Eu
tinha uma coluna pronta. Todavia, quando li a matéria a seguir, resolvi fazer
outra. Deu-me muito trabalho. Semana cheia. Terça publiquei o artigo Foro
Privilegiado: “Supremo em Números” (FGV) não é Números Supremos. Quem não leu
ainda, faça-o já.
Sigo.
Não bastassem tantas polêmicas o envolvendo, — como a recente ilegal e
arbitrária condução coercitiva e a violação do sigilo da profissão do blogueiro
Eduardo Guimarães — Sergio Moro não pode ficar 24 horas sem os holofotes. Falem
mal, mas falem. Agora ele mesmo está deixando de cumprir algo que assinou.
Incrível. E o que assusta é o modo como ele decide e o silêncio eloquente dos
democratas. Poucos reclamam.
O
que quero falar e denunciar é a ilegalidade flagrante da possibilidade do uso
da imagem do ex-presidente Lula no filme sobre a Policia Federal (que por
certo, dará o Oscar para Pindorama — já imagino a Glória Pires comentando o filme
sem tê-lo visto). Já denunciei aqui que os atores do filme “oscarizando”
fizeram um tour pelas celas, porque queriam ver os “dentes dos presos”.
Lembremos
que no despacho em que autorizou a condução coercitiva de Lula, Moro afirmou
que "NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser
filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do
ex-presidente para a colheita do depoimento". Atenção: os dois “NÃOS”
maiúsculos são da ordem original de Moro.
Pronto:
não deve ser filmado em hipótese alguma. Não deve ser permitida, tanto quanto
possível a filmagem (por terceiros e pela própria Polícia Federal) do seu
deslocamento. O que se entende disso? Que qualquer filmagem do ex-presidente
sendo conduzido estava proibida. Qualquer filmagem. E a filmagem de seu
deslocamento (foi de carro até o aeroporto) também não devia ser permitida.
Portanto, qualquer filmagem é ilegal. Írrita. Nenhuma. Ou seja; se em hipótese
alguma deveria haver filmagem, mesmo que alguma fosse feita, por óbvio não
poderia ser utilizada pela Polícia Federal. E nem cedida a qualquer diretor de
filmes. Simples assim.
Pois
bem. Diante de revelações feitas para diferentes veículos de comunicação, nas
quais atores do já famoso filme e até mesmo o diretor afirmam — sem nenhum
segredo — que tiveram acesso aos vídeos gravados pela Polícia Federal, a defesa
de Lula apresentou nova petição no dia 27 de março de 2017. Os advogados de
Lula juntam entrevista do produtor do filme, Tomislav Blazic, na qual afirma ao
jornal Folha de S.Paulo que havia feito “acordo sem precedentes” com a Polícia
Federal. Vejam: “acordo sem precedentes”. Sem querer, acertou: não há
precedentes de tamanha bizarrice.
O
que mais precisa demonstrar? O filme pronto e o estrago feito? Na Idade Média
era permitida a tortura por ordem judicial. Mas o réu podia interpor recurso
para a instância superior. Com um detalhe: não tinha efeito suspensivo. Bingo.
Algo como o que está ocorrendo com os estragos feitos por determinadas decisões
judiciais pindoramenses. Feito o estrago, depois vem ou um pedido de desculpas
ou uma “explicação” tipo “dou-me conta de que, de fato, blogs podem ser
equiparados a jornais”. Mas aí Inês já é morta.
A
primeira petição dos advogados foi respondida com uma sutil ironia pelo juiz
Sergio Moro, que afirmou que não podia impor censura a veículos de comunicação
ou mesmo à produção de algum filme. Bingo de novo. Genial. Ele proíbe a
filmagem e depois, uma vez usada à socapa e à sorrelfa essa filmagem, lava as
mãos, posando de liberal porque não pode impor censura. Desta vez o Brasil
ganha ou o Oscar com a película ou o Nobel pela decisão “anticensura”.
A
parte melhor da decisão de Moro é quando afirma que a petição dos advogados de
Lula se baseava apenas em reportagem jornalística, não sendo apresentada
qualquer gravação durante a condução coercitiva. Para Moro, se qualquer veículo
de comunicação ou produção do filme tivesse tido acesso às imagens,
provavelmente estas já teriam sido disponibilizadas.
“Provavelmente”
é bom, não? Mas o Direito lida com “provavelmente”? E se tivessem sido
disponibilizadas as gravações? Isso resolveria o quê? Por óbvio que o tal filme
não pode utilizar as imagens de Lula sendo conduzido coercitivamente. Mesmo que
Moro não tivesse dito que NÃO (e disse), ainda assim não poderiam usar.
Há
de ter um Tribunal neste país que barre esse tipo de autoritarismo e
ilegalidade. O filme está quase pronto. Se for lançado e isso não tiver sido
resolvido, estaremos em face do “fator tortura do medievo”: uma vez torturado,
adianta ganhar o recurso se o ferro quente já lanhou o lombo do vivente?
Será
que ainda há juízes em Berlim? Porto-me, aqui, como o Moleiro de Sans Souci. O
Imperador Frederico pode tudo ou pensa que pode tudo. Mas, como disse o pobre
Moleiro, não tiro o meu moinho daqui nem a pau, Juvenal (essa parte do “nem a
pau Juvenal” parece que não consta na frase original do Moleiro — não sou
cineasta, mas faço minha licença poética). O Moleiro tinha certeza que, mesmo
contra o poder despótico do Imperador da Prússia, haveria de ter um juiz que
lhe daria razão. Bingo para o moleiro. Esse moleiro deveria vir ministrar aulas
nas faculdades de Direito de Pindorama.
Enfim,
a literatura sempre corre à frente do Direito. Por exemplo, as decisões de Moro
parecem a manifestação do personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do
Espelho, de Lewis Caroll. Ali ele, o personagem Humpty Dumpty, dá às palavras o
sentido que quer. Para quem não leu: discutindo sobre o papel do
“desaniversário”, Humpty Dumpty diz para Alice que é melhor que haja 364 dias
destinados ao recebimento de presentes — que são os desaniversários — e somente
um de aniversário. É a glória para você, aduz Humpty, pois poderá receber, em
vez de um, 364 presentes. Ela responde: mas isso não pode ser assim. E Humpty
Dumpty complementa: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que
quero que ela signifique: nem mais, nem menos”. Como consta no livro, é o fim
“demolidor” de uma discussão.
Por
isso, feliz desaniversário, Dr. Sergio Moro. Afinal, mesmo que hoje não seja o
seu aniversário (que, como sabemos — e é também o meu caso — só ocorre uma vez
por ano), podemos comemorá-lo em qualquer dia dos outros 364. Afinal, as
palavras valem o que queremos que elas valham, certo?
Mundo,
mundo, vasto mundo; se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima... mas não seria
uma solução, dizia Carlos Drummond de Andrade. Nem vou falar do juiz Azdak, do
livro O Círculo de Giz Caucasiano, também adaptável à situação. Mas o texto
ficaria longo e nestes tempos de pós-verdades, isso afasta o leitor, que gosta
mesmo é de drops.
De
todo modo, para quem quiser, eis o vídeo do programa Direito & Literatura.
http://www.conjur.com.br/2017-mar-30/senso-incomum-moro-palavras-sentido-direito-atraves-espelho
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