Profissionais
de diversas áreas, professores universitários, juízes e ativistas de inúmeros
movimentos sociais e organizações progressistas defendem o nome de Beatriz
Vargas Ramos – professora de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de
Direito da Universidade de Brasília (UnB) – para uma
"anticandidatura" ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em manifesto e
abaixo-assinado divulgado na internet, os apoiadores da anticandidata afirmam
que, com ela, defendem o Estado Democrático de Direito, a soberania nacional, o
pluralismo político, uma sociedade em que a propriedade seja subordinada à
função social e vários outros princípios, alguns dos quais inscritos no artigo
5° da Constituição (que trata de direitos e garantias fundamentais).
O
contexto da anticandidatura é a “situação em que a ilegitimidade do governo
constituído (de Michel Temer) compromete todos os processos políticos
regulares, esvaziados de sua sustentação democrática”. A indicação do ministro
da Justiça afastado, Alexandre de Moraes, para a vaga de Teori Zavascki no STF,
nesse cenário, é ilustrativa. "Entendemos que o governo Michel Temer não
tem legitimidade para indicar nenhum nome ao Supremo", diz Beatriz, em
entrevista à RBA. "O nome de Moraes diminui o Supremo."
Beatriz
explica que sua anticandidatura à mais alta corte do país "não é uma
candidatura para valer", mas, com ela, pretende desenvolver uma "ação
política de catalisação das discussões importantes que passam pela pauta do
Supremo".
Assim
como outros representantes do campo progressista, caso do deputado Wadih Damous
(PT-RJ), Beatriz Vargas critica as nomeações ao STF pelos ex-presidentes Luiz
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Eles nomearam nada menos do que 13
ministros ao Supremo, dos quais oito ainda estão no tribunal, e mesmo assim o
PT sofreu duras derrotas na Ação Penal 470 ("mensalão") e no processo
de impeachment de Dilma. Cezar Peluso, Carlos Alberto Menezes Direito, Ayres
Britto, Eros Grau e Joaquim Barbosa, todos nomeados por Lula, já não fazem
parte da corte.
"Acho
que subestimaram a importância do Supremo. Ou a importância de colocar no
tribunal nomes de juízes que não representassem o pensamento conservador do
campo jurídico", diz a professora da UnB.
Qual
o significado de sua anticandidatura?
A
anticandidatura não é uma candidatura para valer. Não queremos meu nome no
Supremo. Entendemos que o governo Michel Temer não tem legitimidade para
indicar nenhum nome ao Supremo. É uma ação política de catalisação das
discussões importantes que passam pela pauta do Supremo e uma fala de
indignação com os nomes que representam o conservadorismo no campo do direito
que estavam sendo apadrinhados e, agora, ainda mais, com a indicação do nome de
Alexandre Moraes, que é contrário a tudo que defendemos na área da política
criminal, da segurança pública, política penitenciária. O nome dele diminui o
Supremo.
No
entanto está colocado e deve ser ministro...
Há
uma grande probabilidade de ser o Alexandre Moraes, porque esse processo fica
na mão da Presidência da República, que já fez seu papel ao indicar, e divide
isso com o Senado, na Comissão de Constituição e Justiça. Dificilmente, pela
composição dessa comissão, o nome de Alexandre de Moraes seria barrado.
Institucionalmente, não temos como interferir no processo. Estamos ocupando um
espaço que não é institucional, para levantar que esse nome não passa no crivo
dos direitos humanos, dos direitos sociais, e tentando colocar nossa voz, de
pessoas da universidade ou de fora dela, dentro do Senado, que tem se mostrado
bastante insensível a essas vozes.
Como
avalia o papel do Supremo no processo de impeachment?
O
Supremo não apenas poderia, mas deveria ter entrado de maneira mais profunda na
discussão sobre a ilegalidade do processo. Não quiseram entrar no mérito. Okay,
mas poderiam ter entrado no aspecto formal da chamada condição da ação. A
condição para o impedimento é a existência do crime de responsabilidade, e o
Supremo deveria ter entrado aí, e não entrou porque não quis. Isso para nós é
omissão.
O
ministro Marco Aurélio diz que não foi golpe, mas uma decisão das duas casas do
Congresso.
