sábado, 25 de março de 2017

PROTESTOS REABREM DISPUTA CONTRA GOLPISMO. Por Tatiana Carlotti, no site Carta Maior

“Moderadamente otimista com as espetaculares manifestações contra a reforma da Previdência”, o jornalista Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFBC e quadro político do PSOL, debateu o futuro da esquerda, na última segunda-feira (20 de março), durante sua participação nas Jornadas de 2017 – É hora de voltar a pensar!

“A possibilidade de vitória é pequena mas existe”, avaliou Maringoni, ao comentar que pela primeira vez, desde as eleições de 2014, as manifestações populares reabriram a disputa contra o golpismo no país. “Reabriram porque a reforma da previdência é a única reforma concreta para ampla maioria das pessoas. É ficar sem aposentadoria, sem o seu direito, na miséria. ”

Sobre as manifestações da última semana e o apoio inédito da população à greve do metrô, expresso inclusive nos noticiários, Maringoni comemorou a entrada do tema da previdência na agenda nacional, discutido não apenas na pauta da imprensa ou do Congresso, mas nas conversas cotidianas da população brasileira. “Podem votar a votação que for, mas a narrativa [do governo Teme] perde”.

Outro episódio sintomático da reação popular foi “aquele aluvião de gente" durante a inauguração popular da transposição do Rio de São Francisco, no Sertão da Paraíba, com a presença do ex-presidente Lula, no último domingo (19 de março). “Foi uma derrota para o governo [Temer] a presença do Lula com todo o significado que ele tem e todo significado que tem 2018”.

Apesar do “respiro” proporcionado por esses dois episódios, o desmonte do país avança. Citando a votação da terceirização no Congresso - a matéria foi aprovada nesta quarta-feira (22.03.2017) - Maringoni destacou que não se trata apenas do desmonte da CLT, mas de um acordo democrático de 74 anos na sociedade brasileira. “Muito mais do que a Constituição de 1988, o que está sendo desmontado é o pacto feito por [Getúlio] Vargas no bojo de um projeto nacional”, considerou.

Na sua avaliação, as medidas levadas a cabo por Temer e o projeto de governo que está em vigor não se sustenta por dois motivos: “pela própria natureza do golpe atual e porque o projeto de Temer não para em pé, nem do ponto de vista liberal”.

Natureza do golpe

Explicando as diferenças entre o Golpe de 1964 e o golpe atual, Maringoni lembrou que o primeiro não foi um golpe liberal, mas um golpe voltado a fortalecer “um Estado concentrador e autoritário”; enquanto o segundo se trata “de um golpe ultraliberal”.

O que deflagrou 1964, explicou, foi um "grande acordo entre o setor do capital privado nacional com o capital privado internacional que era liberal, mas minoritário em relação às forças efetivas que deram o golpe: os militares. Estes não eram liberais, mas agentes do Estado e funcionários de carreira de Estado stricto sensu. Isso faz uma grande diferença”.

Do ponto de vista político, apontou Maringoni, o objetivo foi conter a força das massas populares que se organizaram ao longo do século XX, entrando na cena política durante a Revolução de 1930. Além disso, o golpe visava impedir a “consolidação de um pensamento nacional desenvolvimentista, de construção do Estado de modo mais democrático”.

Já do ponto de vista econômico, o objetivo era a resolução de uma questão insolúvel no período: “o déficit crônico no balanço de pagamentos, intrínseco ao modelo nacional desenvolvimentista de substituição de importações". A partir de um breve panorama sobre a industrialização brasileira, Maringoni detalha que esse déficit foi gerado pelas demandas de infraestrutura e de importação de equipamentos, maquinários e outros, surgidas durante o processo de consolidação da indústria de bens de consumo duráveis no país, entre 1930 e 1950.

O Golpe de 1964, neste sentido, "veio impor uma reorientação da concentração de capitais, com investimento pesado na construção do terceiro departamento da indústria - a indústria de bens de capital - para resolver o problema da importação de máquinas e equipamentos". Neste processo, dois projetos conviveram dentro do golpe: o do capital privado liberal e minoritário; e o projeto daqueles que deram o golpe.

Ele destacou, inclusive, que um dos primeiros atos na seara econômica da ditadura militar foi a promoção de uma recessão planejada, com pesado arrocho salarial. O objetivo era reduzir o custo do trabalho "para importar capital e construir este terceiro departamento da indústria":

“Os militares organizaram a força de trabalho em preços mais baixos, contiveram reajustes e reivindicações com repressão pesada, preparando o salto adiante: o período de superacumulação, o milagre brasileiro”, complementou Maringoni.

Ele também enfatizou a importância do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), durante o período Geisel. Em sua avaliação, do ponto de vista econômico, foi neste momento que “se completou a cadeia produtiva nacional e as indústrias de bens de produção se estabeleceram", o terceiro marco no projeto iniciado por Vargas em seus dois mandatos. Um projeto, alertou, que se encontra sob desmonte hoje.

