos
os dias são denunciados não só em São Paulo mas em todo o país. As maiores
vítimas são pobres e negros.
Os
principais adversários do projeto, de autoria do senador Renan Calheiros
(PMDB-AL), são justamente o juiz Sergio Moro e o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot. “Há uma preocupação muito grande da magistratura em relação ao
Projeto de Lei 280, sobre o abuso de autoridade, que tramita no Senado e pode
vir para a Câmara. Ninguém é favorável a qualquer abuso praticado por juiz,
promotor, ou por autoridade policial. Apenas o que se receia é que a pretexto
de se coibir abuso de autoridade seja criminalizada a interpretação da lei”,
disse o juiz Moro na quinta-feira, 30, durante audiência pública na comissão
especial do Código Penal, na Câmara dos Deputados.
Janot,
por sua vez, apresentou ao Congresso uma proposta alternativa que defende que
um agente público não poderá ser punido por abuso de autoridade se houver
divergência de interpretação de uma lei ou avaliação de fatos ou provas, desde
que apresente motivos para isso. O projeto do procurador-geral também deixa
claro que a punição por abuso deve atingir autoridades dos três Poderes, do MP
e dos tribunais de contas. “Nós, do serviço público, que trabalhamos de forma
responsável, não temos medo de uma lei de abuso de autoridade. Trouxemos uma
proposta de discussão de uma lei moderna e não corporativa”, disse.
O
relator do projeto, senador Roberto Requião, criticou a proposta de Janot, a
quem chamou de “Janot Tommaso di Lampedusa” (autor do clássico O Leopardo).
“Ele admite a existência dos crimes e se propõe a modificar algumas coisas para
que tudo continue como está”, ironizou, em discurso no plenário. Segundo
Requião, Janot quer o “perdão” para infrações cometidas por agentes públicos e
age por puro corporativismo, pressionado pela categoria. “Eu não vou aceitar
esse tipo de coisa”, reagiu, alfinetando Janot por não ter participado das
audiências públicas para a confecção do relatório.
Em
discussão desde 2009, o projeto sobre abuso de autoridade já foi amplamente
debatido, inclusive por Sergio Moro, que esteve em audiência no Senado durante
mais de cinco horas. Na época, a única divergência apontada por Moro foi
idêntica à de Janot. “Ele (Moro) queria a garantia da liberdade da
hermenêutica, que pretende aceitar tudo, reconhece os excessos dos agentes
públicos mas pretende indulgência plenária. Ele diz o seguinte: não será
considerado abuso de poder qualquer sentença ou despacho de juiz que tenha
fundamentação”, afirmou Requião.
O
senador pemedebista descartou essa possibilidade, mas, para evitar a
criminalização de mera divergência de interpretação jurídica, incluiu
dispositivo no primeiro artigo estabelecendo que não constitui crime de abuso
de autoridade o ato amparado em interpretação, precedente ou jurisprudência
divergentes, desde que não contrarie a literalidade da lei de abuso. Para
garantir a segurança jurídica, os tipos penais estão especificados e
salvaguardas estão previstas para evitar injustiças.
Roberto
Requião fez outra ressalva, de que a proposta de emenda constitucional que
acaba com o foro privilegiado seja votada ao mesmo tempo que a nova lei de
abuso de autoridade. De autoria do senador Alvaro Dias (PV-PR), a emenda está em
debate no plenário do Senado. Segundo ele, liberar o foro sem punição para
excessos seria absurdo.
“Nós
poderíamos ver um juiz de primeira instancia, concursado ontem, viabilizar o
depoimento coercitivo de um ministro do Supremo. Porque nós estamos vivendo
hoje um momento de interpretação hermenêutica aberta dos regulamentos legais
que levam a um abuso por parte de autoridades com uma constância monumental. Se
admitirmos o texto aberto, vamos chegar à conclusão de que não existe mais
crime de responsabilidade no Brasil. Qualquer administrador público, fiscal,
policial, promotor, juiz poderia interpretar a legislação ao seu alvitre.”
O
caso das conduções coercitivas do ex-presidente Lula e do blogueiro Eduardo
Guimarães sem terem sido convocados anteriormente a depor são dois exemplos
recentes de abuso de autoridade. Reclamar onde? Com quem? O mesmo acontece em
relação aos grampos ilegais, como o da conversa entre Lula e a ex-presidenta
Dilma, gravada mesmo depois de suspensa a ordem judicial e pior, vazada para a
imprensa.
O
substitutivo de Requião amplia os tipos de crime de abuso de autoridade para
alcançar condutas reprováveis, mas que não estavam tipificadas. A atual
legislação é defasada e muitas vezes não cumprida. O objetivo, segundo o
senador, é proteger os direitos e garantias fundamentais previstos na
Constituição de 1988, e assegurar que as sanções sejam realmente cumpridas. São
30 tipos penais e figuras equiparadas, descrevendo precisamente cada uma das
condutas incriminadas.
Entre
as punições previstas está, por exemplo, para o juiz que decretar prisão
preventiva, busca e apreensão de menor ou outra medida de privação da liberdade
não previsto na lei. Também considera crime fotografar, filmar ou divulgar
imagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima em processo penal,
sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento
ilegal. O artigo 17 considera crime submeter o preso, internado ou apreendido
ao uso de algemas ou ao de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento
dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, ameaça de
fuga ou risco à integridade física do próprio preso, da autoridade ou de outras
pessoas.
Além
das penas previstas nas infrações penais, a proposição estabelece repercussão
nos âmbitos cível e administrativo, o que inclui a obrigação de indenizar o
dano causado pelo infrator. No caso de reincidência, o autor ainda fica sujeito
à perda do cargo, mandato ou função pública, independentemente da pena
aplicada. A proposta promove ainda alterações em outras normas, como na Lei
7.960/1989, para prever que o mandado de prisão temporária contenha
necessariamente o período de duração, bem como o dia em que o preso deverá ser
libertado.
Há
ainda previsão de mudança no artigo 10 da Lei 9.296/1996, que trata de
interceptações telefônicas. Atualmente, tal artigo diz ser crime realizar
interceptações ou quebrar segredo de justiça sem autorização judicial. O
substitutivo inclui a realização de escuta ambiental.
A
leitura do texto de Requião provocou intenso debate na quarta-feira, 29, na
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Parte dos
senadores exigiram mais debate sobre o tema, o que vai adiar a votação da
matéria. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) reclamou da “pressa” e afirmou
que seria uma “clara retaliação à Lava Jato”. Para ele, o texto compromete
ações do Ministério Público, como as de busca e apreensão, e discordou de
Requião que os debates sobre fim do foro e abuso de autoridade aconteçam ao mesmo
tempo.
“Agora
teremos duas batalhas: aprovar o fim do foro e rejeitar o projeto sobre abuso
de autoridade. Esse debate sobre abuso de autoridade terá que acontecer em
algum momento, mas não agora, quando grande parte dos membros do Congresso e do
governo está sendo investigada. Agora esse debate não é nada senão uma
tentativa de embaraçar as investigações”, afirmou Randolfe.
Para
o debate, que deve ocorrer na semana que vem, foram chamados o ministro Gilmar
Mendes e os ex-ministros do STF, Aires Brito e Joaquim Barbosa.
Por Katia
Guimarães
(Com
informações da Agência Brasil e Agência Senado)
http://www.socialistamorena.com.br/requiao-projeto-de-abuso-e-para-todos/
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