Ou
seja, foi uma decisão política sem nenhum controle jurídico. Foi a política nua
e crua, sem delimitação. Não é o Supremo que deve julgar crime de
responsabilidade em processo de impeachment. Nisso estamos de acordo. Mas antes
de chegar no mérito, existem questões preliminares que deveriam ter sido
analisadas pelo Supremo. A condição da ação condenatória passa pela análise
jurídica sobre se os fatos imputados são ou não crime de responsabilidade. O
Supremo não quis falar sobre isso.
O
deputado Wadih Damous (PT-RJ) critica os governos do PT dizendo que tiveram
oportunidade de nomear muitos ministros do STF, e, segundo ele, "errou a
não mais poder” nomeando os que nomeou. Qual sua opinião sobre isso?
Qual
o fundamento, quais os argumentos que ele usa?
Teori
Zavascki, por exemplo, com um perfil técnico e um bom nome, que aparentemente
não se dobraria à opinião pública, nesse aspecto, segundo Damous, foi
decepcionante, como no caso dos grampos contra Lula e Dilma.
Estou
de acordo. Acho que a superexposição midiática do Supremo produziu uma espécie
de acovardamento dos ministros no cumprimento do papel contramajoritário.
Ficaram reféns da opinião pública, ou opinião publicada. TV demais auxilia ou
não o trabalho do Supremo?
Eu
também critico os governos do PT, por duas razões. O ex-presidente Lula e a
presidenta Dilma erraram nas indicações. Primeiro porque nenhum dos dois tinha
uma compreensão boa, exata ou perfeita do papel do Supremo no cenário político
e jurídico brasileiro. Acho que subestimaram a importância do Supremo. Ou a
importância de colocar no tribunal nomes de juízes que não representassem o
pensamento conservador do campo jurídico. Há ministros menos conservadores, que
são até do centro, como o (Luís Roberto) Barroso, o (Luiz) Fachin, mas no papel
que desempenham no Supremo não estamos convencidos dessa centralidade deles.
Outra coisa é que tanto Lula quanto Dilma ficaram meio que dependentes das
cúpulas do Judiciário. Os nomes (indicados por eles) agradavam a cúpula do
Judiciário.
Isso
aconteceu com a Procuradoria-Geral da República também?
Também,
a mesma coisa. Pode até não serem todos os nomes, mas boa parte deles
(ministros nomeados por Lula e Dilma) agradavam a cúpula do Judiciário,
normalmente dos conservadores, do ponto de vista político. Todo juiz tem um
entendimento político. O discurso da neutralidade do juiz não convence. Ninguém
obriga um juiz a ser neutro, e nem pode, politicamente. O que não pode é
transformar a ação jurídica numa resposta às suas ideias políticas. O referencial
para o juiz no tribunal não é sua filiação ideológica, mas a lei. Como juiz
ativista, o Supremo tem pelo menos um que se destaca muito, o ministro Gilmar
Mendes. Chega de juiz ativista, nem de um lado nem de outro.
O
PT no poder teria subestimado, mais do que o STF, o Direito como um todo, como
já disse Bandeira de Mello?
Eu
acho, também. Mas não é um problema só do PT. É um problema das esquerdas em geral. Elas têm a
tendência de acreditar que o campo jurídico é sempre o da manutenção do status
quo, e que ninguém vai mudar nada pelo Judiciário. A tendência de subestimar é
por essa premissa.
Tenho
dito que não precisamos, nem gostamos de juízes heróis. Precisamos de juízes
que limitem seu poder decisório ao critério da lei, da Constituição. O juiz não
pode ser insensível socialmente. Um juiz insensível para a questão social é um
péssimo juiz. E são muitos. Estamos vendo um desfile deles. Onde eles estavam
escondidos? Esse monte de juízes punitivistas, racistas, machistas,
segregadores. Pensando até no papel das universidades, como estamos produzindo
esse tipo de profissional? O debate do Judiciário não é fácil, mas nós
precisamos fazer. A Suprema Corte é um órgão de extraordinária importância para
o encaminhamento de qualquer grande questão de interesse público.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/279892/'N%C3%A3o-precisamos-nem-gostamos-de-ju%C3%ADzes-her%C3%B3is'-diz-anticandidata-ao-STF.htm
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