Depois
de ler e reler as propostas de reforma da Previdência do Governo, depois de
ouvir desde os meus conterrâneos lá nos fundões do Paraná até qualificados
especialistas no assunto, concluo: estamos diante de um dos maiores embustes da
história brasileira. Mais que isso, estamos diante de uma das maiores
crueldades que se ousou perpetrar contra o nosso povo.
Talvez
ela seja comparável com a monstruosa emenda constitucional que pretendeu
congelar por 20 anos os gastos públicos no país.
Com
uma diferença: como suponho que o país não enlouqueceu completamente, o
congelamento dos gastos será revogado no devido tempo. Mas a pretendida reforma
previdenciária preocupa. Ela, caso aprovada, será mais difícil de ser
cancelada.
É
que a PEC da Morte, como ficou conhecida, fere não apenas os interesses gerais
da sociedade, mas também grupos de interesse que giram em torno do Estado. Já a
Previdência é uma instituição do povo e para o povo, embora dela se beneficiem
também alguns grupos corporativos.
O
grande capital, os grupos financeiros, os especuladores jamais lutarão por uma
Previdência Social decente e justa no Brasil.
Ao
contrário, eles estão por trás das grandes pressões em favor da reforma
apresentada por Henrique Meireles e Michel Temer.
Não
vou me ater a todos os aspectos particulares da reforma proposta. Já são
suficientemente conhecidos deste plenário e da própria população.
Aliás,
várias entidades da sociedade civil apresentaram estudos examinando-a em
profundidade, mostrando de forma definitiva, cabal a sua impropriedade.
Destaco,
no entanto, entre os itens mais malignos, facinorosos, a mudança nas regras de
aposentadoria.
Querem
agora exigir um mínimo de 65 anos de idade e contribuição de 25 anos para
aquisição desse direito, que sequer é uma aposentadoria integral, mas apenas
50% de uma média. Não, não vou me ater a detalhes. Vou procurar mostrar a
natureza das forças fundamentais que estão por trás do projeto.
Em
uma palavra, o que se pretende, com a iniciativa Meirelles/Temer, é abastardar
a Previdência contributiva pública – a Previdência financiada pelos
trabalhadores e pelos patrões - a fim de piorá-la, degenerá-la para abrir
espaço para a previdência privada, financiada apenas pelos trabalhadores.
Com
isso, milhões de brasileiros serão expelidos de qualquer forma de proteção,
pois perderão a Previdência pública e não terão como pagar a privada.
O
mais grave é que toda a reforma está concebida, funda-se em uma falácia. A
Previdência contributiva pública não tem déficit. Na verdade, ela faz parte do
Sistema de Seguridade Social instituído pela Constituição de 88. As fontes de
financiamento do sistema cobrem suas despesas, e a pequena parte que não é
coberta o Governo Federal, por mandato constitucional, tem que cobrir.
Contudo,
em lugar de cumprir esse mandato constitucional, o Governo, desde 1989,
sequestra recursos da seguridade para pagar juros da dívida pública e cobrir os
rombos do orçamento fiscal.
Comete-se,
portanto um crime social em larga escala!
Até
aqui, os programas de privatização dos sucessivos governos visavam a setores
produtivos, com apenas algumas exceções.
Mas,
agora se trata de privatizar um serviço social vital para o povo, abrindo
espaço para áreas ainda mais sensíveis como o abastecimento de água.
Outras
áreas de serviços, como aeroportos, também em processo de privatização, não
afetam o consumidor em larga escala, exceto pelo alto custo das tarifas que
lhes são impostas.
Evidencio
um ponto adicional: a chamada transição etária. A justificação do Governo para
a emenda é que a população brasileira está envelhecendo e a acumulação futura
de aposentadorias pode comprometer o equilíbrio do fundo previdenciário.
Isso
é, de novo, um grande embuste, uma fraude!
A
expectativa de vida dos brasileiros é extremamente diferenciada por região –
pode variar entre 53 e 78 anos -, e não faz sentido ter uma única referência de
idade para todos.
O
mais grave, contudo, é que o sistema atuarial no qual se baseou o Governo para
fazer suas projeções previdenciárias de longo prazo – até 2060! – está fundado
em estimativas absolutamente equivocadas!
Por
que equivocadas?
Porque
tais estimativas, essenciais para determinar o equilíbrio futuro do sistema,
ancora-se em dados de 2002, de maneira determinista, mecânica. Ou seja, os
resultados são tidos como certos, fatais. Entretanto, todas as estimativas
feitas para a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO, para cumprir determinação
legal, desde 2002, revelaram-se erradas, de acordo com estudo coordenado pelos
economistas Denise Gentil e Cláudio Puty.
Portanto,
estamos diante de um projeto de emenda fundado em bases falseadas, mal
formuladas, mal concebidas e profundamente prejudiciais para a sociedade
brasileira.
