“Moderadamente
otimista com as espetaculares manifestações contra a reforma da Previdência”, o
jornalista Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFBC e
quadro político do PSOL, debateu o futuro da esquerda, na última segunda-feira
(20 de março), durante sua participação nas Jornadas de 2017 – É hora de voltar
a pensar!
“A
possibilidade de vitória é pequena mas existe”, avaliou Maringoni, ao comentar
que pela primeira vez, desde as eleições de 2014, as manifestações populares
reabriram a disputa contra o golpismo no país. “Reabriram porque a reforma da
previdência é a única reforma concreta para ampla maioria das pessoas. É ficar
sem aposentadoria, sem o seu direito, na miséria. ”
Sobre
as manifestações da última semana e o apoio inédito da população à greve do
metrô, expresso inclusive nos noticiários, Maringoni comemorou a entrada do
tema da previdência na agenda nacional, discutido não apenas na pauta da
imprensa ou do Congresso, mas nas conversas cotidianas da população brasileira.
“Podem votar a votação que for, mas a narrativa [do governo Teme] perde”.
Outro
episódio sintomático da reação popular foi “aquele aluvião de gente"
durante a inauguração popular da transposição do Rio de São Francisco, no
Sertão da Paraíba, com a presença do ex-presidente Lula, no último domingo (19
de março). “Foi uma derrota para o governo [Temer] a presença do Lula com todo
o significado que ele tem e todo significado que tem 2018”.
Apesar
do “respiro” proporcionado por esses dois episódios, o desmonte do país avança.
Citando a votação da terceirização no Congresso - a matéria foi aprovada nesta
quarta-feira (22.03.2017) - Maringoni destacou que não se trata apenas do
desmonte da CLT, mas de um acordo democrático de 74 anos na sociedade
brasileira. “Muito mais do que a Constituição de 1988, o que está sendo
desmontado é o pacto feito por [Getúlio] Vargas no bojo de um projeto
nacional”, considerou.
Na
sua avaliação, as medidas levadas a cabo por Temer e o projeto de governo que
está em vigor não se sustenta por dois motivos: “pela própria natureza do golpe
atual e porque o projeto de Temer não para em pé, nem do ponto de vista
liberal”.
Natureza do
golpe
Explicando
as diferenças entre o Golpe de 1964 e o golpe atual, Maringoni lembrou que o
primeiro não foi um golpe liberal, mas um golpe voltado a fortalecer “um Estado
concentrador e autoritário”; enquanto o segundo se trata “de um golpe
ultraliberal”.
O
que deflagrou 1964, explicou, foi um "grande acordo entre o setor do
capital privado nacional com o capital privado internacional que era liberal,
mas minoritário em relação às forças efetivas que deram o golpe: os militares.
Estes não eram liberais, mas agentes do Estado e funcionários de carreira de
Estado stricto sensu. Isso faz uma grande diferença”.
Do
ponto de vista político, apontou Maringoni, o objetivo foi conter a força das
massas populares que se organizaram ao longo do século XX, entrando na cena
política durante a Revolução de 1930. Além disso, o golpe visava impedir a
“consolidação de um pensamento nacional desenvolvimentista, de construção do
Estado de modo mais democrático”.
Já
do ponto de vista econômico, o objetivo era a resolução de uma questão
insolúvel no período: “o déficit crônico no balanço de pagamentos, intrínseco
ao modelo nacional desenvolvimentista de substituição de importações". A
partir de um breve panorama sobre a industrialização brasileira, Maringoni
detalha que esse déficit foi gerado pelas demandas de infraestrutura e de
importação de equipamentos, maquinários e outros, surgidas durante o processo
de consolidação da indústria de bens de consumo duráveis no país, entre 1930 e
1950.
O
Golpe de 1964, neste sentido, "veio impor uma reorientação da concentração
de capitais, com investimento pesado na construção do terceiro departamento da
indústria - a indústria de bens de capital - para resolver o problema da
importação de máquinas e equipamentos". Neste processo, dois projetos
conviveram dentro do golpe: o do capital privado liberal e minoritário; e o
projeto daqueles que deram o golpe.
Ele
destacou, inclusive, que um dos primeiros atos na seara econômica da ditadura
militar foi a promoção de uma recessão planejada, com pesado arrocho salarial.
O objetivo era reduzir o custo do trabalho "para importar capital e
construir este terceiro departamento da indústria":
“Os
militares organizaram a força de trabalho em preços mais baixos, contiveram
reajustes e reivindicações com repressão pesada, preparando o salto adiante: o
período de superacumulação, o milagre brasileiro”, complementou Maringoni.
Ele
também enfatizou a importância do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND),
durante o período Geisel. Em sua avaliação, do ponto de vista econômico, foi
neste momento que “se completou a cadeia produtiva nacional e as indústrias de
bens de produção se estabeleceram", o terceiro marco no projeto iniciado
por Vargas em seus dois mandatos. Um projeto, alertou, que se encontra sob
desmonte hoje.