Maringoni também destaca, daquele período, o ano de 1974 como “início da campanha liberal no Brasil”, quando começou uma forte reação dos empresários brasileiros ao projeto de estatização da ditadura militar. Recuperando os episódios em torno da ruptura entre os liberais e o setor estatizante, Maringoni considerou que “a ditadura caiu por força de uma campanha democrática nossa e liberal do empresariado que transitou entre se somar ao golpe para se somar conosco naqueles anos”.

O Golpe atual

Destacando a série de desmontes promovidas pelo Governo Temer, Maringoni identificou “o último espasmo do desenvolvimentismo” durante a Constituição de 1988, quando as conquistas sociais foram inseridas na Carta Magna. Em sua avaliação, “já no governo Sarney”, a Constituição passa a ser destruída. Uma prática seguida pelos governos Collor e Fernando Henrique.

Essa destruição só seria estancada durante os governos Lula. “Os anos do lulismo são contraditórios, mas eles pararam o processo privatizante em todas as esferas”. Apesar de não ter havido “ganhos e direitos perenes” durante este período, Maringoni reconheceu medidas importantes da era Lula, como a recomposição do Estado e do funcionalismo público, a montagem das universidades federais, entre outras.

“Era um projeto desenvolvimentista contraditório”, reiterou, ao ponderar a impossibilidade, "já que estamos em outra época", dos governos Lula terem tido a mesma força que tiveram os governos Getúlio e Geisel, "até porque o primeiro Getúlio e o Geisel foram ditaduras. No período democrático, quando o mundo está se ultra-neoliberalizando, nós fizemos um esforço de contenção”. O golpe atual, concluiu, é justamente uma reação contra esse esforço de contenção.

Citando um gráfico trabalhado pelo economista Pedro Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que traz a curva dos aumentos reais de salário e do aumento de produtividade entre 2004 e 2012, Maringoni destaca que os reajustes salariais foram bem acima da curva de produtividade. “Quando a curva dos aumentos salariais está acima da curva da produtividade, isso significa que eles estão retirando menos mais valia do trabalhador.”

Esse gráfico explica o golpe. O reajuste real do salário mínimo, as categorias que tiveram aumento reais de salário são inadmissíveis para o capital. E isso aconteceu em 2008”, destacou.

O tempo corre contra eles

Maringoni também analisou a inviabilidade do projeto Temer para o país. “Toda lógica é retomar o fluxo de capital para o Brasil em um mundo em contração, extremamente competitivo”. Ele inclusive detalhou alguns equívocos que estão sendo colocados em prática, por exemplo, a opção de Temer e cia. em “reduzir ao máximo o custo do trabalho para importar capital”.

Ao considerar que “o custo hora do trabalhador brasileiro está mais baixo do que o de um trabalhador chinês”, Maringoni lembrou que, por outro lado, com as privatizações, os preços dos custos de energia e de comunicação explodiram no país. "Não conseguimos reduzir os preços da energia, das telecomunicações e da infraestrutura, só conseguimos comprimir salário. Então eles dizem ´vamos jogar o preço dos salários lá embaixo para atrair capital´”.

Outra falácia é política monetária do governo. “Quando você não tem o dólar em patamar elevado, todas as suas mercadorias ficam no comércio internacional com moeda forte. Então, eu estou enxugando gelo. Diminuo meu custo de produção, mas na moeda onde esses custos serão produzidos com salários arrochados, eles estarão cotados em moeda forte, em um valor altíssimo e sem competitividade internacional”.

Resultado: a série de reformas do governo Temer vai criar um “constrangimento social brutal no país, sem nenhuma segurança de que este modelo se sustente no médio prazo”.

2018

No entanto, destacou, o governo Temer tem pressa em aprová-las. O porquê da pressa se justifica: “agora é 2018". Lembrando que 40% do Congresso ou mais estão envolvidos nas operações da Lava Jato, Maringoni salientou que “perder foro privilegiado não é perder o mandato ou influência política, mas quase certeza de cana, de cadeia”.

Frente a isto, “eles têm de correr para que a memória dessas votações não fique” na sociedade. “Se demorar demais, além da crise avançar, a solução social também pode avançar. O tempo corre contra eles”. Além disso “a direita não tem candidato".

A questão que se impõe para direita é como impedir a candidatura Lula. E mais: "como impedir o Lula, por conta de dois pedalinhos e um triplex que já se provou não ser dele”, quando existem R$ 50 milhões na conta do Aécio Neves" segundo delações na Lava Jato, por exemplo?

Citando a série de conflitos e disputas que emergem na direita e se manifestam, inclusive, entre os ideólogos do golpe, Maringoni destacou que “cassar o Lula está ficando cada vez mais difícil”, mas a possibilidade não pode ser descartada:

“A direita, como a gente sabe, não tem comitê central. Você tem um juiz de primeira instância querendo aparecer. Podem cassar [o Lula] se existir um tonto de primeira instância que vai contar para a mamãe que cassou o Lula. Mas vai ser uma aventura isso”.


http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Maringoni-u21CManifestacoes-populares-reabrem-disputa-contra-o-golpismo-u21D/4/37891

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