Vamos
recuperar os fatos.
Terça-feira
(21 de março), o juiz Moro manda a PF bater à porta do blogueiro Eduardo
Guimarães. Acontece a famigerada “condução coercitiva”: sem jamais ter sido
intimado antes nesse processo, sem jamais ter se recusado a depor, Eduardo é
arrastado de casa num camburão. Presta depoimento sem a presença de advogado. E
é intimidado pela PF que, a mando do juiz Moro, quer saber:qual foi a fonte que
passou a ele, Eduardo, a informação de que Lula seria vítima da etapa de número
24 da Lava-Jato? Eduardo avisou Lula ou assessores dele?
No
mesmo dia 21 de março de 2017, milhares de pessoas se mobilizam e denunciam a
ação autoritária do juiz de camisas negras. O sigilo da fonte é garantia
constitucional! Mas Moro alega que Eduardo não é jornalista, e por isso não
teria direito a tal proteção.
Parêntesis:
em 26 de fevereiro de 2016, Eduardo publicara em seu conhecido blog um texto em
que revelava ter recebido informações de dentro da Lava-Jato, dando conta de
que Lula e família seriam alvo de operação. Dia 4 de março, Lula sofre condução
coercitiva, confirmando a informação publicada por Eduardo. O blogueiro
cumprira papel de jornalista, adiantando a informação em alguns dias. E isso
mesmo sem ganhar a vida como jornalista. Mas Moro resolve fustigá-lo, abalando
dois pilares da democracia: o sigilo da fonte e a livre expressão.
Ricardo
Noblat, Reinaldo Azevedo, André Forastieri, Kennedy Alencar, Bob Fernandes e
outros jornalistas conhecidos (alguns deles sem nenhuma afinidade ideológica
com Eduardo) se manifestam contra a ação abusiva do juiz de camisas negras. Da
mesma forma o fazem a organização Repórteres sem Fronteiras, o enviado da OEA
para Liberdade de Expressão e o prestigiado site internacional The Intercept.
Publicam-se
críticas duras a Moro, o juiz inquisidor. Mais que isso: o Brasil e o mundo
percebem que Moro usara sua função pública para se vingar de um blogueiro que é
crítico ferrenho da Lava-Jato e que mantem com Moro duros contenciosos – no CNJ
e na Justiça Federal.
Mas
o fato mais importante: na terça à noite (dia 21 de março), a Globo noticia a
prisão arbitrária de forma surpreendente. Ao invés de escrachar Eduardo (como
fizera com outros presos da Lava-Jato), a emissora publica uma longa “nota
pelada” (nome técnico para notícia de TV lida pelos locutores, sem imagem) em
que dá tempos semelhantes às justificativas de Moro e às criticas contra a ação
dele.
O
recado da Globo foi claro: “você, juiz de primeira instância, ultrapassou os
limites ao prender alguém para que revele suas fontes”.
Moro
piscou. Dois dias depois, quinta-feira (23 de março) o juiz publicou uma
decisão pusilânime: tentou se justificar, ressaltando que Eduardo entregou as
fontes para os interrogadores da PF, sem ter sofrido grandes pressões, o que
denotaria que ele “não é um verdadeiro jornalista”. Mesmo assim, o juiz se
mostrou arrependido e mandou que dos computadores e dos celulares apreendidos
de Eduardo não se extraiam provas que ajudem a quebrar o sagrado sigilo da
fonte.
Touché!
A
decisão não significou que Moro reconheceu o erro. Mas que ele se ajoelhava
para a Globo.
O
JN dera o recado dois dias antes: não abuse, querido!
Moro
devolveu, na contra-dança da hipocrisia: meu alvo é só o blogueiro (e através
dele espero chegar em Lula), mas não tocarei no sagrado sigilo da fonte (até
porque, cá entre nós, já imaginou se a Policia mostrar as conversas de Merval,
digamos, com Serra, ou os acertos da família Marinho com um Gilmar Mendes?).
Moro
se ajoelhou. E então a Globo, nesta quinta (dia 23), voltou à carga. Agora,
sim, à vontade para atacar Eduardo Guimarães.
A
reportagem do JN nesta quinta foi amplamente favorável à Lava-jato, dando a
entender que o blogueiro é parte de uma trama maquiavélica contra a Justiça. De
forma abjeta, o JN cita até um “relacionamento amoroso” entre a auditora fiscal
(que seria a responsável primeira pelo vazamento) e um jornalista de Curitiba –
que por sua vez teria repassado toda a papelada a Eduardo em São Paulo.
Qual
a relevância de falar do “relacionamento amoroso”, a não ser um
constrangimento? O policial ou procurador que passou essa informação adiante sabe
bem o efeito que ela pode ter entre os acusados.
Está
claro que Moro não recuou coisa nenhuma diante da reação dos jornalistas. Ele
só se ajoelhou à Globo, a quem presta reverência.
E
o mais grave: ele reconhece que errou ao avaliar que Eduardo não teria direito
a sigilo da fonte. Mas faz isso depois de ter quebrado o sigilo telefônico de
Eduardo, justamente para localizar as fontes (a auditora e o jornalista de
Curitiba).
Moro
age, portanto, com cinismo. E a Globo acata essa dança hipócrita. Mais do que
acatar, a Globo é quem comanda a dança.
Mas
o juiz pode ter arrumado confusão.
Eduardo
devolveu hoje, narrando de forma minuciosa a maneira intimidatória como foi
preso e interrogado – sem que se permitisse a ele o acompanhamento de um
advogado. E mais: ao prender Eduardo, Moro na verdade já sabia quem teriam sido
as fontes – porque quebrara o sigilo telefônico do blogueiro.
Ou
seja: Moro hipocritamente reconhece que Eduardo tem direito a sigilo da fonte,
e por isso manda que se expurguem dos autos provas que ameacem tal sigilo. Mas
esse reconhecimento vem depois que o juiz já cometeu a ilegalidade: quebrou o
sigilo telefônico de Eduardo atrás da fonte.
Moro
fez isso com um blogueiro. Amanhã pode fazer com qualquer um.
A
figura de Moro, como juiz medieval, começa a correr o mundo. Com suas camisas
negras, ele age não como magistrado, mas como parte da acusação.
O
objetivo, já que fracassaram as investigações ridículas do pedalinho e do
tríplex, é acusar Lula de obstrução da justiça e destruição de provas (com
ajuda de Eduardo).
Chega
a ser ridículo. O ex-presidente precisaria do alerta de um blogueiro para
destruir provas (se esse fosse o caso)? Mais que isso: Eduardo noticiou a
possibilidade de quebra de sigilo fiscal de Lula e família. Que prova poderia
ser destruída, se tal sigilo diz respeito a informações armazenadas em arquivos
públicos da Receita sobretudo?
http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/geral/38041/
Um comentário:
Cada vez que leio uma mídia alternativa, mais me convenço que essa operação lava jato é muito mais política do que jurídica.
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