Apenas
a absoluta insensibilidade do Congresso e, particularmente deste Senado,
resultaria em aprovação do monstrengo.
Como
disse, só se compara a essa iniciativa a delituosa emenda 55, aqui desgraçadamente
aprovada, embora a pretendida reforma da Previdência tenha um conteúdo de
impiedade ainda maior, pois se abate sobre a parte mais vulnerável da população
brasileira.
Conclamo
às senhoras e senhores senadores a examinar essa questão não apenas com as
mentes, mas também com o coração.
Afinal,
é manter um mínimo de justiça social através do sistema de seguridade social
brasileira.
Não
basta que sejamos um dos países líderes da desigualdade social, o que mais cava
fundo e intransponível o fosso entre os que mais têm e os que nada têm?
Não
basta que tenhamos sido o último país a, pelo menos formalmente, acabar com a
escravidão, o que, até hoje, produz sequelas gravíssimas?
Não
basta? Querem mais ainda? Querem agora eliminar uma das poucas possibilidades de
os brasileiros terem um mínimo de dignidade e de proteção na velhice?
Por
favor, não me venham com o discurso falacioso do déficit ou aquela indecência
de que é preciso reformar hoje para garantir o amanhã.
Por
fim, insisto e reforço quatro pontos:
1º
- Em 2015, 79% das pessoas que se aposentavam por idade não conseguiram
contribuir por 25 anos. Sua média de contribuição era de sete meses em um ano.
Portanto,
no regime proposto pelo Governo, para se aposentar teriam que continuar
contribuindo muito além dos 65 anos. Não é apenas um equívoco. É uma crueldade.
2º-
Chamo de novo a atenção das senhoras e dos senhores para esta informação: o
sistema atuarial no qual o Governo se baseou para estimar a situação a longo
prazo da Previdência (até 2060) é totalmente equivocado, para não dizer
desonesto. As projeções são distorcidas, conforme demonstraram de forma
irrespondível os pesquisadores Denise Gentil e Cláudio Puty, no documento
“Plataforma Política Social”, publicado pela Associação Nacional dos Auditores
Fiscais da Receita Federal e outras instituições.
Notem
que na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO deve-se, todo o ano,
fazer projeções sobre as perspectivas da Previdência. Isso deveria considerar
no mínimo três cenários possíveis, associado cada um a probabilidades, mas o
Governo leva em consideração apenas um, como se fosse uma tendência única, e
não apenas probabilística. Com isso, erros de estimativa comprovado de receita
em determinados anos chegam a 35%, mesmo quando se usam apenas os próprios
dados oficiais.
3º-
Uma das principais razões pelas quais o Governo subestima exageradamente o
déficit a longo pazo da Previdência é que ele usa, como base de suas projeções,
a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2009.
Ora,
sabemos que em 2008, como consequência da crise internacional, a economia e o
emprego, base da Previdência, afundaram. A partir daí as estatísticas do IBGE
superestimam a despesa e subestimam a receita. A única justificativa para isso
é o propósito deliberado de dizer que a Previdência pública vai falir, a fim de
preparar logo o espaço para a entrada no vácuo da previdência privada.
4º
- Para justificar a reforma, o Governo estabeleceu comparações de expectativa
de vida com outros países, notadamente com a OCDE. Eis outra fonte de distorção
e manipulação. Temos um país imenso, com grande diversidade de situações.
A
expectativa de vida difere de lugar para lugar, não só entre regiões, mas até
mesmo dentro de uma mesma cidade.
Em
São Paulo, por exemplo, no Alto Pinheiros, a expectativa de vida é de 79,5
anos; no Grajaú, de 56. Não faz nenhum sentido basear a Previdência numa
expectativa de vida média, pois isso seria uma tremenda discriminação contra os
pobres, muitos dos quais não chegariam a aposentar-se porque morreriam antes da
aposentadoria.
À
guisa de conclusão, como se dizia antigamente, refiro-me à uma antiquíssima,
cinco vezes centenária prática nacional de nossas classes mais abastadas e
também das nem tanto endinheiradas: a sonegação.
Segundo
estimativas consideradas bastante conservadoras, apenas meia centena de grandes
empresas brasileiras devem cerca de 500 bilhões de reais à Previdência.
Quinhentos
bilhões!
Mas,
como é tradição neste país que rico não paga imposto, pretendem escorchar,
esfolar, esbulhar, saquear, roubar os trabalhadores e os idosos para suprir um
fantasioso, mentiroso, fraudulento déficit da Previdência.
Não
vamos permitir que aprovem esse absurdo!
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/robertorequiao/286744/Desvendando-as-mentiras-da-Reforma-da-Previd%C3%AAncia-para-impedi-la.htm
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