Insta
esclarecer, inicialmente, que os estados exigem o tributo de ICMS incidente na
conta de energia elétrica sobre base de cálculo superior àquela legal e
constitucionalmente prevista, uma vez que a arrecadação estadual deste tributo
não está sendo cobrada apenas sobre o valor da "mercadoria", neste
caso a própria energia elétrica, mas, também, sobre as tarifas de uso do
sistema de transmissão e distribuição de energia elétrica proveniente da rede
básica de transmissão, as chamadas TUST/TUSD.
Vestibularmente
importa expor que é atribuição do Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS),
com prévia autorização da União Federal, exercer a operação e a administração
da rede básica de energia elétrica do país, de tal sorte que o acesso é livre a
todos residentes e domiciliado no país.
Neste
sentir, temos, pois, que a rede básica de transmissão e distribuição de energia
elétrica do país é composta por torres, cabos, isoladores, subestações de
transmissão e demais equipamentos que tem a função de operar tensões médias,
altas e super altas, ao passo que o sistema básico de transmissão administrado
pelo ONS, a sua utilização, por concessionários, permissionários e autorizados
depende da contratação de acesso ao sistema, conforme se depreende dos artigos
1º e 2º da Resolução Aneel 281/1999, de modo que o usuário remunera o ONS
mediante recolhimento da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), na
forma da referida resolução.
Assim,
tal tarifa tem sido suportada por todos que fazem uso da rede de transmissão,
quais sejam, a geradora da energia elétrica, o consumidor livre diretamente
conectado à rede básica, ou mesmo os consumidores cativos que pagam as tarifa
em suas contas.
Por
outro lado, temos, pois, que o sistema de distribuição é composto por postes,
cruzetas, isoladores, fios, transformadores e demais equipamentos que não
compreendam a rede básica, notadamente aqueles que operam em baixas tensões, de
direta responsabilidade das distribuidoras, cujo acesso também é livre a todos.
Para
que haja a contratação no mercado livre haverá a necessidade de celebrar um
contrato de uso dos sistemas de distribuição ou, no mercado cativo, mediante
contratação do fornecimento de energia elétrica, no entanto, nas duas hipóteses
deverá haver remuneração do uso da rede mediante recolhimento Tarifa de Uso do
Sistema de Distribuição.
O
presente artigo não visa esgotar o assunto, pelo contrário, apenas debater o
recolhimento do ICMS sobre as tarifas pagas em razão da conexão e do uso do
sistema de transmissão na entrada de energia elétrica em seu estabelecimento,
residência, empresa, entre outros.
No
Brasil a energia elétrica sempre foi considerada como mercadoria, sujeita,
portanto, à incidência do ICMS. Ao definir as hipóteses de incidência do ICMS,
a Lei Complementar 87/96 abrangeu, conforme o previsto no art. 155, inciso II,
da Constituição Federal, tão somente as operações relativas à circulação de
mercadorias. Sendo, nesta toada, a expressa determinação do artigo 2º da
referida Lei Complementar, conforme se depreende de seu texto, in verbis:
“Art.
2º - O imposto incide sobre:
I
- operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de
alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
(...).”
Ora,
as características técnico-científicas da energia elétrica não permitiria que
ela ficasse parada em um ponto esperando seu usuário fazer uso, logo, por
natural que ela fique circulando nas redes elétricas, seguindo seu fluxo normal
de condutividade até que algum usuário faça uso, de tal sorte que somente neste
instante o fato gerador do imposto ocorre, ou seja, somente quando o usuário
faz efetivo uso da energia é que há a entrega da mercadoria (energia elétrica),
que se perfaz com a “entrada” da energia no seu imóvel, ponto de uso da
energia, cujo entendimento acerca do assunto é comungado pela própria Agência
Nacional de Energia Elétrica.
Não
resta dúvida de que o ponto de entrega na mercadoria, aqui entendido como a
energia elétrica, é o relógio medidor e que somente neste instante será
possível individualizar o consumo junto ao usuário do serviço de energia
elétrica, momento único na relação de consumo que justifica a cobrança do
imposto, agora sim determinado o sujeito passivo da relação tributária.
Não
há lógica jurídica razoável capaz de justificar a cobrança do ICMS sobre as
tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da energia elétrica, uma
vez que em nome do princípio da legalidade tal cobrança é inexistente, logo,
põe em xeque o princípio constitucional da reserva legal, segundo o qual é
vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios exigir ou
aumentar tributos sem lei que o estabeleça.
Ora,
está claro que o contribuinte tem pago o TUST e o TUSD com fulcro no uso das
redes de transmissão e distribuição. Igualmente está claro que o imposto só
pode ser cobrado sobre a energia elétrica da mesma forma que se cobra das
mercadorias, ou seja, quando esta for efetivamente entregue ao usuário final.
Por
outro lado, há ainda que se considerar que o Superior Tribunal de Justiça, no
âmbito da súmula 166, exarou entendimento sólido quando afirmou que "Não
constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para
outro estabelecimento do mesmo contribuinte.", ou seja, evidente vedação à
tributação sobre valores que não decorram da circulação jurídica de
mercadorias, isto é, de um ato de mercancia propriamente dito.
Evidente,
ainda, que a cobrança tem ocorrido sob a égide da ilegalidade, uma vez que não
há ato de mercancia ou de circulação jurídica de mercadoria para tal cobrança,
já que está claro que a utilização da rede de energia elétrica é apenas uma
autorização e esta não é mercadoria, sendo certo que o Estado deveria deixar de
cobrar o imposto por evidente impossibilidade de incidência do ICMS sobre os
encargos de transmissão ou distribuição, TUST e TUSD.
Indissociável
que a cobrança do tributo de ICMS sobre a utilização da rede de distribuição
disponível deveria ocorrer imediatamente, mas nos parece que os estados não têm
interesse em deixar de arrecadar vultoso montante financeiro que esta tributação
indevida lhe guarnece.
Todavia,
os tribunais de todo Brasil estão abarrotados de ações discutindo a indevida
cobrança e ao se consolidar o entendimento nos Tribunais Superiores, o que já
tem ocorrido parcialmente, certamente o buraco no orçamento será
incomensurável, o que nos faz pensar se tais ações não serão
"agraciadas" pelo STF com sua tão politicamente aplicada
"modulação dos efeitos" impedindo, inclusive, que contribuintes que
estão buscando o Poder Judiciário sejam impedidos de requererem via repetição
do indébito os últimos cinco anos pagos indevidamente.
O
Poder Judiciário não pode ser conivente, ainda que seja por inércia, com os
atos abusivos do Poder Executivo, permitindo-lhe exigir dos contribuintes
brasileiros um tributo alto, que nitidamente viola a Carta Magna.
Assim,
em nosso humilde entendimento, caberia ao Poder Público deixar de cobrar
imediatamente o ICMS Energia incidente sobre o TUST e sobre o TUSD, inclusive,
restituindo cada contribuinte dos últimos cinco anos de arrecadação indevida,
seja por iniciativa própria executiva/legislativa, seja por determinação
judicial.
Luciana Rodrigues de
Moraes é advogada graduada em Direito pela Faculdade de Direito Prof. Damásio
de Jesus e especializada em História da Filosofia e Recursos nos Tribunais
Superiores.
Revista
Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2017, 11h30
http://www.conjur.com.br/2017-jan-28/nao-logica-cobrar-icms-tarifa-transmissao-energia?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
Nenhum comentário:
Postar um comentário