No
Brasil que transformou o Carnaval de 2017 num protesto inesquecível contra
Michel Temer, o esforço para construir a candidatura presidencial de Luiz
Inácio Lula da Silva ganhará novo fôlego após a Quarta-Feira de Cinzas.
Estimulado
por personalidades ligadas à resistência democrática, a começar por Chico
Buarque e Leonardo Boff, em conversas reservadas ocorridas nos últimos dias,
Lula tem deixado claro que está inteiramente convencido de que deve assumir de
uma vez por todas a candidatura a presidente da República na sucessão de Michel
Temer.
Quando
os interlocutores perguntam se estaria disposto a voltar à presidência do
Partido dos Trabalhadores, que em 2017 enfrenta a mais grave crise em quase 40
anos de história, a resposta de Lula tem
sido um não categórico. Ele deixa claro que compreende a necessidade de ocupar cargos na direção do partido e
participar dos debates essenciais que irão ocorrer antes e depois do próximo
Congresso, a realizar-se em junho.
Mas,
com a autoridade de quem lidera todas as pesquisas eleitorais, em função do
reconhecimento popular pelas políticas econômicas favoráveis ao crescimento e
distribuição de renda associadas a seu governo, o compromisso é concentrar-se
na candidatura presidencial e discutir propostas que possam ajudar o Brasil a
vencer a pavorosa crise -- econômica, social, política -- em que se encontra. A
ideia central, aqui, é debater com urgência propostas de crescimento, visto
como eixo que deve centralizar as preocupações com os destinos -- próximos e
remotos -- dos brasileiros.
Dias
atrás, a economista Laura Tavares levou a Lula dados sobre a Previdência que
confirmam uma verdade fundamental no debate político fundamental dos próximos
meses, tanto no Congresso como nos sindicatos e na casa de cada família de
trabalhadores. Os números mostram que a saúde financeira de nosso sistema
público de aposentadorias não envolve uma discussão no vazio de especialistas e
consultores alinhados, mas alimenta-se
de um componente essencial -- o comportamento da economia. Assim, nos anos de
crescimento e ampliação do emprego com carteira assinada, a Previdência ganhou
uma contabilidade saudável e até produziu receitas superiores a seus gastos. Já
nos períodos de recessão, perda de empregos e isenções de contribuições,
tragédia acentuada com o desemprego recorde após o golpe, ocorreu aquilo que até uma criança
poderia imaginar -- os números se tornaram negativos. A ideia é deixar claro
que essa realidade não constitui nenhuma surpresa ma permite reafirmar uma
noção que Lula estabeleceu durante em seus oito anos de mandato: um país como o Brasil não tem alternativa além
de crescer, crescer ou crescer.
No
ambiente de dúvidas imensas que alimentam a conjuntura política de 2017, que envolvem
inclusive a capacidade de sobrevivência
de Michel Temer até 2018, o debate sobre o lançamento da candidatura Lula se
apoia numa visão sobre o golpe parlamentar partilhada por dirigentes e quadros
experimentados do PT e dos movimentos sociais que têm participado de muitas
conversas.
A
análise é que a partir de maio de 2016, quando a Câmara aprovou o afastamento
de Dilma, entrou em movimento um golpe que não se reduz a um lance único, mas
deve ser compreendido como uma sequencia de operações destinadas a construir um
estado de exceção. Desse ponto de
vista, toda avaliação sobre o papel político de Lula na conjuntura só pode ser
compreendido em acordo com a visão das partes interessadas.
Para
os aliados de Temer e demais beneficiários do golpe, não apenas no universo
político, mas também na República de Curitiba, Lula é o principal entrave para
a consolidação do novo estado de coisas. Numa comparação que este blogueiro já
explicitou em artigos anteriores neste espaço, em 2017 Lula tornou-se um personagem que, a exemplo de Juscelino Kubitschek em 1964,
encontra-se no ponto de encruzilhada do momento político.
Caso
Lula seja removido de cena à força -- como ocorreu com JK, cassado dois meses
depois da queda de Goulart -- a evolução política irá avançar em direção ao enfraquecimento ainda maior da
resistência democrática ao mais radical projeto conservador em curso no país
desde o fim da República Velha, em 1930.
Caso tenha seus direitos políticos preservados, e, como candidato, possa fazer o debate sobre os rumos do país,
expressando uma visão legítima, apoiada por uma parcela respeitável da
população -- a mesma que assegurou
quatro vitórias consecutivas em eleições presidenciais, feito raro em
qualquer democracia moderna -- a evolução será em outra direção.
Não
é preciso confundir as coisas. O que se trata, como prioridade, é impedir um
veto a sua candidatura -- no estilo que, em 1955, os adversários quiseram impor
a JK, alvo de sucessivas maquinações antes, durante e depois de uma vitória
clara nas urnas. Caso uma eventual candidatura de Lula não seja vitoriosa nas
urnas, hipótese prevista em toda disputa eleitoral digna desse nome, a
preservação de seus direitos políticos representa a continuidade da democracia
nascida com a carta de 1988, que criou o mais amplo regime de liberdades desde
a Independência, que assegurar o
respeito absoluto a liberdade de expressão e de opinião.
Essa
convicção -- de que um veto a Lula é absolutamente inaceitável -- contribui
para o desgaste de Ciro Gomes junto a diversos interlocutores do presidente.
Sem deixar de reconhecer o comportamento leal que Ciro demonstrou em vários
momentos, inclusive na AP 470, eles avaliam que Ciro só conforta os adversários do campo político à esquerda
quando diz que a candidatura de Lula é um "desserviço" ao pais.
Para
começar, é uma postura que não o aproxima de eleitores do PT, que, obviamente
não acham que a candidatura Lula faz mal ao Brasil. Outro problema é que não
consegue dar ao próprio Ciro com um traço essencial a toda liderança política,
em particular numa situação de beira de abismo -- a capacidade de colocar-se
acima de projetos pessoais.
Um
dado animador para a campanha de Lula reside na temperatura política interna do
PT. Guardiã da memória do partido e sua principal fonte de energia nas horas
difíceis da luta política, a militância tem ensaiado um movimento rumo às
próprias raízes, a partir de um balanço crítico do golpe e dos erros cometidos
no governo e no Congresso. Uma amostra desse novo momento tornou-se visível quando
a bancada de deputados foi forçada a renunciar a uma aliança com Rodrigo Maia
para a presidência da Câmara, sendo levada a apoiar uma candidatura de oposição
a Temer. Não se trata de um gesto isolado, mas de uma nova melodia, que
contraria a postura que se verificava em tempos recentes.
O
preço cobrado por 13 anos consecutivos de governo federal, somados ao
impressionante conjunto de prefeituras conquistadas e acumuladas, foi um
esvaziamento do partido, que perdeu quadros e dirigentes para as funções de
Estado. O PT também perdeu autoridade nas discussões políticas, em grande parte
monopolizadas por quem se ocupava das funções de governo -- ou assumia funções
parlamentares. O golpe contra Dilma,
somado ao massacre municipal, modificou essa situação e abriu a necessidade do
partido se revalorizar, tornando-se um centro real de discussão e tomada de
decisão, o que só irá reforçar sua importância política. O debate sobre a nova
direção, tema principal do Congresso, ganha uma importância particular em função
disso.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/282384/Lula-vem-a%C3%AD-%E2%80%93-e-isso-%C3%A9-muito-bom.htm
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