“Se
a economia é que, em geral, mais impacta as pessoas, não devemos nos distrair
em relação aos outros setores da vida social. Um fenômeno que parece, ao mesmo
tempo, se dar também em vários países do mundo, o Brasil testemunha neste
momento uma triste desaceleração e recuo em iniciativas de resgate da dignidade
popular. Somada à crise econômica que, como sempre, atinge de modo mais
draconiano e covarde os empobrecidos, observamos, claramente, no país, na
política e nos direitos sociais, uma guinada conservadora e neoliberal”, afirma
o Professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, Reitor da PUC Minas e Bispo
Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, em declaração publicada por Núcleo
de Estudos Sociopolíticos – PUCMG, 03-03-2017.
Segundo
o reitor, “nenhuma nação pode realizar-se em meio a tanta desigualdade. É papel
precípuo da Universidade não só expressar sua solidariedade às massas de
pobres, trabalhadores empregados ou não, homens e mulheres de boa vontade e de
todas as idades, como também contribuir para a formação da consciência crítica,
cidadã, ecológica integral, progressista, ética, arejada, humanizada,
inclusiva, justa e livre”.
Eis o texto.
Os
brasileiros precisamos ter a consciência da gravidade do momento político,
social, econômico e moral que vivemos nos últimos meses. No difícil ano de
2016, o país viu-se diante de projetos e decisões congressuais – alguns já
implementados – que claramente trarão em curto e médio prazos consequências
graves para os trabalhadores e os pobres. O rotundo silêncio do presente
contrasta, inexplicavelmente, com o rotundo barulho do ontem.
A
conscientização e mobilização contra a chamada PEC 241 na Câmara Federal e PEC
55 no Senado, que mereceu nossa atenção e apoio, não lograram resultado. Como
compreender a lógica do corte no social e na educação e ao mesmo tempo o
aumento nos ministérios, nos salários de algumas categorias já bem enriquecidas
em relação à grande massa de assalariados e desempregados no país? Assuntos
outros como a polêmica reforma do ensino médio, a redução da maioridade penal,
a reforma da Previdência Social, a transferência da responsabilidade pela
demarcação das terras indígenas do Poder Executivo para o Legislativo, como
inapetência do Estado frente ao contínuo agravamento das condições de vida das
populações indígenas, as mudanças no estatuto do desarmamento, as alterações em
leis trabalhistas, o preenchimento de inúmeros cargos importantes com
políticos, empresários e juristas sob suspeita ou em adiantado processo de
investigação apontam, infelizmente, para sérios retrocessos em diversas
conquistas que resultaram da mobilização de milhões de brasileiros desde tempos
antigos como o da Constituinte, por exemplo.
É
inegável que são propostas que, a despeito das fartas justificativas e
explicações de natureza econômica e financeira, significarão ainda mais riscos,
perdas e sacrifícios para os pobres. Mas não apenas estes. Famílias da chamada
classe média veem rapidamente diminuir seu poder de compra, tendo que adiar
sonhos como o de possuir o imóvel próprio, aumentar a família, formar os filhos
na universidade ou que seja viajar e descansar da rotina de trabalho, cada vez
mais massacrante e, com a pretendida reforma da previdência, com perspectivas
muito longínquas de aposentadoria. A mortalidade precoce ronda cada vez mais as
micro e pequenas empresas, que mal conseguem pagar os salários de seus poucos
funcionários.
Mas
a reação governamental a isso tem sido, por um lado, a defesa dos interesses do
grande capital e, por outro, a exigência de sacrifícios dos mais pobres e a
agudização das condições de sobrevivência da microeconomia e da própria
economia doméstica. Mais do que poupado, o sistema financeiro é novamente
privilegiado. Como no mundo todo, os bancos vão bem melhor que o país. Aliás,
difícil lembrar no Brasil algum momento em que banqueiros tenham reclamado de
decisões econômicas. A mais terrível síndrome brasileira da Casa Grande &
Senzala arraigada no modus operandi, faciendi e vivendi sociopolítico,
governamental, empresarial e, assombremo-nos todos, também do Judiciário.
Se
a economia é que, em geral, mais impacta as pessoas, não devemos nos distrair
em relação aos outros setores da vida social. Um fenômeno que parece, ao mesmo
tempo, se dar também em vários países do mundo, o Brasil testemunha neste
momento uma triste desaceleração e recuo em iniciativas de resgate da dignidade
popular. Somada à crise econômica que, como sempre, atinge de modo mais
draconiano e covarde os empobrecidos, observamos, claramente, no país, na
política e nos direitos sociais, uma guinada conservadora e neoliberal.
Importantes
conquistas em termos dos dispositivos e dinâmicas de participação democráticas
nas políticas públicas e diretamente nos governos dos municípios e estados via
associações de bairros, de categorias profissionais, grupos sociais e redes de
apoio comunitário vão se fragilizando e desmaterializando. É lamentável
observar como a cidadania no Brasil, mantida historicamente em situação anêmica
e emudecida, volta a ser constrangida, na exata hora em que se reanimava e
reunia forças para erguer a cabeça e caminhar.
Pode-se
mencionar aqui as paradoxais medidas de imputar penalmente os adolescentes –
pessoa adulta em formação – e permitir que os recém-adultos possam portar armas
de fogo, o que certamente não significará a diminuição ou maior controle da
violência. Pelo contrário, tudo sugere que aumentará a verdadeira guerra civil
que, anualmente, dizima dezenas de milhares de brasileiros em mortes por arma
de fogo, especialmente os mais jovens e negros, muitos pelas forças que deviam proteger
a população. Tragédia sobre a qual a sociedade simplesmente silencia.
Assim
como também a mídia e a maior parte da sociedade não se pronunciam sobre o
gravíssimo momento enfrentado pelas populações indígenas brasileiras. Nesses
quase 30 anos de vigência da Constituição, que estabeleceu avanços importantes
de proteção aos direitos indígenas e das populações tradicionais, essas
comunidades estejam enfrentando hoje, talvez, os riscos mais graves do que em
qualquer outro momento dessas três décadas. É a conclusão de um relatório
apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. O
relatório chama a atenção para um aspecto que parece bem sintomático do Brasil
atual, em que o Estado insiste em viver divorciado da sociedade civil. O país
dispõe de uma série de disposições constitucionais exemplares em relação aos
povos indígenas, mas não as aplica, e o que se percebe é a deterioração intensa
das condições de vida desses povos.
Nenhuma
nação pode realizar-se em meio a tanta desigualdade. É papel precípuo da
Universidade não só expressar sua solidariedade às massas de pobres,
trabalhadores empregados ou não, homens e mulheres de boa vontade e de todas as
idades, como também contribuir para a formação da consciência crítica, cidadã,
ecológica integral, progressista, ética, arejada, humanizada, inclusiva, justa
e livre.
http://www.ihu.unisinos.br/565447-a-guinada-conservadora-ameaca-os-pobres-afirma-reitor-da-puc-minas
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