Maringoni
também destaca, daquele período, o ano de 1974 como “início da campanha liberal
no Brasil”, quando começou uma forte reação dos empresários brasileiros ao
projeto de estatização da ditadura militar. Recuperando os episódios em torno
da ruptura entre os liberais e o setor estatizante, Maringoni considerou que “a
ditadura caiu por força de uma campanha democrática nossa e liberal do
empresariado que transitou entre se somar ao golpe para se somar conosco
naqueles anos”.
O Golpe atual
Destacando
a série de desmontes promovidas pelo Governo Temer, Maringoni identificou “o
último espasmo do desenvolvimentismo” durante a Constituição de 1988, quando as
conquistas sociais foram inseridas na Carta Magna. Em sua avaliação, “já no
governo Sarney”, a Constituição passa a ser destruída. Uma prática seguida
pelos governos Collor e Fernando Henrique.
Essa
destruição só seria estancada durante os governos Lula. “Os anos do lulismo são
contraditórios, mas eles pararam o processo privatizante em todas as esferas”.
Apesar de não ter havido “ganhos e direitos perenes” durante este período,
Maringoni reconheceu medidas importantes da era Lula, como a recomposição do
Estado e do funcionalismo público, a montagem das universidades federais, entre
outras.
“Era
um projeto desenvolvimentista contraditório”, reiterou, ao ponderar a
impossibilidade, "já que estamos em outra época", dos governos Lula
terem tido a mesma força que tiveram os governos Getúlio e Geisel, "até
porque o primeiro Getúlio e o Geisel foram ditaduras. No período democrático,
quando o mundo está se ultra-neoliberalizando, nós fizemos um esforço de
contenção”. O golpe atual, concluiu, é justamente uma reação contra esse
esforço de contenção.
Citando
um gráfico trabalhado pelo economista Pedro Gala, professor da Fundação Getúlio
Vargas de São Paulo, que traz a curva dos aumentos reais de salário e do
aumento de produtividade entre 2004 e 2012, Maringoni destaca que os reajustes
salariais foram bem acima da curva de produtividade. “Quando a curva dos
aumentos salariais está acima da curva da produtividade, isso significa que
eles estão retirando menos mais valia do trabalhador.”
Esse
gráfico explica o golpe. O reajuste real do salário mínimo, as categorias que
tiveram aumento reais de salário são inadmissíveis para o capital. E isso
aconteceu em 2008”, destacou.
O tempo corre contra
eles
Maringoni
também analisou a inviabilidade do projeto Temer para o país. “Toda lógica é
retomar o fluxo de capital para o Brasil em um mundo em contração, extremamente
competitivo”. Ele inclusive detalhou alguns equívocos que estão sendo colocados
em prática, por exemplo, a opção de Temer e cia. em “reduzir ao máximo o custo
do trabalho para importar capital”.
Ao
considerar que “o custo hora do trabalhador brasileiro está mais baixo do que o
de um trabalhador chinês”, Maringoni lembrou que, por outro lado, com as
privatizações, os preços dos custos de energia e de comunicação explodiram no
país. "Não conseguimos reduzir os preços da energia, das telecomunicações
e da infraestrutura, só conseguimos comprimir salário. Então eles dizem ´vamos
jogar o preço dos salários lá embaixo para atrair capital´”.
Outra
falácia é política monetária do governo. “Quando você não tem o dólar em
patamar elevado, todas as suas mercadorias ficam no comércio internacional com
moeda forte. Então, eu estou enxugando gelo. Diminuo meu custo de produção, mas
na moeda onde esses custos serão produzidos com salários arrochados, eles
estarão cotados em moeda forte, em um valor altíssimo e sem competitividade
internacional”.
Resultado:
a série de reformas do governo Temer vai criar um “constrangimento social
brutal no país, sem nenhuma segurança de que este modelo se sustente no médio
prazo”.
2018
No
entanto, destacou, o governo Temer tem pressa em aprová-las. O porquê da pressa
se justifica: “agora é 2018". Lembrando que 40% do Congresso ou mais estão
envolvidos nas operações da Lava Jato, Maringoni salientou que “perder foro
privilegiado não é perder o mandato ou influência política, mas quase certeza
de cana, de cadeia”.
Frente
a isto, “eles têm de correr para que a memória dessas votações não fique” na
sociedade. “Se demorar demais, além da crise avançar, a solução social também
pode avançar. O tempo corre contra eles”. Além disso “a direita não tem
candidato".
A
questão que se impõe para direita é como impedir a candidatura Lula. E mais:
"como impedir o Lula, por conta de dois pedalinhos e um triplex que já se
provou não ser dele”, quando existem R$ 50 milhões na conta do Aécio
Neves" segundo delações na Lava Jato, por exemplo?
Citando
a série de conflitos e disputas que emergem na direita e se manifestam,
inclusive, entre os ideólogos do golpe, Maringoni destacou que “cassar o Lula
está ficando cada vez mais difícil”, mas a possibilidade não pode ser
descartada:
“A
direita, como a gente sabe, não tem comitê central. Você tem um juiz de
primeira instância querendo aparecer. Podem cassar [o Lula] se existir um tonto
de primeira instância que vai contar para a mamãe que cassou o Lula. Mas vai
ser uma aventura isso”.
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Maringoni-u21CManifestacoes-populares-reabrem-disputa-contra-o-golpismo-u21D/4/37891
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