A
9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença
que condenou o Estado a pagar danos morais a um homem denunciado pelo
Ministério Público, equivocadamente, pelo crime de estupro. Ele só se livrou da
acusação ao ser ouvido na fase de instrução criminal, quando ficou claro que o
possível criminoso era seu homônimo. Apesar da gravidade do “erro grosseiro”, o
colegiado reduziu pela metade o valor da indenização para R$ 10 mil.
De
acordo com o entendimento do colegiado, o estado é parte legítima para
responder pelos transtornos decorrentes de intimação equivocada de pessoa
homônima para comparecer a juízo criminal. Afinal, o ente público responde
objetivamente pela conduta de seus servidores que, de alguma forma, vierem a
causar danos a terceiros — conforme o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição.
Na
inicial indenizatória, o autor disse que foi acusado injustamente de ter
abusado sexualmente de menor. Afirmou que o equívoco poderia ser evitado se
fosse chamado a prestar depoimento na polícia, na fase de inquérito. Sustentou
que a as autoridades policiais não foram eficientes na correta identificação do
suspeito.
Citado
pela Vara Judicial de Nova Petrópolis, o governo do RS apresentou contestação.
Alegou que diversos fatores contribuíram para o indiciamento errado do autor.
Além do homônimo, o autor tinha antecedentes que o colocavam como forte
suspeito do crime. Suscitou a aplicação do princípio do in dubio pro societate,
afirmando que a absolvição no processo criminal não gera direito indenizatório.
O
juiz Franklin de Oliveira Netto ponderou, inicialmente, que o “histórico
policial” contribuiu para que fosse responsabilizado pelo fato criminoso, já
que figura como autor de atentado violento ao pudor contra três meninas menores
de 12 anos em outro inquérito. Apesar disso, ressaltou, a autoridade policial
tinha o dever de conduzir a investigação com mais cautela.
“Restando
inviável a localização do suspeito na fase inquisitorial, deveria ter
oportunizado o reconhecimento fotográfico. Há fotografia do autor nos registros
policiais, que se fosse apresentada à vítima e sua genitora, certamente,
possibilitaria excluir a suspeita lançada indevidamente contra sua pessoa”,
complementou na sentença.
Por
isso, o juiz entendeu estar configurada a responsabilidade civil do Estado em
arcar pelos danos causados ao autor — que são presumidos. “O fato de ter sido
indiciado e denunciado por crime de elevada gravidade certamente lhe causou
abalo moral, seja pelo fato de ser chamado a responder processo criminal, seja
pela mácula lançada sobre sua imagem perante a sociedade”, concluiu.
Investigação
superficial
Relator
da Apelação na 9ª Câmara Cível do TJ-RS, desembargador Jorge Alberto Schreiner
Pestana, disse que o prejuízo moral é evidente e decorre do próprio fato de o
autor ter sido processado criminalmente sem qualquer justificativa plausível. A
seu ver, a tese defensiva do Estado é “risível”, pois busca inverter o
princípio da presunção da inocência para a presunção de culpabilidade, com base
nos antecedentes criminais do autor.
Ele
também criticou a superficialidade das investigações. Afirmou que a polícia,
que tem em seus arquivos a foto do acusado, “não se dignou” a fazer o
reconhecimento do suspeito a partir da oitiva de testemunhas e vítima.
A
própria sentença que inocentou o autor naquele processo-crime é reveladora: “A
vítima e sua mãe, conhecedoras do semblante do verdadeiro autor do fato aqui
examinado, eis que ele é amigo da família há mais de uma década, afirmam com
segurança que quem praticou o delito não foi o réu ora acusado. Nesse sentido,
a mãe da vítima já havia informado para a autoridade policial, quando da
tramitação da medida protetiva, os dados suficientes de identificação do
verdadeiro autor do fato, bem como de quando e como ele poderia ter sido
encontrado nesta cidade”.
Por
fim, Pestana citou o parecer do procurador de Justiça Vinícius de Holleben
Junqueira, segundo o qual a atuação dos órgãos de persecução penal revelou-se
equivocada, em especial a investigação policial. E isso não retira a mea culpa
do Ministério Público ou do Judiciário, na medida em que um deles não zelou
pela prudência que se impõe à atuação estatal, ainda mais em se tratando da
seara criminal.
“Não
se está a exigir que a atuação estatal seja infalível, mas, tão somente, que
prime pela eficiência e segurança em sua execução; isto é, que sejam utilizadas
(e bem empregadas) as ferramentas, materiais e processuais, que estão ao
alcance dos agentes públicos responsáveis pela persecução penal”, expressou no
parecer.
Por Jomar Martins,
correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista
Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-fev-22/governo-rs-indenizara-homem-denunciado-estupro-engano
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